Rotimi Fani-Kayode — Projeto“A Arte do Exílio”

A Dificuldade de Pertencer Não Pertencendo

Osvaldo Daumas
acerbumdulce
Published in
4 min readAug 7, 2018

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Eu tenho entrado em um embate muito difícil comigo mesmo quando se refere à minoria que eu faço parte, me questionando sobre a minha tolerância com aqueles que em tese deveriam “ser como eu”. É muito difícil você buscar um conjunto de pessoas que passem pelos mesmos dilemas que você, tentar encontrar em determinados grupos um certo suporte e uma discussão mais profunda sobre o que acontece dentro da nossa própria minoria e isso nunca ocorrer.

Eu tenho a impressão de que os gays são a minoria que menos discute a cerca dos problemas que acontecem dentro do nosso próprio convívio. E infelizmente esse não é um problema que se sucede apenas entre os gays, acontece dentro do feminismo, dentro dos movimentos negros, mas ainda assim existem discussões muito mais profundas nesses grupos, ao meu ver, a respeito dessas problemáticas. Os gays têm uma visão muito rasa do seu próprio grupo. Na minha relação com “meus similares”, principalmente em grupos dentro da internet, vejo a todo momento racismo, homofobia (infelizmente esse assunto só é mais amplamente discutido quando a agressão advém do indivíduo hétero) reafirmação a todo momento de padrões que inevitavelmente são opressores mesmo que indiretamente, que é o caso do gay heteronormativo e misoginia a perder de vista. E várias discussões que deveriam estar acontecendo, como a influência do machismo no nosso meio, a solidão do homem gay negro e da mulher trans, a fetichização do hétero, do homem negro, do homem trans, a relação de ódio que os gays tem com o que é feminino, vão sendo colocadas para debaixo do tapete, porque é mais importante se falar sobre o garoto de programa “gostoso” que posta nudes no Twitter diariamente.

É triste perceber que apesar de tudo que passamos, no final nós somos homens, e continuamos colocando a nossa necessidade de sermos sexuais sempre acima de tudo, porque na verdade todo homem aprende que ele socialmente tem esse poder sobre o sexo e os gays vestiram a fantasia de que por quebramos com o padrão hétero e uma vez que vivendo nossa sexualidade de forma livre esse ato já constitui um procedimento de militância isso já basta.

Por mais que estejamos em um momento onde se discutir esses assuntos se tornou uma prática mais fácil e as minorias conseguiriam um certo protagonismo dentro dos debates, eu sinto uma dificuldade enorme de conseguir expandir os questionamentos e as discussões que levam à soluções de todos esses pontos críticos que citei perceber dentro da minha própria minoria.

É triste perceber que apesar de tudo que passamos, no final nós somos homens, e continuamos colocando a nossa necessidade de sermos sexuais sempre acima de tudo

Esses dias parei para me questionar sobre a minha própria culpa dentro de todo esse processo que vem minando a minha vontade de me relacionar com o grupo onde eu, quando necessário, deveria poder usar como sustentáculo. E a partir desse questionamento tentar viabilizar formas de me relacionar melhor com eles e com os gays que são diferentes de mim, que possuem esteriótipos que intrinsecamente me são opressores e cheguei a conclusão de que a minha parcela de culpa está nas referências que eu tenho me rodeado. Apesar de tentar fugir dessas representações fúteis e dessa roda de pessoas que não se atém aos assuntos mais profundos que deveriam estar acontecendo sobre nós mesmos, essa não é uma tarefa fácil. Em toda a minha existência na qualidade de homem gay eu venho percebendo esse reflexo frívolo da relação dos homens gays com esses assuntos tão pertinentes.

Se pararmos para pensar nos últimos 50 anos e em como os direitos dos homens gays avançou, se comparado com os direitos civis dos negros, das mulheres e de outras minorias, você até pensaria que o nosso grupo possui uma grande homogenia. E embora ela aconteça, dentro de uma proporção minoritária, a verdade é que avançamos porque nossa representatividade política ainda é masculina e branca, nossos referenciais ainda são mais os Harveys Milk e menos as Marshas P. Johnson.

É de um sentimento esmagador saber que a partir do momento que você se entende inserido em uma minoria, dentro da sua própria minoria você vai inevitavelmente ter esse embate com a sensação de não se encaixar de alguma forma e isso numa relação ideológica onde o principal mandamento deveria ser de que as nossas diferenças fossem capazes de nos tornar mais fortes e não de serem usadas como munição para reproduzir os atos dos opressores, que já fizeram esse trabalho incisivo de nos excluir de alguma maneira das estruturas sociais.

Tenho uma crença muito otimista quanto a nossa humanidade, acredito que estamos em momentos críticos de ameaça às nossas liberdades exatamente porque percebeu-se que a gente tem caminhado em encontro à liberdade e melhores condições de sobrevivência para as minorias, ainda que a passos lentos. E espero que uma vez que estejamos galgando em direção ao entendimento dos nosso direitos possamos perceber que o alvo das nossas discussões não pode se limitar apenas aos atos erróneos do homem-cis-hétero-branco, mas também incitar esses questionamentos dentro das nossas próprias minorias.

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