Espelho, Espelho Seu

Em qual momento aprendemos que não somos suficientes? Que o que o nosso corpo demonstra é uma imagem não agradável, que o que falamos não causa interesse ou que o conjunto de quem nós somos não é atraente ao outro?

Osvaldo Daumas
acerbumdulce
4 min readSep 9, 2018

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“woman touching her face portrait” by Andrei Lazarev on Unsplash

Acredito não conhecer uma única pessoa que não tenha que lidar com suas próprias inseguranças. Uns se preocupam com os dentes, outros com o tamanho de suas orelhas, alguns com o seu peso e existem aqueles ainda que por se encaixarem tanto no padrão que se é esperado sucumbem a isso achando que não são interessantes em nenhuma outra coisa mais. E nesse ciclo de dúvida sobre nós mesmos vamos nos afogando no sentimento de que não somos suficientes só por sermos quem somos.

Sempre tentei entender minhas inseguranças, de que modo elas atuavam na forma como eu me comporto, assim como eu permito que os outros se comportem comigo. E tentei encontrar mecanismos que vão possibilitando que eu use outros predicados como armas para me proteger das inseguranças que percebo sobre mim e tento cobrir, numa tentativa frívola porque o manto que evita o perceber é só para mim mesmo, uma vez que sei que os outros vão sempre vê-los.

E nesse trajeto, de ter as minhas inseguranças como minhas companhias mais próximas, uma das ferramentas que sempre usei foi o ato de ter ciência delas mas me apegar ao senso do que acredito ser o melhor sobre eu mesmo. E essa armadura, que trabalha de uma maneira dúbia, foi fazendo com que fosse cada vez mais difícil para eu mesmo falar sobre essas irresoluções assim como para os outros perceberem o impacto delas em mim.

As vezes queria conseguir me ver como eu vejo meus amigos. Eu sei de todas as características que os fazem inseguros, seja a timidez, seja o corpo descarnado, as coxas corpulentas, a pele ferreteada a dificuldade de se portar. E por mais que eu saiba dessas características elas são ínfimas, porque eu consigo entender quem eles são além desses únicos adjetivos e a beleza que existe em cada um deles. O poder enxergar essa venustidade vem da experiência de conviver e compreender muito sobre eles, suas capacidades, suas vulnerabilidades e o que eles têm de mais fantástico. Isso me leva ao questionamento do porquê não conseguirmos ter esse entendimento sobre nós mesmos, que vivemos dentro dessa nossa máquina, o corpo, tentamos decifrar todo dia essa ferramenta, a alma, e temos a liberdade de se questionar, se descobrir e se reconstruir a cada dia.

As dúvidas sobre nós, que vamos alimentando dentro de nós mesmos e que são como animais ferozes que corroem de forma lenta, porém incansável, funcionam como uma jaula que vai inibindo nossa habilidade de perceber que somos merecedores de termos o amor que merecemos, a compreensão que entendemos nos ser de direito e a oportunidade que nos deve ser permitida. Essa jaula vai nos transformando em seres menos plurais, inibidos dentro das características que consideramos ser o pior dentro e fora da gente. Criam casulos que ao invés de antever o florecer vão sufocando o ato de ser.

Queria um dia poder sempre ver a mim mesmo com aqueles olhos amigáveis e apaixonados, que entendem a significância das falhas, físicas e de personalidade, como meios de se tornar único e da mesma maneira que todos aqueles que povoam os meus arredores fossem capazes de ter essa percepção sobre eles mesmos. Contudo entendo a dificuldade de se praticar esse ato num mundo de busca incansável pelo homogêneo, numa escala de padrões irreais onde mais se tenta alcançar o inalcançável mais distante ele se torna.

O mais doloroso da percepção de que somos definidos por nossas falhas é o percebismo de que temos que ser algo diferente, não por nós mesmos, mas para puro deleite do outro numa jornada abnegada, mas que paradoxalmente tenta acudir a nossa própria fome, na tentativa de responder ao desejo alheio. Uma luta inesgotável de refundir o que somos, para sermos o que esperam que sejamos ao mesmo passo que tentamos nos aliciar em acreditarmos que isso é o que nós mesmo queremos.

Há dias em que sinto minhas inseguranças como objetos cortantes, que desestabilizam, acutilam a carne e expõem cada detalhe visceral de forma brutal e desleal. Em outros são tidas com grande estima, por me ensinarem a conviver melhor comigo, a avaliar o melhor de mim e a trabalhar em cada fraqueza como tijolos que constroem o castelo do meu ser e me ensinam a ser mais tolerante comigo mesmo a cada novo renascer.

Espero que eu consiga lidar melhor a cada dia com minhas próprias peculiaridades e possa mostrar a cada um que se dispõe ao meu lado que são essas fragilidades do pertencer que fazem das pessoas singulares. Não sei se em algum dado momento serei capaz de responder à todos esses questionamentos propostos, no entanto que pelo menos tenha o entendimento de que, se alguém não nos percebe além da imagem que vemos de nós mesmos no espelho, elas não são intituladas em tomar para elas todo o resto incrível que contemos em nós mesmos.

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