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Vidas Cabem em Caixas

Osvaldo Daumas
acerbumdulce

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A cada mudança que faço me pego refletindo sobre minha vida e sobre os acontecimentos e escolhas que me levaram até aquele momento. É interessante perceber como esse processo ocorre sempre com um significado bem mais expressivo do que apenas a mudança de um endereço. E nesse árduo trabalho a tarefa que mais considero fatigante é a de empacotar as coisas, ainda assim é a que mais me faz refletir. Quando vejo todas aquelas estruturas simples e pardas empilhadas, com seus lados escritos com letras garrafais de maneira despojada a indicar a qual cômodo cada uma pertence, sempre me pego refletindo sobre como as nossas vidas cabem em caixas.

O ser humano nunca reagiu bem às mudanças, no momento em que primitivamente ganhamos o entendimento do que é segurança, do que é criarmos laços com o lugar de onde se entende pertencer, desenvolvemos esse medo gigante de se jogar no desconhecido. E esse temor se desenvolveu de forma escalonar sendo espelhado em vários outros aspectos da nossa vida. No entanto mudanças são ferramentas poderosas que testam nossa tolerância, nos obrigam a ter um maior entendimento das nossas necessidades, dos nossos receios e, mais importante, testam nossa capacidade de se adaptar.

Ainda que o medo de mudança seja inerente ao ser humano sempre tive um olhar positivo quanto a esses acontecimentos. Vivo na linha tênue de saber das coisas que devo deixar para trás, uma vez que existe o anseio de começar algo novo, e a vontade de recomeçar, me reconstruir, me reconhecer, encher e selar cada caixa para me perder e só então me encontrar.

E a verdade é que somos construídos a partir de várias caixas que vão se tornando mais numerosas a cada mudança. Umas contêm nossos medos, outras são os planos que não deram certos, outras aqueles amores que ficaram pelo caminho, mas deixaram pilhas e pilhas de caixas. Umas são pesadas, bem surradas, por vezes difíceis de abrir, afinal são as que você carrega por mais tempo, pois guardam tudo que você aprendeu por parte dos seus pais. Existem aquelas que devem ser manuseadas com cuidado ou são capazes de contaminar todas as outras, elas guardam rancores, traumas, auto críticas negativas e egocentrismo. Umas são coloridas, guardando um pouquinho de cada amigo que você fez no seu trajeto, os laços que você construi com as pessoas que estiveram próximas e guardam também os momentos que você se sentiu completo.

E acaba sendo interessante perceber como cada um carrega suas caixas de maneiras diferentes. Existem aqueles que acreditam não precisar delas e embora saibam que elas têm extrema importância em cada mudança essas pessoas não as abrem, as caixas são deixadas a empoeirar, e dessa forma quem as carrega acaba tendo um trajeto mais difícil por não tentar aprender com cada objeto que mantêm ali dentro, por mais pontiagudos, desconfortáveis de segurar e escorregadios que sejam. Têm aqueles que preferem não ter conhecimento das suas, vão deixando caixas pelo caminho se contentando com caixas cada vez menores e mais rasas onde se cabe bem pouco. Esses, sem peso algum, correm, de tão rápidos por vezes tropeçam nos outros e no entanto o que não sabem é que por mais que não queiram carregar suas caixas elas vão sempre estar onde eles querem chegar antes deles mesmos. Nesse trajeto têm aqueles que acham que os outros vão carregar suas caixas por eles e quem decide andar com essas pessoas acaba sobrecarregado e já que cada um consegue carregar só as suas quem espera que outros carreguem suas caixas por eles acabam sendo deixados no meio do caminho. Os meus favoritos são os que vasculham cada canto das suas caixas, e por conhecê-las tão bem compartilham cada uma delas. São capazes de emprestar o conteúdo das suas, para que assim o outros saibam como melhor carregar suas próprias e também são aqueles que quando convidados a olhar dentro da caixa de outros absorvem o que podem, para que assim possam carregar as suas de forma mais confortável.

Por fim todos temos que aprender a lidar com nossas caixas. Uns se adaptam a elas se prestando a uma tarefa homérica de caber em um espaço limitado, o tipo de adaptação que não te faz evoluir, mas morrer de dentro para fora. Outros adaptam cada caixa de forma que elas se encaixem em diferentes situações da vida. As usam como uma lição contínua que os ajudam a ser quem são, mas sem se perder no que já foram.

Na minha última mudança tomei um tempo para rever todas as minhas velhas caixas. Reabri as mais antigas, tirei poeira de umas outras, encontrei suporte nas mais coloridas. Percebi como em tão pouco tempo tantas novas pilhas de caixas se fizeram. Percebi também que algumas ficam mais leves com o tempo, você aprende a lidar com elas e o medo que você tinha de abri-las cessa. Algumas que você considerava difíceis de carregar agora se encontram vazias e é hora de enchê-las com novas coisas. No entanto o mais importante foi perceber que eu não precisava mais carregar uma caixa pequena, mas com conteúdo extremamente sólido, a caixa das coisas que eu não queria, todos os “nãos” que ao invés de deixar pelo caminho eu fui encaixotando e trazendo comigo. Entendi que tenho que ter ciência dela, mas na minha pilha de caixas não existe mais lugar para ela.

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