Sapatos trocados

Jéssica Motta
Aconteceu comigo
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5 min readNov 24, 2013

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Francamente não sei se deveria me expor à mim mesma escrevendo sobre isso.

Porque meu desabafo nada mais é, do que minhas intimidades escancaradas a mim mesma, jogadas nas minhas mãos, no momento que eu menos sei o que fazer com elas. De alguma maneira distorcida, essa antítese tem me ajudado. Porém, não deixa de ser assustador. Ver as gambiarras sentimentais literaturizadas tão facilmente. Honestamente não sei como carpinejar consegue. Minha teoria é que: não consegue.

Esses dias parei pra assistir seus passos. Em direção oposta a onde eu estava, como de costume. Há praticamente 3 anos e alguma coisa eu faço isso, de uma maneira ou de outra. Assisto esses mesmos passos curvados indo. E me mantenho próxima. Próxima o bastante pra poder assisti-los de perto. Porque faço isso, não sei.

Nesse breve momento que tive, fiquei na dúvida comigo mesma. Ali ficou claro. Todo o meu comportamento, levou a uma só pergunta: Será que tudo isso, que sinto, que sou, que faço, reflete minha mais completa superação e volta por cima ou minha mais profunda dependência, descaradamente pior do que a de antes?

Uma pergunta assim tão elaborada, cheia de apostos entre vírgulas, tem uma resposta tão simples, né. Geralmente é assim, perguntas complexas, com respostas meramente monossilábicas. A resposta para essa, especificamente, não tenho. Ou tenho e não encaro. Encarar é algo que estou tentando fazer aqui, nesse editor de texto catársico.

Às vezes penso que seja uma questão matemática, pura soma de aspectos, que penderá a balança pra um lado.

Parando pra contabilizar, podemos ter aí de um lado, esses momentos de assistir os passos curvados e apertar o peito, ver roxos no pescoço e desviar o olhar imediatamente, pra não visualizar o pior. Esse constante estar perto, constante cuidado, um carinho que não mudou em nada, sabe-se lá o que mais. Lembro desses aspectos, e esses mesmos que vão por hora pra balança.

Do outro lado está, eu quase não pensando nisso, eu não sentindo aquela antiga coisa horrível no peito mais, eu olhando pra outras pessoas e admitindo a possibilidade de alguma coisa, eu guardando tudo isso pra mim. Esse último aspecto não sei se entra no lado de cá da balança ou de lá, guardo coisas pra mim quando são muito insignificantes ou muito sufocantes. Por hora não consigo identificar qual seria.

Pronto, na balança está. E não mudou nada. Matemática não serve pra manejar esse tipo de conflito, é como se as coisas e situações tivessem muitas outras variáveis além de peso. Massa, densidade, cor, textura, tudo, tudo mesmo, é levado em conta. Uma balança não é capaz de me dar respostas. Partimos pra outro método.

Pensei também no método que decidi chamar de O Grito.

É bastante simples, trata-se de notar o que dói mais. Prestar atenção nos meus gritos internos. Aqueles passos assistidos, aqueles roxos, representaram um grito igual ao que eu dei quando pulei de bungee jump. Naquele mesmo decibel. Mas também ouvir certas coisas do tipo, reclamações de outra pessoa, já não me espremem o exôfago.

E nada pior, do que ver sofrimento por outra pessoa. Mesmo. Prefiro ver amor. Prefiro ver foto no instagram com declaração precipitada, do que ver músicas sentidas por uma falta. De falta já basta eu ver a minha própria, e lógico, negar.

Mesmo assim isso não é assim tão perturbador, em relação ao resto da minha vida. Representa um grito abafado, um gemido no travesseiro antes de dormir.

Negação, 24h. Isso que faço. Funciona. Porém, continua negação. Dia e noite finjo que não vejo essas coisinhas, que não sinto esses mini-sentimentos escondidos. Não é lá muito verdadeiro mas não tenho escolha. O que meu peito quer que eu faça, hein? O que espera de mim? Que fique ali gastando os sentimentos de tanto uso, já que estão ali mesmo. Não posso viver dessa maneira, não tenho alternativa se não praticar um mantra de auto-cura forçada. Que cada dia me convence mais. Vou empurrando para lá alguma dúvida que venha pelo caminho, que não quero lidar, jogo em algum canto de mim. Até um pé pra dentro andando na calçada jogar verdades na minha cara.

Eu invejo pessoas que podem se dar ao luxo de enfiar uma nova paixão no lugar, pra substituir, até que por acidente, ela se torna real mesmo. Invejo muito, invejo mais que tudo! Isso não é pra mim, ainda mais de uns tempos pra cá.

Eu mudei. Absurdamente.

Aquela velha excência ainda continua lá, aquela jéssica de nascimento, com aquela personalidade difícil mas por vezes compensatória.

Mudei minha postura com as pessoas. Naturalmente, não fiz de propósito, até porque, não faria isso conscientemente.

Tenho preguiça de tudo. De todo mundo. De entrar em joguinhos de egos, de conquista. Inclusive pra fazer amizade com as pessoas tenho preguiça, honestamente, prefiro dormir. Que preguiça absurda, parece que eu fumei um beck sentimental, prefiro dormir do que qualquer outra coisa no mundo.

Isso é péssimo, só o que me restou pra sentir são sobras, além de preguiça. Aquele arroz e feijão da semana passada que eu tenho comido todos os dias no almoço e não aguento mais. Metaforicamente não há como jogar no lixo, tem de ser consumido. E isso tem me deixado louca. Tenho preguiça de ir ao mercado buscar ao menos uma farofa temperada. Tenho consumido no seco, todos os dias abro o tupeware e como de colher. Quando acordo, de madrugada, o tempo todo.

Se isso tudo fosse uma maratona, eu diria que a minha pista tem numerosos pit-stops chamados Não Aguento Mais.

Cada meia hora de corrida eu paro pra dizer ME TIRA DAQUI, NÃO AGUENTO MAIS UM MINUTO. E volto. De volta na estrada, com o mesmo tênis, a mesma água mineral na mão. Supondo que não precisarei mais desses pit-stops, que aguentarei no tranco. Quem dera.

Quando eu digo que me exponho à mim mesma entrando nesses méritos todos, é verdade. Mas essa minha verborragia é uma coisa que não consigo abandonar.

Tá tudo tão na minha garganta, juntamente com outros problemas muito piores, que quando vou tentar por no papel, sai uma bagunça imensa, onde ninguém entende nada, só eu. Assim como a situação real, aquela do dia-a-dia, não literaturizada por mim. Entendo menos ainda dela.

É assustador e eu só fecho os olhos. Foi o que fiz quando assistia aqueles passos. Eles costumavam vir pouco, mas com um objetivo oposto dos que vem, com muito mais frequência, hoje.

Tá tudo diferente. Melhor, mais claro, nessa coisa. Só falta eu decidir se to indo em frente ou de ré.

Na verdade, decidir, já decidi faz tempo. Mas eu sei, só eu sei, que na realidade, eu só virei os sapatos, andando de ré, mas deixando pegadas na direção certa.

Teoricamente é isso que faço agora. A não ser que tudo mude, que tudo venha a ser do jeito que eu realmente gostaria, mas não admito. Pena que não posso fazer absolutamente nada, a não ser, trocar meus sapatos.

Nesses passos tortos eu continuo, decidindo ou não, sendo real ou não, só continuo.

Mas me expondo, escrevendo, escancarando. Posso ser toda distorcida, em aspectos metafóricos ou não; mas covarde, nunca.

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