Sobre Rio de Janeiro e meu bloquinho

Dona Tris

Jéssica Motta
Aconteceu comigo
Published in
4 min readAug 27, 2013

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A gente acha que tá só a gente e o mar, quando senta assim na areia esperando o sol se por.

Já reservo quarto pra dois no hotel. Quando vou ao cinema, são sempre dois ingressos. Comprei agora a pouco uma comida que a cariocada daqui chama de “manjubinhas fritas”, logo de cara, pedi porção reforçada. Sentei aqui de frente para o mar, achando que teria um tempo a sós em fim, mas não. A tristeza sentou-se ao meu lado.

Não há lugar de maior inspiração do que este, para escrever. Aliás, não sei como todo mundo aqui por perto não tá acompanhado de um bloco, como eu. Meu bloquinho da ufrgs não me deixa nunca.

Assim como essa maldita tristeza. Agonia, pros mais íntimos. Em Porto, em tempos como este, ela me acompanha pelo caminho também. Já não a aguento mais. Alguém avisa que nosso amor já deu o que tinha que dar? Não pedi pra me acompanhar à Copacabana. Não queria nem que ela me acompanhasse volta e meia no Parque dos Maias, de uma parada a outra.

Tem vezes que eu esqueço que ela está comigo. Escuto uma música boa, penso em tantas coisas que tenho a fazer pra faculdade ou falo no telefone com o Thales, ou até mesmo com o Preto,que me ama muito e não sabe conversar por sms. Mas quando vejo, ela me cutuca, apontando pra aquela placa na Protásio Alves escrita “Bráulio” dizendo “oi, não esquece que eu tô aqui”.

Carente essa tristeza, né. Mal posso viajar em paz que logo vem ela me cutucar, apontando pra esse horizonte lindo, só pra me dizer “oi, tu ta sozinha aqui e nem te conto o que tá acontecendo lá em Gravataí”. Eu não quero saber, viu? Para de me cutucar, me deixa viver.

Vem cá, precisamos conversar sério. Sai do meu lado, sai. Vai procurar alguém que te mereça, não se menospreze desse jeito. Tanta música escrita sobre a tua existência, poemas, artes plásticas, visuais, tudo isso, e ainda insiste em ficar do meu lado que não estou nada interessada. Vou precisar de um advogado e mandar uma ordem de restrição, é isso?

Essa tristeza psicótica não me abandona e eu já fiz de tudo. Bebo, queimo, viajo e sempre, em algum momento há um cutuco que não foi convidado. Não aguento mais, quero viver, sair daqui e ir pro bar do lado do hotel sem ter que pagar comanda dupla. Até porque, pra que beber tanto, hein?! Tem que ver um tratamento pra isso aí.

Não aguento mais fazer piada e encher a minha agonia de metáforas só pra poder encarar a vida com um pouquinho mais de positivismo. Quero ser positiva sem ter que fingir que sou. Positiva e desacompanhada.

Como agora, durante esse anoitecer, que tinha tudo pra não ser tão solitário, mas é. Aqui tá um calorzinho lindo. Venho pra praia durante a noite porque prefiro voltar pro hotel acompanhada da tristeza do que do câncer.

Não parece mas sei que não perco a esperança. Na verdade perco, porque ela é magrela e me acompanha acanhada, escondidinha atrás dessa tristeza que deve pesar seus 200Kg. Mas está lá, eu sei que está. Esperança a gente chama aquele sentimento de não saber como nem quando a agonia vai acabar, mas ter certeza de que um dia, em que eu ainda esteja viva, ela vai.

Na minha humilde experiência, a gente emagrece a tristeza até ela morrer. Para de alimentar. Para de comprar comanda dupla, pizza tamanho família. A esperança sabe que é esse o caminho mas deixa eu descobrir me fodendo.

Meu erro é este. Eu alimento a tristeza, e muito bem. Estou fazendo isso agora mesmo, quando praticamente estiquei a canga pra ela sentar aqui do meu lado. Quando eu me levantar daqui, as coisas vão mudar. Dona Tris já vai caminhando até o hotel. E quer saber? Vai dormir no saguão lá em baixo, sem ar condicionado.

Sabe que escrever me faz tão bem, que na metade do texto que escrevo estando no auge da minha agonia, me sinto aliviada a ponto de querer largar o bloco e “foda-se” vou ali comprar uma cerveja. Mas daí, pareço um tanto bipolar parando no meio de um raciocínio pra mandar tudo se foder.

Dá pra pensar que a minha ideia é mandar dona Tris daqui mesmo pelo correio diretamente pra Gravataí, mas não é. Eu quero ser acompanhada sempre só de sentimentos bons. O sentimento que eu tenho é puro amor, apesar de tudo. Só desejo a felicidade, mesmo que isso resulte na minha agonia, por uns tempos. Mas isso passa. Parecido com o que eu escrevi aqui na areia, e cada vez que vem uma ondinha, apaga um pouco. Desejo só a sorte de um amor tranquilo, com sabor de manjubinhas fritas.

Escrevi aqui numa folha uma dieta restritiva pra Tris, que começa hoje. Enterrei na areia, pra ficar marcado. Ou pra algum ciclista encontrar e achar que quem escreveu isso é meio pirado. Óbvio que não vai ser fácil, nem eu consigo fazer dieta restritiva. O detalhe é que eu tenho escolha, já dona tristeza, não.

Sem quarto pra dois, sem cinema, sem manjubinhas fritas. To voltando pra Porto, e a passagem é pra um.

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