Sobre ventos e Mc triplos

Jéssica Motta
Aconteceu comigo
Published in
5 min readJan 19, 2014

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Um dia me disseram que Mc triplo com coca-cola cura ressaca. Ou algo assim.

Juro, depois de mil testes e teorias vi-me obrigada a concordar que isso desce redondo na minha barriga lariquenta e irritadiça por causa da bebida. Aliás, abandonei, de uma vez por todas, todos os destilados. A partir de agora, somente cerveja. Sempre soube que destilados me faziam mal, mas a insistência pra ficar bêbada rápido, ganhou nas últimas três oportunidades. Nas três me arrependi. Eu já sei que me fazem mal, mesmo assim tomo. Insisto até acontecer algo grotesco que me obrigue a largar de vez. Pois bem, larguei. Me sinto mais leve, menos um aprendizado a cumprir durante os anos.

Só cerveja, e boa.

Fico pensando se todo mundo é assim como eu, anuviada por pensamentos e aprendizados o tempo todo. Não que eu pense demais, nem mal, nem bem, nem o suficiente pra resolver meus problemas. Eu simplesmente tenho uma noção mental de tudo, o tempo todo. Como se eu tivesse perdido a capacidade de simplesmente pensar no que eu to pensando, fazer o que eu to fazendo. E o mais incrível é: acostumei assim.

Inclusive inventei vários macetes pra lidar com essa minha característica mental intensa.

Fiz umas flags pra eu levar pra rave. Depois de muito tempo tentando aprender com as da Helen, aporrinhando a paciência dela. Lindas, coloridas, têm até nome: Marias. Maria por causa, logicamente, da Gaduzica, que me tira de tetos ruins. Eu mesma comprei, cortei os tecidos, paguei a costureira pra passar a máquina. Lógico que eu não costurei, pela coisa da falta de habilidade mesmo, vontade (e tentativa) não faltou.

As Marias funcionam da seguinte maneira, gira-se o cordão com um peso na ponta da bandeira, funcionando como um pêndulo, e a bandeira voa com o vento, em círculos. Deixando a vida mais colorida e meus braços mais doloridos, na mesma medida. A manha de brincar com elas é fazer os movimentos na sequência, pra que elas corram bem, sem se bater, numa posição em que o vento não foda a porra toda.

Lido semelhantemente com a minha cabeça.

Ao longo dessa minha vida curta aprendi a me posicionar bem contra o vento, pra não deixar que ele interfira na direção dos meus pensamentos. Ora de frente pra aquilo que acontece, ora de lado, vendo um ângulo do que estou preparada pra ver, ora de costas, tolerando e simplesmente esperando passar.

A gente se gasta tanto tentando ser forte e manter o orgulho de encarar sempre tudo com o nariz no vento, mas o meu jeito de por o nariz no vento é me guardar pra ventanias que eu não tenha como me virar, ao invés de gastar a pele em qualquer brisa.

Minha cabeça lida concomitantemente com tudo, é simplesmente o jeito que eu sou. Aceitei. Assim como eu sei de cor o movimento das Marias, o jeito que elas funcionam em pêndulo, e a partir daí, brinco. Ninguém vai me encontrar na rave tentando girar a Maria ao contrário ou brigando com a lei da gravidade, reclamando do peso que precisa ir na ponta e não no meio.

Meus pensamentos correm igual as Marias, com o vento. A vida me levou a simplesmente girar, continuar em movimento, de maneira que elas entrem numa dança, de variados circuitos, diferentes trajetórias, e assim, me mantém equilibrada, em paz. É uma sincronia pacífica entre eu e a minha natureza pensante, criativa. Por vezes preciso exorcizar coisas de mim, e me vejo fazendo sequências fortes de giros, suando, concentrada pra não deixar desestabilizar. Mas assim como a necessidade vem, satisfeita, ela passa. Sigo, portanto, na minha sincronia colorida.

Já passei da fase de questionar porque o universo me fez assim, começo então a lidar com o fato de que sim, fez, e me manda recados de como me aprimorar como pessoa. Não sei se agradeço pelo aprendizado, ou lamento ter que aprender. Primeira opção, preferencialmente.

Essa semana minha casa foi assaltada. Um choque. Todos os habitantes da casa estavam na praia, algum sujeito de carma poluidíssimo aproveitou a deixa pra arrombar as portas e entrar. Prejuízos variados, entre avarias na casa, como janelas quebradas, móveis revirados, até a limpa total dos eletro-eletrônicos da casa. Minha câmera, meu netbook, o notebook da minha mãe, computadores, tv, dvd, playstation (miss you buddy), e afins. Um vizinho viu as portas todas abertas e ligou pra polícia. Evidente que só pra fins de registro e estatística, nada tivemos de volta.

Prejuízos e sustos à parte, no minuto que eu soube da notícia, vi claramente um bilhetinho oficial com segunda via rubricada do universo. Dizia o seguinte:

“ISSO é um problema de verdade, palhaça. Aprende.”

Só enxerguei isso.

Um tapa na minha cara. Um vento cheio de terra no nariz, tirando total a sincronia dos meus movimentos.

Como eu sou palhaça, sabe? Me abalando por amizades perdidas, atritos familiares, despesas superfaturadas. Me gastando em brisas.

Pois bem, entendi o recado, ao que me consta estou entrando no nível intermediário do universês. Minha conversação ainda é precária, mas na leitura posso estar indo pelo caminho certo.

Desde que isso ocorreu, não muito tempo pra cá, mudei padrões de pensamento, várias sequências de Marias foram alteradas. Pra que me gastar procurando sofrimento em coisas que eu já fiz tudo que estava em minhas mãos pra mudar? Eu me dei conta do quanto sou adaptável à vida, e às pessoas também. Nesse mundo cheio de gente nova, esperando pra me conhecer, esperando pra me ensinar um passinho novo na minha dança com as flags, eu me preocupando com quem eu estaria deixando de aprender os passinhos. Nessa mesma mania de ao invés de pensar no que estou fazendo, penso em todas as outras coisas que deixo de fazer por estar fazendo aquilo. Doido né? Pensamentos conflitantes, Marias se peixando no meio da trajetória do círculo.

Pois mudei de trajetória, e Marias não mais se batem, vão uma atrás da outra, formando sempre um bom ângulo entre mim e o universo. Pra facilitar o tráfego de bilhetes. Talvez a manifestação catastrófica tenha sido somente pra abrir os caminhos, me deixar atenta. Bilhetes sutis enviados à mim durante meu frenesi das flags provavelmente não funcionariam muito bem. Compreendo agora. Agradeço, no futuro. Assim como me agradecerei por eximir meu corpo dos cruéis destilados.

A gente pensa que não sobrevive desamores, desamizades, desventuras em série e arrombamentos de casa, mas sobrevive sim, com tempo, e com louvor. E se tiver recaída, Mc Triplo com coca-cola.

Como é que diz aquela propaganda mesmo? Há coisas que o dinheiro não compra, pra todas as outras existe Mc triplo.

Ou algo assim.

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