O Que é Anarquismo?

J.
Ácrata
Published in
7 min readNov 23, 2016

“Como o homem procura a justiça na igualdade, a sociedade procura a ordem na anarquia” — Pierre Joseph Proudhon

Anarquismo, também chamado de Socialismo Libertário, é uma ideologia política que defende o fim de todas as hierarquias injustificadas ou coercitivas, sendo as principais delas o estado e o capitalismo. O Anarquismo defende, como alternativa a uma sociedade hierárquica, uma organização social baseada na democracia direta.

Para o anarquismo, a autoridade e a hierarquia não são auto-justificativas, e toda posição de poder ou autoridade deve ser questionada, e, caso essa hierarquia seja injusta, coercitiva ou ilegítima, deve ser desmontada por aqueles a ela submetidos.

Liberdade e Igualdade

“ Só sou verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, são igualmente livres. A liberdade do outro, longe de ser um limite ou a negação da minha liberdade, é, ao contrário, sua condição necessária e sua confirmação. Apenas a liberdade dos outros me torna verdadeiramente livre, de forma que, quanto mais numerosos forem os homens livres que me cercam, e mais extensa e ampla for a sua liberdade, maior e mais profunda se tornará a minha liberdade. Ao contrário, é a escravidão dos homens que põe uma barreira na minha liberdade, ou, o que é a mesma coisa, é a sua animalidade que é uma negação da minha humanidade porque, ainda uma vez, só posso considerar-me verdadeiramente livre quando minha liberdade, ou o que quer dizer a mesma coisa, quando minha dignidade de homem, meu direito humano, que consiste em não obedecer a nenhum outro homem e a só determinar meus atos de acordo com minhas próprias convicções, refletidos pela consciência igualmente livre de todos, me são confirmados pela aprovação de todos. Minha liberdade pessoal assim confirmada pela liberdade de todos se estende ao infinito.” — Mikhail Bakunin

O anarquismo tem em uma de suas bases a liberdade individual, mas, ao contrário do individualismo neoliberal, não vê um antagonismo entre o social e o individual; não vê a liberdade individual como simplesmente uma falta de responsabilidade sobre o coletivo.

Para o anarquismo, a liberdade e a igualdade são interdependentes, uma necessita da outra para existir. No momento em que há uma relação social hierárquica, aqueles envolvidos nessa relação social passam a necessariamente estar divididos entre o subjugador e o subjugado, e, consequentemente, os subjugados precisam abrir mão de parte de suas liberdades individuais. Há a perda da liberdade por parte dos subjugados, assim como há a perda da igualdade entre os dois grupos. E quanto mais estratificadas e extremas essas relações de poder se tornam, mais danosas elas serão àqueles subjugados a elas. A hierarquia também busca se auto-perpetuar, buscando formas de tentar legitimar a própria existência, seja usando a violência, ou buscando tornar aqueles subjugados à hierarquia passivos, acríticos, e subservientes, sem questionar a autoridade à qual estão servindo.

A perpetuação da hierarquia social, principalmente na forma das grandes propriedades privadas, também possui efeitos diretos sobre os seres humanos. Países com maiores níveis de desigualdade social possuem altos índices de distúrbios mentais ou psicológicos , encarceramento, uso de drogas, possuem desigualdade entre a expectativa de vida dos mais ricos e dos mais pobres, e outros problemas sociais.

Assim, é visto que a igualdade é preferível à desigualdade. Se não somente pelo desbalanceamento de poder e subjugação gerados pela desigualdade, mas também pelos males sociais por ela gerados.

Em uma sociedade baseada em relações sociais não-hierárquicas, não há perda de liberdade ou autonomia por nenhum dos indivíduos envolvidos.

Assim, liberdade e igualdade são interdependentes.

Abolição da propriedade privada

Um dos objetivos do anarquismo é a abolição da propriedade privada, ou, o que é a mesma coisa, o fim do capitalismo.

Ao contrário do que neoliberais e conservadores tentam fazer parecer, propriedade privada, ou pelo menos a propriedade privada a qual os socialistas libertários se referem, não significa casas, objetos, ou qualquer outra posse pessoal. Esse tipo de propriedade é referida pelos anarquistas como “propriedade pessoal” ou “propriedade possessiva”.

Já a propriedade privada a qual o anarquismo busca abolir, é a propriedade privada dos meios de produção, ou seja, fábricas, plantações, escritórios, etc.

No sistema capitalista, esses meios de produção são propriedade de um único indivíduo, e/ou de uma empresa privada.

O resultado disso é que aqueles que não têm propriedade privada possuem apenas duas opções: Vender sua força de trabalho àqueles que possuem propriedade privada (trabalho assalariado), ou serem privados de seus meios de sobrevivência.

Sua força de trabalho também não é uma entidade separada de você. Sua força de trabalho não vai trabalhar quando é vendida em troca de um salário. Você vai trabalhar. Assim, temos um sistema que transforma seres humanos em mercadoria. Mas de onde vem o dinheiro usado pra comprar sua força de trabalho? De você. As mercadorias resultantes do trabalho assalariado irão ser vendidas no mercado em troca de lucro, e somente uma parte desse lucro será retornada ao trabalhador, na forma de um salário.

Além disso, o trabalhador não possui qualquer autonomia em seu local de trabalho, e não possui qualquer poder de decisão sobre as decisões que serão tomadas em relação ao seu trabalho ou seu local de trabalho. Ele tem de se submeter àqueles no topo da hierarquia privada, sendo totalmente privado de sua liberdade de controlar o próprio trabalho.

O trabalhador também não possui propriedade dos produtos de seu trabalho, porque, como dito antes, os produtos de seu trabalho são vendidos no mercado para a geração de lucro, que vai para o topo da hierarquia privada, excluindo totalmente o trabalhador de qualquer decisão em relação a isso.

Se for descontado o tempo em que se está dormindo (vamos considerar esse tempo como 8 horas, embora poucos realmente consigam ter esse tempo de sono hoje em dia), metade de seu tempo acordado é gasto no ambiente de trabalho (8 horas de jornada de trabalho diária). No sistema de trabalho da propriedade privada, tudo o que resta ao trabalhador é seguir ordens, sem qualquer questionamento. Há uma total desumanização. Além de transformar o trabalhador em mercadoria, o sistema também procura o transformar em uma máquina. Uma máquina de gerar lucros. Eles têm cada aspecto de seu comportamento controlado pela hierarquia privada, tendo sua autonomia e sua liberdade destruídas em prol da economia de mercado.

As “democracias” representativas neoliberais se orgulham do fato de manterem um sistema aparentemente democrático politicamente, mas mantém economicamente um sistema totalitário, com decisões tomadas hierarquicamente de cima para baixo, e que vai contra qualquer noção lógica do que uma democracia deveria ser.

O anarquismo defende a abolição da propriedade privada, e que os meios de produção devem ser propriedade coletiva dos trabalhadores que os utilizam, sendo geridos em forma de democracia direta. Defende, também, que o sistema econômico deve ser voltado para suprir as necessidades e desejos humanos, ao invés de serem organizados de uma forma mercadológica com a busca exclusiva dos lucros.

Abolição do estado

No Brasil, e em quase todo o mundo ocidental, todos sentem um certo orgulho de afirmar que nós vivemos em um sistema democrático, e que os representantes eleitos irão representar a vontade do povo. Mas não é preciso muito esforço para notar que “representar a vontade do povo” é a última das coisas que os representantes eleitos fariam. Eles, geralmente, representam os interesses daqueles que estão com a posse de grandes quantidades de dinheiro e propriedade, aqueles que financiam os partidos, o estado, e basicamente pagam para os políticos serem eleitos, seja com doações milionárias em campanhas, ou acordos entre governo e setor privado. É assim que vemos dois partidos discordarem ferozmente durante a época de campanha, ou um partido que faz oposição às políticas do governo no poder, mas que, ao chegar ao poder, adotam as mesmas políticas. E, geralmente, essas políticas são em favor daqueles que já estão no poder econômico: os grandes empresários e proprietários de terras. A despolitização generalizada e a certa repulsa que o público geral tende a demonstrar da classe política já é sintoma disso. O povo não se sente representado naqueles em quem votaram, seja esse candidato da direita ou da esquerda institucional, gerando assim uma insatisfação generalizada, e um afastamento do povo em relação à política. Com essa despolitização e descrença no sistema, surge o ambiente fértil para personalidades autoritárias que usam de medidas populistas para se promover tentem conquistar o público.

O público passa por essa despolitização porque, apesar de estarem desiludidos com o sistema vigente, geralmente não vêem uma alternativa.

Mas há uma alternativa.

Apesar de outras correntes socialistas proporem um período transitório, onde a classe trabalhadora iria controlar o estado, em direção a uma sociedade socialista, o anarquismo vê o estado como uma instituição inerentemente hierárquica e autoritária, e não se pode utilizar uma instituição hierárquica para se atingir uma sociedade sem hierarquias. É uma instituição que age contra os objetivos que estão sendo buscados.

O anarquismo defende que o estado deve ser substituído por um sistema de democracia direta, como assembleias gerais, que irão tomar as decisões para a região onde se situam, com os moradores participando diretamente na tomada de decisões. Essas instituições de democracia direta irão se juntar com outras, responsáveis por outras regiões, formando órgãos maiores, para tomar decisões para regiões maiores, e assim por diante, constituindo um sistema não-hierárquico de decisões tomadas de baixo para cima, com total autonomia dos municípios, chamado de federalismo.

Direita ou Esquerda?

Para responder à pergunta de se o anarquismo pertence à direita ou à esquerda política, não é necessário aprofundar demais estas duas definições.

Embora a direita política possua várias correntes internas diferentes, todas elas possuem algo em comum: A manutenção do sistema econômico vigente, o capitalismo. Podem discordar em relação à sua administração (alguns defendem o livre-mercado, outros não), mas concordam no fato de que querem mantê-lo.

Dentro da esquerda, podemos ver duas tendências: A reformistas e a revolucionária.

A esquerda reformista, também chamada de centro-esquerda, não é totalmente anticapitalista, mas defende reformas no sistema econômico, em direta oposição ao neoliberalismo. Um exemplo dessa corrente é a social-democracia.

Já a esquerda revolucionária acredita que o sistema capitalista é um mal, e que é inútil tentar reformá-lo. Essa corrente defende que deve haver uma revolução que ponha fim ao sistema capitalista, e o substitua por outro sistema econômico, onde a propriedade privada seria abolida.

O anarquismo, portanto, se encaixa na tendência da esquerda revolucionária.

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