Propriedade Pessoal vs Propriedade Privada vs Propriedade Coletiva

J.
Ácrata
Published in
5 min readApr 12, 2017

Se eu tivesse que responder à seguinte pergunta: O que é a escravidão? e respondesse numa palavra: É o assassinato, meu pensamento seria imediatamente compreendido. Não teria necessidade de um discurso muito longo para mostrar que o poder de espoliar o homem do pensamento, da vontade, da personalidade, é um poder de vida e morte, e que escravizar um homem é assassiná-lo. Por que, então, a esta outra pergunta: O que é a propriedade? não posso responder da mesma forma: É o roubo, sem ter a certeza de que não serei compreendido,embora essa segunda proposição não seja mais que a primeira transformada? — Pierre-Joseph Proudhon

É comum que haja uma certa confusão em relação a que os socialistas se referem ao criticar a Propriedade Privada. É ainda mais comum conservadores acusarem os socialistas de, ao defenderem a abolição da propriedade privada, defenderem a expropriação de bens como casas, carros, celulares, etc; que seriam classificados como “propriedade privada”.

No pensamento socialista e anarquista, entretanto, há uma clara diferenciação entre o que constitui Propriedade Privada e Propriedade Pessoal. Esse texto tenta esclarecer essa dúvida.

Propriedade Pessoal

Na concepção socialista e anarquista, Propriedade Pessoal (às vezes também chamada de Posse ou Propriedade Possessiva) é toda e qualquer propriedade de uso pessoal de um indivíduo. Isso inclui objetos como casas, carros, celulares, qualquer outro objeto de uso individual, e até mesmo pequenas porções de meios de produção (Proudhon desenvolveu um exemplo desta situação: Se um marceneiro, por exemplo, usa uma oficina para realizar seu trabalho, essa oficina, uma pequena parcela de meios de produção, estaria sob Propriedade Pessoal ou posse desse marceneiro, enquanto que ainda não caracterizaria uma propriedade privada, por ser de uso individual). Para o socialismo, a Propriedade Pessoal é totalmente justificada, pois não exige qualquer tipo de exploração para ser utilizada, e constitui as bases da vida de qualquer indivíduo.

Ironicamente, enquanto acusam os socialistas de não respeitarem a propriedade pessoal, os liberais e conservadores, ao defenderem o capitalismo, defendem um sistema que bem objetivamente desrespeita a noção de Propriedade Pessoal. Um sistema que permite que pessoas morem na rua, enquanto existem casas vazias, e que permite que pessoas tenham suas casas expropriadas por bancos, como aconteceu com milhares de americanos durante a crise de 2008, é um sistema que conduz uma completa violação do conceito de Propriedade Pessoal.

Propriedade Privada

Propriedade Privada, na concepção socialista, é a propriedade individual dos meios de produção, ou seja, fábricas, plantações, escritórios, grandes porções de terra, etc. O socialismo propõe que a propriedade privada dos meios de produção seja abolida, e os locais de trabalho sejam geridos pelos próprios trabalhadores, em regime de democracia direta.

Para os socialistas, a Propriedade Privada é injusta e injustificada, por necessariamente exigir a exploração daqueles a ela submetidos, e gerando problemas sociais como consequência disso.

Sobre o por que de a Propriedade Privada ser considerada uma instituição injusta e autoritária, pode-se ler em textos de diversos autores socialistas e anarquistas (especialmente em “O Que é A Propriedade?”, de Proudhon). Nós também tratamos brevemente sobre isso neste texto.

Propriedade coletiva

A questão restante, então, seria: “Se, em um sistema socialista, seria abolida a propriedade privada, mas não a propriedade individual, que forma de propriedade a substituiria?” A resposta é a Propriedade Coletiva.

É comum o conceito de propriedade coletiva ser confundido com o conceito de “propriedade pública”, ou seja, a propriedade coletiva ser entendida simplesmente como uma situação onde o Estado possui a propriedade.

Isso, entretanto, não é a propriedade coletiva. A chamada “propriedade pública” ainda é uma forma de propriedade privada; a única diferença sendo que, ao invés de pertencer a um indivíduo com corporação privada, ela pertence a uma instituição: o Estado. Como Errico Malatesta escreveu em “O Estado Socialista”: “A propriedade privada e o poder estatal são dois elos de uma mesma corrente que esmaga a humanidade (…) Se abolirem a propriedade privada sem abolir o Estado, ela se reconstituirá graças aos governos.”

Que é a propriedade coletiva, então?

É a base fundamental do socialismo. A propriedade coletiva é quando os meios de produção são controlados por aqueles que os utilizam. Os locais de trabalho sendo administrados por aqueles que lá trabalham.

É dito que a abolição da propriedade privada e o uso da propriedade coletiva seriam uma violação das “liberdades individuais”, e uma propriedade coletiva seria gerida na forma de uma “ditadura da maioria”. Mas como seria a propriedade coletiva mais “ditatorial” que a propriedade privada? Na organização da propriedade priva, um indivíduo ou um pequeno grupo que está no topo da hierarquia corporativa mantém sua liberdade individual, pois controla os meios de produção, e todos os outros indivíduos que compõem a empresa precisam acatar as ordens e decisões desta minoria hierárquica, sem qualquer poder de decisão, o que é, sem sombra de dúvida, uma violação total do liberdade individual. Geralmente é usado o argumento de que, caso você não queira acatar as ordens da minoria detentora da propriedade privada, “você pode deixar a empresa e procurar outro lugar para trabalhar”. O que esse argumento ignora é que, na propriedade coletiva, você também pode deixar a organização, se desejar. Além disso, a opção de “sair e procurar outro local de trabalho” geralmente quer dizer não ter garantia nenhuma de que irá encontrar outro emprego, e podendo, dessa forma, ser privado de seus meios de sobreviver. E, mesmo que o indivíduo encontre outro local de trabalho, ele também será gerido na forma hierárquica de propriedade privada, o que faz com que ele também vá ter novamente que acatar as ordens daqueles no topo da hierarquia. A decisão que resta, portanto, é: Submeter-se àqueles que detém a propriedade privada, ou não ter como sobreviver. Que tipo de “liberdade individual” é essa?

Então, mesmo que a propriedade coletiva fosse gerida de forma que a maioria sempre vencesse, isso ainda seria preferível à organização totalitária que a propriedade privada possui. Um sistema em que 51% dos participantes decidem o que será feito é, com certeza, imensamente mais democrático do que um sistema aonde 10% dos membros impõem suas ordens aos outros 90%.

Mas a propriedade coletiva não é um sistema de simplesmente “51% ganha”. Como o youtuber Libertarian Socialist Rants demonstrou em seu excelente vídeo sobre como seria organizada uma sociedade anarquista, o sistema de democracia direta defendido pelos socialistas libertários é um processo de formação de consenso, ao invés de simples decisão da maioria. Dessa forma, todo indivíduo que participa da organização terá a chance de mostrar diretamente sua visão, e as decisões serão tomadas de tal forma que o maior consenso possível seja buscado. Assim, é mantida a total igualdade de poder, ao mesmo tempo em que se mantém total liberdade individual para todos os participantes.

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