Reprises

Lucas Rubio Ayres
Adeptos & Apaixonados
2 min readApr 14, 2020

Se tivesse tanto lançamento de filme como tem jogo ao vivo, creio que não assistiríamos tanta reprise como assistimos. Mas, como isso não acontece, lá estamos nós num sábado à tarde vendo Gente Grande 2 mais uma vez.

O que de fato está acontecendo é que, neste momento, não há nem filmes sendo lançados, nem jogos ao vivo. A Herança de Mr. Deeds, então, compete com partidas das Copas de 94 e de 98 pela audiência da TV por assinatura.

Na TV aberta, pouco surpreende que a Globo, tão afeita à infindáveis reexibições de basicamente todos os sucessos de Robin Williams, tenha se entregado ao revival das emoções ufanistas da Família Scolari, que aliás daria um puta de um título de um filme de máfia, dirigido por Ugo Giorgetti — o Martin Scorsese brasileiro — e que não seria exibido nem reprisado pela Globo.

O que poderia ser reprisado do Giorgetti é o filme Boleiros, que, ora, reprisa os causos que saem do papo de boteco cinematográfico entre ex-jogadores, juízes e ademais personagens do futebol brasileiro.

Entre goles e risadas, os tais boleiros relembram as cenas e histórias que viveram e ouviram com a mesma paixão com que se fala daquele gol do Pelé em 58 ou de como o Garrincha levou a Copa de 62 nas costas.

Nós somos capazes de fazer o mesmo com as reprises futebolísticas. Assistimos aos gols de um jogo épico com aquela mesma emoção confortável de quem já sabe o final de um filme de suspense dos anos noventa. Que o garotinho só via o Bruce Willis porque ele estava morto a gente já sabe, mas ainda assim a cena da revelação evoca a mesma sensação de surpresa que tivemos originalmente.

O gol nos acréscimos de uma decisão de dez ou vinte anos atrás faz a mesma coisa, acelerando o coração, dilatando as pupilas, até dando aquela arrepiada. As reações, inclusive, são mais intensas conforme o envolvimento do nostálgico espectador com o gol em questão

A regra vale também para a estética da coisa. O gol do Capita em 70 é lindo, não importa quantas vezes você assista; a cena em que em Dadinho é nomeado Zé Pequeno pelo Exu Sete Caldeiras, também.

Os paralelos, enfim, são inúmeros. Até com “reprise inédita” dá na mesma. Assisti esses dias a Touro Indomável, do Scorcese — o Ugo Giorgetti americano — e posso dizer que curti o filme da mesma maneira com que assisti ao Brasil x Itália de 82: analisando e contextualizando as técnicas e atuações e apreciando melancolicamente a grande tragédia ao final.

Filmes e jogos podem e devem serem revistos. Ambos são arte, afinal. Expressões do corpo e da mente humana capturados por uma câmera e eternizados numa tela, e reproduzidos anos depois num despretensioso sábado à tarde.

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