21 lugares pra chorar em Juiz de Fora

Laura Assis
ADobra
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4 min readNov 12, 2021

tradução e aclimatação do poema “New York”, de Alex Dimitrov

Foto: Thiago Morandi

Juiz de Fora é uma das melhores cidades para chorar.

Chorei na esquina da Getúlio com a Marechal,
fumando um cigarro depois do outro,
tirando 2 horas de almoço em 2008
quando fazia meu primeiro estágio na Prefeitura.

Eu chorei na Praça Antônio Carlos uma noite dessas,
preocupada por não ter um plano de saúde
e por ter largado o trabalho para escrever poesia,
pensando em como até mesmo trabalhar com poesia
te impede de escrever.

Eu chorei muitas vezes
num banco do Parque Halfeld,
assistindo aos carros que passavam pela Rio Branco,
sem motivo nenhum pra chorar,
e foi aí que chorei ainda mais.

No ano em que morei no São Mateus
eu estava no mestrado e chorei na Maxipão
com um mesmo cappuccino por horas,
até escrever um poema e imediatamente
enviá-lo para a Um Conto,
afinal, por que não iriam querer publicar?
Era um poema horrível. Todos eles.
Mas são os dias dos quais mais tenho saudade.

Há algo de produtivo
em chorar no centro de Juiz de Fora:
é quase como chorar sozinha no seu apartamento,
mas você pode ver pessoas diferentes
e também aproveitar pra pagar umas contas.

Uma vez eu estava tão exausta
que comecei a chorar no meio de uma cerveja
com a minha amiga Anelise
num bar chamado Breu (agora fechado),
enquanto eu reclamava com ela sobre como as pessoas
pedem sempre aos poetas que façam coisas de graça,
como se não tivéssemos de pagar aluguel
ou dar conta da nossa solidão.

Por favor, gente, paguem os poetas.
Por favor, paguem os poetas mais do que a qualquer pessoa.

Eu também chorei quando estava feliz
num Uber na Avenida Brasil
enquanto a Cidade tocava Ana Carolina
no dia em que meu primeiro livro foi lançado.

Acabou que depois disso
ainda teve muito mais choro
em vários bares e lugares LGBTQ,
vou listá-los:
Muzik, Stand Up, Café Acústico,
Rocket, Contemporâneo, Queens
e eu poderia continuar,
mas esse poema não é sobre choro lésbico,
apenas choro em geral.

Isso me lembra que eu costumava chorar
no Postinho (também em São Mateus)
e que uma vez uma menina perguntou
se eu tinha um cigarro e se a gente podia
“ir pra um lugar mais tranquilo”.

Eu fiquei tão confusa que fingi
que tinha parado de chorar e disse “Não,
você não viu as lágrimas, porra?!”

Então atravessei a rua até a praça e continuei
a chorar, mas aí de forma menos convincente.

Acredite ou não,
nunca chorei no apartamento de uma mulher,
uma mulher com quem eu ficava ou estava prestes a ficar.
Todas elas pensavam que eu era muito fechada
e devia chorar mais. Todas elas andam
emocionalmente esgotadas, para dizer o mínimo.
Especialmente as professoras.

É claro que nenhuma delas me imaginaria
chorando em frente ao Joalpa Hotel
quando perdi meu celular,
no mesmo dia em que tive três poemas rejeitados
e um date horrível,
do tipo que te faz pensar
se deveria parar de falar com as pessoas
e apenas sentar numa mesa
solitária do People Bar.

Eu também chorei no Cine Palace
e em todos os cinemas e suas entradas.

(o Cine Palace também fechou,
aliás, assim como o People Bar.
É isso que acontece em Juiz de Fora,
quando você finalmente acha um bom lugar pra chorar,
ele some num piscar de olhos)

Claro que houve momentos
em que eu queria chorar e não podia.
Me mudando. Esperando o resultado das provas.
Encontrando uma ex-namorada que agora
é casada (com alguém que tem
um rostinho bonito e nenhum caráter,
boa sorte aí, meu bem!).

Acho que nem devo
contar as vezes que chorei em casa.
Quem poderia, afinal?
Eu só morei em três apartamentos:
São Mateus, São Pedro
e esquina da Santo Antônio.

E ainda moro aqui nesse último,
sendo que a última vez que chorei foi há duas horas.

Às vezes choro enquanto desço o Calçadão
fingindo que estou com alergia.
É a minha rua preferida na cidade,
minha rua preferida no mundo.

Seria como contar os casamentos
da Gretchen se eu tivesse
que dizer a quantidade de restaurantes em que já chorei.
A maioria no Centro,
mas eu adoro chorar no Alto dos Passos,
onde as pessoas ficam ligeiramente mais escandalizadas,
talvez porque sejam um pouquinho mais ricas,
sei lá, tenho R$106
na minha conta nesse exato momento.

Também já chorei na frente dos caras do delivery
e nunca me senti mal,
pois há tantas razões para chorar
que eu sei que eles entendem.

Naturalmente, quando vejo alguém chorando em Juiz de Fora
é como um convite.
Como se eu devesse arregaçar as mangas e me juntar à pessoa,
como se estivéssemos prestes a fazer algo
muito importante juntos.

Sinto que tenho sorte de morar aqui,
pois quando criança não me era permitido chorar,
e se eu tiver filhas, definitivamente vou dizer a elas
como isso é útil
e ainda é de graça.

Vocês são livres para chorar o tempo todo!
Por favor, chorem, todos!
Por favor, usem a liberdade de vocês!

Até o dia em que você entender que não está de todo livre.
Nunca foi, pra início de conversa.
É apenas mais uma pessoa chorando no Calçadão.

De novo.

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“21 lugares para chorar em Juiz de Fora” é uma tradução, recriação e aclimatação feita por Laura Assis para o poema “New York”, de Alex Dimitrov. O original pode ser lido aqui.

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