constelares sob êxtase, de beatriz rgb

ADobra
ADobra
Published in
4 min readApr 19, 2021

2926 sons de inspirar e soprar e 620 silêncios

Й busca árvores que cresçam rentes, ou troncos que se dividam em pilares; nenhum outro espaço le comporta mais. vestindo tecidos das painas, elu se entrelaça no meio, manuseia os nós da madeira à frente como peitos e às costas sente pela lombar serpentearem os cipós que lhe roçam; joga seu corpo ora para que le tomem ali, ora se contorce contra o ramo adiante. Й se une aos múltiplos sexos nas árvores, que lhe despejam em floema seus tecidos musguentos, mas elu desfalece interrompide antes e rasteja pelas folhas mortas. procurando pedras à beira de uma cachoeira, Й precisa dos troncos que formem raízes reviradas pela dureza úmida das rochas ribeirinhas; precisa ter onde cair e que a queda lhe tire sangue. elu se senta sobre as pedras e despe-se inteire, esticando e abrindo as pernas como as raízes que se ausentavam daquele flanco da árvore. solta seus braços para trás, caídos no vão entre si e o tronco, ofertando sua pele, recoberta eternamente de relva, ao sol que a crestaria através dos recortes das folhas. irrompendo do chiado fluido das águas correntes, Є emerge de seu mergulho entre décadas; e embora os cabelos tenham encurtado, eles ainda brilham como algas. elu se levanta — olha sem piscar enquanto as gotas lhe pesam as pálpebras e reconhece Й. essu ainda sentia reverberar o som de sua chegada. Є precisa escalar as pedras, as mãos firmes entre os vãos escorregadios, arrastando seu ventre pela superfície. as pernas de Й haviam tomado o peso das acácias em seu desejo de absorção, mas as alfinetadas da imobilidade somente cessaram quando num latejante esforço elu conseguiu abri-las mais. Є escorria gelade por suas panturrilhas, o ventre de anfíbio, algas e braços de morsa; os ossos de Й estalam. apertando–le pelos quadris, no encontro com seus lábios frios de água — o ardor da língua de Є toma a língua plúmbea entre as pernas de Й. elu se desfaz tode seiva, as vértebras perdendo substância. suas pernas enroscam-se ao rosto de Є, as mãos firmes nas raízes da árvore, seu único controle. Є agora pinga aquecide pelo sol sobre suas costas nuas e Й pressente os vasos sanguíneos de sua coxa se romperem sob a força do aperto das mãos delu. sorriu — os matizes de verde ao amarelo ocre que tomariam lugar do roxo. somente le soltou ao escalar lentamente o abismo de sua última contorção, a pele ainda fixada à de Є em seu próprio líquido e saliva. as mãos imóveis em ventosas. recompondo a ordem das cartilagens, Й le traz à sua altura, provando o viscoso de si na boca de outre. dádiva se faz em retorno — com as unhas escavar runas nas escarpas do torso de Є, símbolos tornados vivos pelo sangue vertido. mergulhando seus dedos pelos cortes, desce com aquela cálida tinta dos peitos; a traçar um entre os tantos mapas do tórax até misturá-la com as outras águas do ventre de Є — enraizade em incandescência. os dedos de Й refazem suas formas, e elu entra pel outre, reverberando em seu interior na geometria grossa dos anéis de crescimento. pulsando em suas frequências, o gemido de Є parte-se entrecortado, arrancado dos ramos. Й desliza abaixo beijando todo detalhe de seu corpo; até parte de seus lábios tocar Є pelo calcanhar e a outra parte sentir o sal da morna pedra abaixo delus. ergue-se com a ponta dos dedos e inspira fundo — Є abre os olhos. ambes respiram no mesmo ritmo; voltariam a encontrar­-se na próxima estação. Й recolhe suas raízes e deixa-se afundar através da escuridão em meio à cachoeira, enquanto que Є aprenderia sobre a distinção entre cavar sulcos no solo ao nascer e ao pôr-do-sol.

*

beatriz rgb (Beatriz Regina Guimarães Barboza), não binárie que pesquisa na área de Estudos da Tradução na UFSC — nos estudos feministas de tradução e/m queer~cu-ir — , assim como escreve, traduz, revisa e edita. recentemente foi impresso querides monstres (Douda Correria, 2021), publicou a plaquete with a leer of love (Macondo, 2019) e traduziu com Meritxell Marsal o livro Desglaç, de Maria-Mercè Marçal, como Degelo (Urutau, 2019). edita a Pontes Outras com Emanuela Siqueira e Julia Raiz — com elas traduziu Bash Back! Ultraviolência queer (Crocodilo e n-1 edições, 2020) — , e com Julia edita a revista Arcana.

“constelares sob êxtase” faz parte do livro a mística do bestiário não binário, ainda por ser publicado.

--

--