Quatro poemas inéditos de Edmon Neto
“eu sei que você sorriu/no momento que ela falava de suas dores”
algumas coisas
não precisam ser assim na lata
uma disputa de pênaltis leva
às últimas consequências uma partida boa ou ruim
eu sei que você sorriu
no momento que ela falava de suas dores
ficou parecendo abestado na porta da padaria
contando os cigarros no maço
o carro passou tocando o terror
nos moleques do condomínio
nem comento o clichê de cheirar
ao som de little green bag
com esses classificados é possível conseguir
uma vaga na equipe de roteiristas rodrigueanos
mas parece que você optou pela fuga
e pelos tuítes passivo-agressivos
páginas incontáveis de emulações e um manifesto
contra a aristocracia intelectual dos foucaults da roça
o psicanalista diria que esse seu dublê é assustador
e trocaria o pé trocaico pelas mangueiras úmidas de janeiro
fazer as unhas com os dentes
não o torna repulsivo nem o mais instintivo
sugere-se a leitura dos livros
inexistentes de jorge
talvez assim você se esqueça dos assombros
que sopram à sombra dos dichavadores
está vendo aquele homem parado
na esquina da batista com a santa rita?
dizem que ele fica ali todos os dias
exalando cheiros de quem espera pela amante
*
artrópode menor
dá mostras de que lhe aponta objeto de amor maior
no meio da cabeça a lhe cortar as cascas por dentro.
é preciso tomar cuidado ao atravessar
o asfalto. nenhum homem suportaria
ver esse bicho, mesmo que ventasse
no subsolo onde os amigos espezinham.
você, por sinal, nem se compraz:
– um passo em falso
e o peso do marfim
dilacera as quitinas.
é a pré-história
a oferecer uma faca no dia da tua cópula
sem, porém, se esquecer:
chifres estão à espera do aniquilamento.
– vamos, logo te tornas pesado
neste trajeto de tempo
e de sinusites. inventa desinteressado
iauaretês,
compõe e veste teus extremos.
*
talvez seja
a familiaridade linguística,
a topografia das sete colinas,
o rio cantado nas aulas de literatura
ou somente os meus privilégios
de turista internacional.
teria que lançar mão das fotocópias
de mapas astrais inexistentes,
caminhar pela praça onde Pedro IV
é ilustre desconhecido,
chorar por uma ou duas vezes
no meio do caminho — o país
que ainda não nos odiava — e isso
é uma mentira — agora é apenas
uma noite de cachorrada no bairro alto.
*
descobriu tardiamente que platão significa
ombros largos. o filósofo teria sido atleta
de luta grega. naturalmente, não se exercitava
como os jovens do século xxi,
que procuram academias
como forma de cumprir
exigências sem palavras,
obedecendo o tempo
que os obriga a movimentar
o corpo para a dinâmica das concorrências,
do businessman, do desempenho cego,
da ação sem contemplação, do coaching.
– pensar que viramos escravos
de nós mesmos lhe parece oxímoro jocoso?
platão era filósofo de ombros largos.
nocaute é nos enganar por séculos
com a ideia de que teria expulsado os poetas
de sua república,
quando ele mesmo o era um.
quanto à poesia,
melhor é o que diz um amigo do face:
ela fará rizoma com os depressivos,
subversivamente lenta, desconectada,
escrita pelos corpos — dinamicamente
parados –
que não aguentam
mais.
– não me venham com livros sobre grandes feitos
com garrafas.
*
Edmon Neto é poeta, músico e professor de literatura. Doutor em Estudos literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora, tendo publicado artigos acadêmicos em diversas revistas especializadas. Prepara o seu primeiro livro de poesia.