Três poemas inéditos de Cândido Rolim

ADobra
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2 min readFeb 14, 2021

Morte

Ninguém nota mas
a tez é de tal
forma construída pelo
pressentimento que
nenhuma clarividência ou
cegueira alivia
os contornos de sua
aparição

*

Nota de Acontecimentos

Hoje não olhei fixo para nenhum
ser em particular
fibras dobras nódoas vincos
passaram ilesos pelo hábito de
suspeitar das superfícies
Não me virei sob nenhum alerta
Provavelmente amanhã não me
recordarei de nada além das
formas traçadas pela
deriva alheia
Chegaram-me aos sentidos alguns
ruídos de verdades não
contabilizadas por mero fastio
Uma mancha um coágulo mais
agudo é o inventário deste dia em
que mudo disse adeus a
quase tudo através de um gesto
mais imitado que vivido

*

Poltrona número 34

Aproveita o declive da cadeira e
contempla sua momentânea
extensão: com temor do
que seria o homem visto
de fora dos precisos limites
animal que dorme aparentemente
livre de áridas noções — quase
expulso da aritmética das escolhas sem a
tarefa árdua de divulgar sua
presença esse corpo onde
reside e pertence a outra curvatura

Recuado — como agora — exilado na
leveza que às vezes corresponde a
um nome cada vez mais
estranho: a parte do mundo
recolhida para pensar e
ter dúvida — tudo untado na
mudez — preservado para mais
um salto

*

Cândido Rolim nasceu na cidade de Várzea Alegre, interior do estado do Ceará, nordeste do Brasil, em 1965. É poeta, crítico, fotógrafo e músico amador, reside atualmente em Fortaleza. Alguns livros publicados: Arauto (1988, Ed. Dubolso, Sabará/MG), Exemplos alados (1997, Ed. Letra & Música, Fortaleza/CE), Pedra habitada (2002, Ed. AGE, Porto Alegre/RS), Fragma (2007, Ed. Secult, Fortaleza/CE), Camisa qual (2008, Ed. Éblis, Porto Alegre/RS), Orumuro & Remerzbau, em parceria com Ronald Augusto e Ricardo Pedrosa Alves (2017, Ed. Butecanis, Florianópolis/SC) e Sutur (2018, Ed. Texto Território, Rio de Janeiro/RJ); além das traduções Miniaturas (Carnaval Press, Londres, 2018), traduzido ao inglês por Virna Teixeira, e Piedra Habitada (Amotape, Lima/Peru, 2013), traduzido ao espanhol por Oscar Limache e Alfredo Ruiz.

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