Entrega legal: um direito da gestante e uma alternativa para evitar o abandono

Yasmin de Freitas
Adotar
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4 min readFeb 23, 2018
Foto via StockSnap.io

Quando o assunto é adoção, muito se fala sobre a ansiedade e os medos dos pretendentes, o tempo de espera, a burocracia, as crianças que aguardam uma nova família e a discrepância que existe entre o número de pretendentes cadastrados e de crianças disponíveis. Mas há um lado da adoção pouco explorado: o dos pais biológicos dessas crianças, principalmente das mães que entregam seus filhos para adoção.

Entregar o filho para adoção não é crime. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura o direito de a gestante manifestar o seu desejo de entregar o filho para adoção, sendo atendida pelas Varas de Infância e da Juventude de cada município, sem que haja constrangimento ou que seu desejo seja desrespeitado. No entanto, a nossa sociedade sempre julga e não compreende a escolha dessa mulher, fazendo com que muitas delas tenham dificuldade em tocar no assunto e, principalmente, em buscar as devidas orientações.

Existem vários motivos que podem levar uma mulher a entregar sua criança para adoção — gravidez indesejada, falta de apoio do parceiro e/ou da família, falta de condições financeiras e/ou emocionais para exercer a maternidade, gravidez decorrente de violência sexual, etc. — mas independente do motivo que a levou a tomar essa decisão, ela deve ser acolhida e receber um atendimento que a auxilie na tomada dessa decisão, já que também lhe é assegurado o direito de mudar de ideia ao longo do processo.

A gestante que deseja entregar seu filho à adoção deve buscar uma unidade judiciária para que lhe seja garantido o direito a um atendimento qualificado e à privacidade. Na maior parte dos casos, a gestante chega ao atendimento das Varas de Infância, pois foram encaminhadas pela maternidade. Mas também existem casos de mulheres que buscam orientações nos grupos de apoio à adoção e até mesmo aquelas que se dirigem diretamente para a Vara.

O trabalho de apoio a essa mulher, embora seja feito em sua maior parte por uma unidade judiciária, não é apenas de sua responsabilidade. A rede de saúde, bem como os conselhos tutelares e serviços de assistência social devem contar com profissionais que possam acolher essa gestante, lhe mostrando que a entrega não é crime, mas também tendo cuidado para não coagir a entregar a criança ou a ficar com ela.

Embora as gestantes já possam demonstrar o seu desejo de entregar o filho para a adoção, a entrega só se efetiva após o nascimento. Durante a gestação, a Vara da Infância e da Juventude deve ajudar a gestante a tomar uma decisão com responsabilidade, respeitando sua individualidade e intimidade, sem pressões ou constrangimentos. Também deve prestar assistência de forma que se garanta a saúde e segurança em todas as etapas da gestação, no parto e no acolhimento do recém-nascido, seja em sua família biológica ou em uma família adotiva.

Após o nascimento, a mãe será ouvida pelo juiz para que se confirme o seu desejo de entregar o filho para adoção e, consequentemente, a retirada do seu poder familiar. Mas apesar da genitora abrir mão do exercício da maternidade, a Justiça tenta verificar a possibilidade dessa criança permanecer em sua família biológica antes de colocá-la para adoção. “Primeiro se busca a família extensa, conforme definido nos termos da própria lei, e na hipótese de não haver indicação de genitor, nem mesmo de família extensa, é declarado pelo magistrado a extinção do poder familiar e a colocação da criança em guarda provisória de quem está habilitado a adotá-la”, explica a juíza Iracy Mangueira, coordenadora da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de Sergipe.

A Vara da Infância e da Juventude busca sempre fazer com que essa etapa de destituição do poder familiar e da colocação da criança para adoção não se prolongue, justamente para evitar o acolhimento dessa criança. Rosa Geane Nascimento, juíza da 16ª Vara da Infância e da Juventude de Aracaju (SE), relata que também há a possibilidade desta criança ser entregue a um pretendente ainda com o processo de destituição em andamento, principalmente nos casos em que a criança já está acolhida há algum tempo. Porém fazendo ressalvas sobre a situação daquele processo e da possibilidade da criança retornar para sua família biológica, já que ainda não houve a destituição do poder familiar. “A criança pode ser entregue ainda com o processo em andamento. No processo de destituição que já está em fase final, você já pode chamar o cadastrado para diminuir o tempo de acolhimento e fazer a entrega, advertindo que o processo não terminou, que a situação pode ser revertida”, explica.

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A Revista Adotar é uma revista experimental sobre adoção, apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Jornalismo. revistaadotar@gmail.com

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