O amor não tem idade: uma história de adoção necessária

Yasmin de Freitas
Adotar
Published in
5 min readFeb 16, 2018
Foto via StockSnap.io

Antes mesmo de começarem um relacionamento, Tatiene Lima, 41, e David Gomes, 45, já tinham o desejo de adotar. E esse anseio não desapareceu após o casamento e a chegada de Rodrigo, o filho biológico do casal. David conta que apesar do foco estar no recém-nascido, a ideia da adoção em nenhum momento esteve apagada. Então, quando começaram a pensar em um segundo filho, o casal retomou o assunto da adoção. Devido a idade e alguns problemas de saúde de Tatiene, a gravidez parecia ser algo muito delicado e então, decidiram fazer algo que sempre desejaram: adotar uma criança.

Porém o casal ainda tinha uma visão muito imatura sobre o tema e seus conhecimentos sobre o processo de adoção ainda eram muito superficiais. Por esse motivo, antes mesmo de se inscreverem no Cadastro Nacional da Adoção, resolveram ter contato com a realidade das crianças abrigadas. No final de 2014, o casal soube de dois bebês que estavam em um abrigo na cidade de Tobias Barreto (SE) e precisavam de doações. Ali surgiu a oportunidade de ajudar aqueles bebês, mas também conhecer as demais crianças e entender um pouco mais sobre o processo de adoção. Porém a visita foi bem diferente do que esperavam, pois naquele dia eles conheceram Gabriel — que, na época, tinha quatro anos — e seus quatro irmãos biológicos. “Ele roubou a cena, os irmãos roubaram a cena e a gente ficou lá com eles o tempo inteiro, brincando, conversando”, conta Tatiene.

O processo de adoção

Quando o casal teve certeza de que iria mesmo encarar um processo de adoção, surgiu uma ansiedade. Mas não para receber logo uma criança, mas uma ansiedade que foi fruto dos questionamentos sobre qual perfil o casal escolheria. Após pensarem bastante, acabaram optando pela faixa etária de até quatro anos. Só que ao longo do processo perceberam que o perfil escolhido era limitante demais, então resolveram dobrar a idade e passaram a aceitar crianças de até oito anos. O casal, então, passou a ser um dos poucos candidatos que aceitavam esse perfil no estado e ficaram surpresos com a frequência das ligações. “É incrível como dá uma semana e o telefone já toca”, comenta David. Mas apesar das ligações terem acontecido com mais regularidade, todas as experiências que tiveram não foram bem sucedidas, o que acabou gerando uma crise no casal, que começou a se questionar sobre sua preparação e se estavam mesmo abraçando a ideia da adoção.

Durante todo esse processo, a imagem de Gabriel sempre vinha à mente do casal, tanto que Tatiene sempre entrava em contato com o abrigo para ter mais informações dele e de seus irmãos. Só que nessa época nem cogitavam adotá-lo, pois ele fazia parte de um grupo de cinco irmãos e a adoção de mais de uma criança não fazia parte dos seus planos. Mas a surpresa veio quando o juiz, vendo que o garoto corria o risco de não ser adotado tão rapidamente, o separou de seus irmãos. Por serem os próximos da lista, o casal recebeu uma das melhores ligações de sua vida: a que informava que Gabriel estava disponível para ser adotado por eles e que as visitas já poderiam começar.

A etapa de visitas durou dois meses. Foi um processo de idas e vindas, já que o casal reside em Aracaju (SE) e Gabriel estava abrigado em Tobias Barreto. Mas apesar das duas horas de viagem em uma estrada ruim e do tempo curto demais para estreitar laços, os pais de Gabriel contam que os encontros eram sempre maravilhosos. Isso melhorou quando em junho de 2017, o casal recebeu a guarda provisória de Gabriel. O convívio diário e dentro do próprio lar fez com que os pais pudessem conhecer um pouco mais o novo integrante da família.

A adaptação

Tatiene e David sabiam que estavam lidando com um desafio diferente do seu primeiro filho. Enquanto os receios em relação a Rodrigo eram próprios de pais de primeira viagem; com Gabriel se tratava de uma criança que já vinha com seus costumes e uma personalidade parcialmente formada. Mas o casal não encarou como algo negativo e sim como um aprendizado.

É claro que veio a fase dos testes e surgiram alguns desafios. Juntos eles precisaram conhecer a personalidade daquele menino; tentar identificar se aquele comportamento era devido a sua criação ou típico de uma criança de sete anos, já que não tinham experiência com aquela faixa etária; e perceber se aquela atitude era um teste ou não. Também enfrentaram o desafio de ensinar uma coisa: as relações familiares. Por conviver durante muitos anos na realidade do abrigo, Gabriel não tinha uma referência de família. “Ele não entendia nada da relação familiar, quem era tio, quem era primo. Irmão ele ainda entendia, porque, pra ele, todo mundo era irmão. Mas pai e mãe, ele não tinha referência”, explica Tatiene.

O casal também teve cuidado para que Rodrigo não se sentisse em segundo plano com a chegada do irmão. O filho biológico, apesar de receptivo, no começo tentou chamar um pouco a atenção dos pais, pois viu que estava tendo que dividi-la com o novo irmão. Por esse motivo, fizeram um trabalho para tentar dividir bem a atenção e evitar algumas situações que pudessem causar a impressão de que havia uma preferência entre um deles.

Entre irmãos

Ao contrário do que se possa imaginar, o filho biológico do casal, desde o primeiro encontro, se deu muito bem com o novo irmão. Na primeira visita, Tatiene e David se questionaram se a presença de Rodrigo seria algo positivo ou não. E por fim, decidiram levá-lo. A decisão não poderia ter sido mais correta, já os dois irmãos se conectaram ali. Gabriel, que inicialmente estava travado e temendo deixar os seus irmãos no abrigo, ao final da visita, já queria sair de lá junto com a nova família.

Essa união só se intensificou com as demais visitas e quando, após receber a guarda provisória, Rodrigo passou a morar junto com eles. Os dois irmãos raramente brigam. Pelo contrário, o filho biológico do casal, que é mais novo, tem uma postura de defender o irmão quando presencia alguma injustiça sendo feita e sente ciúmes dele.

O apoio

Os pais de Rodrigo e Gabriel não conseguiriam fazer com que esse processo fosse tão bem sucedido se não tivessem com quem contar. Durante o curso de preparação, eles conheceram o Projeto Acalanto e hoje reconhecem a sua importância. O casal faz parte do grupo Novos Pais, uma iniciativa do projeto para auxiliar pais da adoção necessária, e ressaltam como a troca de experiências entre pessoas que estão passando pela mesma fase tem auxiliado nesse momento de adaptação.

Mas a ajuda não foi só externa, a família também foi essencial. Tanto os familiares de David, quanto os de Tatiene, receberam muito bem Gabriel. Essa recepção os surpreendeu, pois acreditavam que seria mais difícil. Só que a realidade foi outra: Gabriel foi muito bem acolhido, inclusive por aqueles que tinham um discurso contra adoção.

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