Por que a adoção no Brasil demora tanto?

Yasmin de Freitas
Adotar
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6 min readFeb 11, 2018
Foto via Viktor Hanacek

A adoção no Brasil ainda é vista como um processo burocrático e lento. Entre as principais críticas — sendo motivos que podem desestimular pessoas interessadas em adotar — estão a demora do processo e a burocracia existente. No entanto, Rosa Geane Nascimento, juíza titular da 16ª Vara da Infância e da Juventude de Aracaju (SE), não considera a adoção burocrática e afirma que a demora não está no processo em si, mas sim relacionada ao perfil escolhido pelos pretendentes. A magistrada explica que tanto o processo de habilitação dos candidatos, quanto o de adoção tem um prazo de 120 dias. O que pode prolongar a espera por um filho é o perfil desejado.

Durante o processo de habilitação, o pretendente à adoção delimita qual perfil deseja adotar ao determinar o sexo, raça, cor, idade, se aceita ou não grupos de irmãos e crianças com problemas de saúde. Porém, no Brasil, embora muitos pretendentes tenham se aberto para a possibilidade de ampliar a faixa etária de seus perfis, mais de 50% ainda só aceitam crianças com até três anos. Nestes casos, a espera será maior, porque além de já existirem muitas pessoas também no aguardo por esse perfil, entre as 4.902 crianças disponíveis para adoção, apenas 2,5% delas se encaixam nessa faixa etária. Assim, quanto mais se aumenta a abrangência do perfil, menor é o tempo de espera.

No entanto, é preciso chamar atenção para um problema: alguns pretendentes acabam ampliando seus perfis, com o intuito de receber logo um filho, mas não estão verdadeiramente prontos para receber uma criança maior, que já tem certa autonomia; traz consigo um histórico marcado pelo abandono, violência, maus tratos ou abusos; e ainda “testa” os seus pais, pois precisa ter a certeza de que é verdadeiramente amado por aquela família e não irá viver outra experiência de abandono. Assim, é possível que o pretendente entre em contato com adoções que são mais rápidas, mas nem sempre bem sucedidas.

Os prazos

A redução de prazos, visando garantir a celeridade dos processos de adoção, tem sido tema de debate entre os juristas e profissionais que lidam com o tema. Inclusive, em novembro de 2017, foi sancionada uma lei com o intuito de acelerar as adoções. Porém é importante destacar que essa busca por uma agilidade não pode vir a comprometer a qualidade do serviço prestado pela Justiça. “A busca por uma tramitação mais célere sempre vai ser algo a ser perseguido, agora uma tramitação célere que não venha comprometer a qualidade da prestação jurisdicional”, defende a juíza Iracy Mangueira, coordenadora da Infância e da Juventude (CIJ) do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE).

A magistrada ressalta a importância destes prazos. Segundo Iracy, os processos de infância e juventude não podem ser interpretados de qualquer maneira, deve-se sempre analisar com cuidado, para que se evite uma nova rejeição e uma nova violação de direitos. O estágio de convivência, por exemplo, é importante para que se avalie corretamente aquela relação que está se formando, a fim de evitar que se gere uma frustração ou pior, a devolução das crianças. Por mais que ao conhecer a criança, o pretendente tenha certeza de que quer adotá-la, é preciso que a Justiça também tenha certeza de que aquela relação será bem sucedida. É por este motivo que existe esse período em que a criança tem contato com aquela família, acompanhado de profissionais como um psicólogo e uma assistente social.

Iracy Mangueira também destaca como o Judiciário tem atuado de forma a buscar sempre o cumprimento desses prazos, principalmente para que se evite a institucionalização dessas crianças — ou seja, aqueles casos de crianças que passam sua vida dentro de uma instituição de acolhimento. “Dentro do que a lei exige, nós temos que realizar todo um esforço dentro daquela perspectiva de prioridade absoluta, que rege o ordenamento jurídico da infância e da juventude, para que esse processo de fato termine nesse período. E aí sim, se não está terminando, vamos ver. Então a partir desse enfoque pontual, vai poder corrigir essas distorções para colocar esse processo num fluxo de tramitação compatível com o padrão que é estabelecido pela norma. Lógico que isso é um desafio constante”, explica.

A destituição do poder familiar prolonga o processo de adoção?

A legislação brasileira prioriza o retorno da criança para sua família, sendo a adoção a última medida a ser tomada. Há uma ordem de medidas a serem tomadas antes de retirar o poder desses pais e colocar a criança para adoção. A primeira delas é a análise da possibilidade de reinserir aquela criança em sua família biológica. Quando essa se mostra impossível, há a busca por familiares próximos com quem a criança tenha laços de afetividade, a chamada família extensa. E, diante da impossibilidade da família extensa, há a destituição do poder familiar.

O processo de destituição do poder familiar tem um prazo de 120 dias. Quando essa criança já se encontra destituída do poder familiar, ela passa a constar no Cadastro Nacional da Adoção (CNA), uma ferramenta digital do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos dos processos de adoção em todo o país.

Porém, nem todas as adoções acontecem através do CNA. Juíza titular da 16ª Vara da Infância de Aracaju (SE), Rosa Geane Nascimento relata que há situações de pessoas que optam por não se inscrever no cadastro, onde as crianças já estão destituídas, e acabam se dirigindo à Vara com dois processos: o de adoção, junto com o de destituição do poder familiar. Nestes casos, em que há a entrega direta da criança, antes de permitir que esses pretendentes a adotem, é preciso que se analise se há a possibilidade de manter essa criança em sua família biológica ou com parentes próximos, além de ouvir os genitores para confirmar o seu desejo de entregar esta criança para adoção.

O problema desse processo de adoção, que vem cumulado com o de destituição, está no fato de que muitos pais que realizam a entrega direta dos seus filhos, na maioria dos casos, residem em um município ou estado diferente dos pretendentes. Como esta criança não pode ser destituída e adotada sem antes se ouvir os genitores e ser feito um estudo social dessa família, esses procedimentos acabam prologando um processo, chegando a passar do prazo estipulado. “São esses processos que mais demoram, infelizmente. E sem contar que ainda corre o risco de o pai e a mãe se arrependerem, contestar a ação, recorrer. Demora mais ainda”, comenta a juíza da 16ª Vara de Aracaju.

Demanda x quadro funcional

Além das questões burocráticas e dos perfis idealizados pelos pretendentes, a baixa na equipe técnica em alguns estados do país também tem sido apontada com uma das causas da lentidão dos processos de adoção. Em muitos estados, faltam assistentes sociais e psicólogos. Estes profissionais desempenham um papel demasiadamente importante no processo de adoção, pois além de fazerem a análise dos candidatos, acompanham os pais adotivos no processo de adaptação dessa criança. E todos os processos de adoção dependem dos pareceres destes profissionais. Por este motivo, quando a demanda se torna maior do que o número de funcionários, os prazos acabam sendo comprometidos.

No Juizado da Infância de Aracaju isto também acontece, principalmente após um corte de equipe. Mas a juíza não considera o principal problema, já que mesmo com uma equipe reduzida, se tem conseguido realizar um bom trabalho. “Nós conseguimos, dentro da medida do possível, cumprir os prazos ou extrapolar o mínimo possível. Mas acontece? Acontece. Por quê? Porque quando a demanda aumenta e você não aumenta o quadro funcional, vai gerar esse tipo de dificuldade”, conta Rosa Geane Nascimento.

Quanto a essa questão, a coordenadora da Infância e da Juventude em Sergipe, Iracy Mangueira, cita a alteração feita pela Lei 13.509, que prevê que na insuficiência de servidores públicos integrantes do Poder Judiciário, para realização dos estudos psicossociais ou qualquer outra espécie de avaliação, a autoridade poderá proceder a nomeação de perito. Assim, embora o ideal seja que as Varas tenham sua própria equipe, essa flexibilização da lei traz celeridade a esses processos.

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