O experimento da Obediência Humana

Adriano Lodi
Juntos Podemos Mudar o Mundo

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Na década de 60, um psicólogo chamado Stanley Milgram, realizou um polêmico experimento que buscava demonstrar como os participantes observados tendem a obedecer às autoridades, mesmo que estas contradigam o bom-senso individual.

Os voluntários foram recrutados para um experimento de laboratório na Universidade de Yale, nos EUA. Os participantes foram 40 homens, com idades entre 20 e 50 anos, cujos postos de trabalho variavam entre não qualificados à profissionais, e recebiam uma remuneração pela participação.

Os voluntários eram conduzidos em duplas para o laboratório por um Pesquisador (vestido com jaleco, que coordenava todo o processo com eles). Ele sorteava quais papéis os voluntários exerceriam. Um recebia o papel de “Aluno” e o outro de “Professor”.

Eles eram direcionados para duas salas diferentes. Em uma sala ficava o “Aluno” amarrado em uma cadeira com eletrodos presos ao braço (sim, semelhante a uma cadeira elétrica), e na outra sala o “Professor” com um gerador de choque elétrico a sua frente, com supervisão direta do Pesquisador.

Disposição das pessoas e Salas no experimento

O “Professor” recebia uma lista de pares de palavras que ele deveria ler em sequência e depois testar o “Aluno”, falando o nome de uma palavra e pedindo para o “Aluno” se lembrar qual era seu par de uma lista de quatro possíveis escolhas.

A comunicação entre eles era feita apenas com um microfone na sala onde estava o professor, não havia contato visual. O “Aluno” respondia as questões através de quatro botões que acendiam em um painel na sala onde estavam o “Professor” e o Pesquisador.

Quando o “Aluno” acertava a resposta, avançava para próxima questão. Porém quando errava o “Professor” era instruído a administrar um choque elétrico no “Aluno”. E a cada erro ele estava orientado pelo Pesquisador a ir aumentando a intensidade de choque. Haviam 30 chaves no gerador de choque, que variavam de 15 volts (ligeiro choque) a 450 (choque grave).

À esquerda imagem do gerador de choque elétrico. Superior direita o “Aluno” sendo preparado. Inferior direita um dos voluntários no papel de “Professor”

Conforme os choques iam aumentando era possível ouvir gemidos, reclamações e até mesmo gritos do “Aluno” na outra sala. Quando o “Professor” se recusava a prosseguir e administrar um choque, o Pesquisador lhe repetia uma série de frases de estímulo para garantir que ele continuasse. Havia quatro frases, e se a primeira frase de estímulo não fosse seguida, o Pesquisador lia a segunda frase, e assim por diante.

Estímulo 1: “Por favor, continue.”

Estímulo 2: “O experimento requer que você continue.”

Estímulo 3: “É absolutamente essencial que você continue.”

Estímulo 4: “Você não tem outra escolha a não ser continuar.”

Caso o “Professor” se negasse a prosseguir depois da quarta frase, o experimento era interrompido. Ao contrário, o experimento só era interrompido ao chegar na voltagem mais alta. Ao final do experimento, Milgram era chamado na sala como um auxiliar do Pesquisador para fazer algumas perguntas ao “Professor”. Por exemplo como e porquê de ter continuado mesmo quando escutava os gritos de dor do outro, ou quando o outro não emitia mais nenhum ruído ou respondia as questões.

O que se verificou ao final foi que 65% (dois terços) dos participantes continuou até o mais alto nível de 450 volts. E ao final do experimento nenhuma pessoa foi até a porta da outra sala ver se o homem que estava gritando estava bem.

“Como foi possível pessoas normais, como nós na rotina diária, agirem desumanamente, sem nenhuma limitação da consciência?” — Milgram

Me surpreendi com o resultado, considerei um percentual bem elevado. Que nos leva a reflexão que um ser humano, adulto, esclarecido pode ser influenciado e conduzido pelo poder da autoridade total. Mesmo em condições que a ação fere suas crenças morais, éticas, aspectos jurídicos e filosóficos de que não deveríamos prejudicar os outros. No experimento, por exemplo, mesmo ouvindo os gritos de dor do “Aluno”, o “Professor” prosseguia. A autoridade falou mais alto na maior parte das vezes. A extrema disposição de pessoas adultas de seguir cegamente o comando de uma autoridade é o resultado principal desse polêmico e controverso experimento de Milgram. Que estava interessado em saber o quão facilmente pessoas comuns poderiam ser influenciadas em cometerem atrocidades, por exemplo, os alemães na Segunda Guerra Mundial.

Para quem ainda não conhece a controversia do experimento muita atenção nos próximos 3 parágrafos.

Tenho que explicar mais um importante detalhe, o experimento foi considerado polêmico e controverso porque Milgram não aplicava choques reais nos voluntários em seu experimento. Na verdade o único voluntário era o “Professor”. Já o “Aluno” e os Pesquisadores eram atores contratados por Milgram, que assistia tudo através de um espelho falso de outra sala ao lado.

O sorteio era forjado, os erros do “Aluno” eram propositais e ensaiados. Os choques não existiam, apenas faziam barulho. Até mesmo a voz e os gemidos da sala do “Aluno” eram reproduzidos por um gravador (garantindo assim que tudo ocorresse igual a cada teste). O que garantia também que o comportamento do “Aluno” sempre era autêntico e real.

Milgram recebeu inúmeras críticas pelo experimento. Desde dos participantes, colegas psicólogos, imprensa e até a população.

Ao longo do tempo ele realizou 25 variações de seu estudo, alterando a situação, público (incluiu mulheres), novos locais, porém o resultado se manteve sempre próximo (65%). O experimento foi reaplicado em 2008 em uma Universidade em Santa Clara (EUA) com os resultados aproximadamente iguais.

Agora quero compartilhar aqui minha visão sobre dois aspectos na forma como tratamos a OBEDIÊNCIA NO AMBIENTE DE TRABALHO. O experimento traz uma luz e reflexão de como são conduzidas as equipes, as entregas, os projetos no ambiente de trabalho tradicional.

Primeiro — A presença da Obediência pela Autoridade na gestão das Empresas

Um modelo de gestão amplamente utilizado nas empresas, o modelo de Comando e Controle certamente se utiliza dessa condição de obediência pela autoridade.

Vou tentar explicar esse modelo de forma simplificada. Ele ocorre onde os chefes estipulam as metas, as entregas e dão as ordens. E depois vão controlando o andamento, os prazos, a qualidade. Esse modelo vem sendo muito questionado atualmente, pois inibe a criatividade, a empresa se devolve a partir de uma única pessoa, não se compartilha responsabilidade e por muitas vezes pessoas executam tarefas que não concordam ou não acreditam (gerando desmotivação).

Quem nunca executou uma atividade em sua empresa que não concordava? Eu já passei por isso, aliás inúmeras vezes, e é bem provável que eu estava sob a influência da obediência pela autoridade. O que temos a fazer agora é TOMAR CONSCIÊNCIA e ficar mais atentos a isso. Líderes devem refletir o quanto utilizam dessa condição, mesmo que de forma automática, para gerir suas equipes. E você que ainda tem um chefe (não um líder), tem que refletir o quanto você está agindo sob está influência da obediência pela autoridade. O quanto está trabalhando no seu dia-a-dia apenas cumprindo ordens e nunca se preocupando em questioná-las.

Segundo — O ambiente de comodidade gerada por Obediência pela Autoridade.

Será que as pessoas estão dispostas a questionar as ordens? Será que elas estão dispostas assumir/compartilhar responsabilidades?

Acredito que teríamos muitas respostas positivas se perguntarmos para as pessoas nas empresas, se elas desejam trabalhar em um sistema de Gestão Colaborativa. Com o envolvimento de todos nos direcionamentos, com responsabilidades compartilhadas, com liberdade, com autonomia, e com propósito no trabalho. Quem não gostaria de estar em uma ambiente de trabalho assim?

Porém na pratica percebi que isso AINDA não se aplica para a maioria das pessoas quando já estão inseridas em um sistema de Gestão Colaborativa.

Participar de um sistema desses requer sempre se colocar em uma CONDIÇÃO DE DESCONFORTO. Quantas vezes você não vivenciou, em um dia fora da rotina, aquela sensação de cansaço à noite? Tirar o cérebro do modo automático, mate-lo sempre em estado de questionamento, vai requerer energia. Pensar também cansa.

Também vai requerer ASSUMIR MAIORES RESPONSABILIDADES, você se torna mais autônomo, tem liberdade, participa das decisões e consequentemente irá responder pelos resultados positivos e negativos da empresa. Não vai dar pra usar mais aquelas famosas frases: “Eu fiz o que me pediram, se deu errado fale com ele(a)” ,“Eu sabia que ia dar errado”, “Apenas cumprimos ordens”, ou “Dane-se, não fui eu mesmo que decidi fazer isso”

Milgram descreveu isso como “estado agente”, onde o indivíduo se define como um instrumento de realização dos desejos de outros. O que Milgram também nomeia como a “política do trabalho”.

Na minha visão essa condição de aversão ao risco, ou mesmo o medo de se expor nas discussões são condições que aprendemos de forma intuitiva através da influência da sociedade que vivemos. Como por exemplo a influência de pais e família, cultura que estamos inseridos, realidade do Brasil, e até mesmo modelos de ensino e formação que não nos preparam para empreender, mas sim para ser bons funcionários.

Mais uma vez o pedido é que se você faça uma reflexão.

No seu ambiente de trabalho você está sob influência da obediência pela autoridade porque o sistema o tornou assim? Ou por preguiça de dar os próximos passos, sair da zona de conforto e se expor?

Tomar CONSCIÊNCIA é o primeiro passo para a mudança. Temos que avaliar bem o que desejamos.

“Você poderia dizer que somos marionetes. Mas eu acredito que somos marionetes com percepção, com consciência. Às vezes, podemos ver as cordas e, talvez a nossa consciência seja o primeiro passo para nossa libertação.” — Milgram

Notas Finais

É possível debater sobre esse experimento por diversas vertentes, e até por isso fica evidente a relevância do estudo na psicologia. Agora se você deseja entender mais do experimento e fazer sua própria reflexão indico:

Filme — O experimento de Milgram — 2015–1h38 link (Vale a pena assistir)

Livro — Milgram, S. (1974). Obedience to authority: An experimental view. Harpercollins.

Bora refletir!

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Adriano Lodi
Juntos Podemos Mudar o Mundo

…entusiasta no desenvolvimento de pessoas pela Educação, Capacitação, Treinamento e Palestras… Professional Coach + Leader Coach + Analista Comportamental