O Paradoxo da Imprensa, a liberdade e o medo

João Pedro Pereira
Adversos
Published in
4 min readJun 5, 2020
Fonte: Uva.br

Imagine a seguinte situação: um jornalista recebe um furo de reportagem que tem duas vertentes possíveis, se verdadeiro, pode alavancar a sua carreira para sempre e pode destruir a vida de outra pessoa, já se falso, pode destruir a sua vida para sempre e fazer outra pessoa ganhar notoriedade.

Ao receber o material ele também recebe a instrução sobre publicar, que caso não o fizesse em até 15 minutos, seria lançado no ar e ele perderia a oportunidade de ter exclusividade. Não há tempo de verificar e a fonte é a anônima, portanto não se sabe da confidencialidade e ela não seria prejudicada se liberasse de outras formas. Publicar ou não publicar?

Imprensa e o risco

Neste caso, obviamente, o jornalista estaria trabalhando com o risco. No caso, o risco da sua própria carreira ou o risco da vida de outra pessoa ir pro espaço tão rapidamente quanto a ascensão no meio jornalístico. Mas o objeto em si é o risco e o meio de análise para esse paradoxo deixou de ser a índole do jornalista ou o seu bom senso e passou a ser um dos seus instintos mais primitivos de sobrevivência, o medo.

O que define se ele irá publicar ou não é o quão medroso ele é para com as consequências. Um psicopata é programado para não sentir medo e provavelmente o publicaria. Já alguém com transtornos outros, talvez não o fizesse pelo receio das consequências físicas, psicológicas e financeiras.

A liberdade para publicar e o medo

No meio disso tudo está a liberdade jornalística, que está diretamente atrelada ao medo como forma mais rudimentar de definir por uma publicação. Há jornalistas que trabalham constantemente com esse sentimento e precisam de superar essa barreira para continuarem o seu trabalho.

Glenn Greenwald em seu livro “Sem Lugar Para Se Esconder”, que narra a história por trás do maior vazamento da NSA e CIA feito por Edward Snowden, nos conta sobre como seus colegas de trabalho lidaram em um primeiro momento com a pressão do governo pelas revelações que estavam prestes a realizar:

“Em vez de publicar a matéria de forma rápida e agressiva, o Post convocara uma grande equipe de advogados, que estava fazendo todo tipo de exigência e emitindo toda a sorte de alerta severo. Para a fonte, isso mostrava que, diante do que ele considerava uma oportunidade jornalística sem precedentes, o periódico estava se deixando levar não pela convicção ou pela determinação, mas pelo medo. Ele também estava furioso com o fato de o Post ter envolvido tantas pessoas, e temia que essas conversas pudessem ameaçar sua segurança.”

Os governos e a política do medo

Ao longo da história da humanidade isso aconteceu por diversas vezes sem que ninguém pudesse fazer nada. Governos ao se verem contra a parede com fatos utilizam do medo para barrar reportagens sem que seja necessário sujar suas mãos de sangue ou nos tribunais. Convocam agentes para dissuadir publicações e ameaçam com severos processos todos aqueles que se opõem a sua política abertamente fascista.

Ultimamente, eles têm se utilizado de uma nova estratégia, que é a manipulação da opinião pública contra a imprensa, em uma tentativa de intimidar jornalistas a fazerem o seu trabalho, incitando a violência simbólica ou até física contra jornalistas e todos aqueles que se atrevem a falar contra políticos tidos como suprassumos da moral.

Mas não se engane, todos esses atos aparentemente isolados têm apenas dois objetivos: causar medo a quem revela fatos e manter objetivos escusos longe do olhar da massa. É um novo jeito de abafar aquilo que as pessoas não gostariam que os políticos estivessem fazendo com o tempo deles, pago com o seu, o nosso dinheiro.

O medo para além da sua imaginação

Glenn em seu livro também vai nos dizer sobre como o medo causado pelos governos afeta as próprias mensagens que os veículos de comunicação deveriam passar a seus leitores, as mensagens reais pós fatos:

“Foi esse jornalismo obsequioso, movido pelo medo, que levou o Times, o Post e muitos outros veículos a se recusarem a usar a palavra “tortura” nas notícias sobre as técnicas de interrogatório de Bush, embora a usassem sem restrição para descrever as mesmas táticas quando utilizadas por outros governos mundo afora. Foi isso também que provocou a enxurrada de veículos de imprensa despejando alegações sem fundamento sobre Saddam e o Iraque de modo a vender ao público norte americano uma guerra sustentada por falsidades que a mídia do país, em vez de investigar, só fez amplificar.”

O medo causa reações estranhas nas pessoas e o governo sabe disso. Ele sabe do paradoxo que é escrever sobre coisas as quais você não têm todas as informações possíveis antes de publicar, mas que ainda assim é seu dever noticiar. E sabendo isso ele trabalha com a meia verdade, com o jogo de palavras. Com isso ele ataca a imprensa sempre que pode e faz dela um mero meio para levar as suas mensagens.

Entenda que

Liberdade de imprensa não diz respeito ao que ela pode ou não pode publicar. Liberdade de imprensa diz respeito a não sentir medo de publicar aquilo que se sente que deve ser dito.

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