Privacidade, servidão voluntária e criptografia

João Pedro Pereira
Adversos
Published in
4 min readJun 5, 2020
Fonte: Evaltec/Google

Nunca falou-se tanto sobre privacidade pois nunca ela foi tão violada quanto nos tempos recentes. É um axioma simples. As pessoas associam a privacidade a elementos externos de sua vida cotidiana, como se por considerarem que são isentos de erros, estivessem livres de a desejá-la. Mas vejamos aqui que você deveria sim estar preocupado, e cada vez mais atento ao que fazem com seus dados.

Erramos também quando falamos sobre privacidade, não falamos sobre as ferramentas, e elas são as principais responsáveis por dar uma dimensão do tamanho do problema que enfrentamos hoje.

O carro chefe da privacidade

A criptografia é a principal ferramenta hoje existente que nos permite o mínimo de privacidade em um mundo cada vez mais conectado e invasivo na vida privada do indivíduo. Nenhuma outra é tão poderosa quanto usar uma lógica matemática para codificar e decodificar seus dados.

Edward Snowden, ativista pró liberdade e ex agente da NSA e CIA, em seu livro Eterna Vigilância nos diz que

“(…) a criptografia é a única proteção verdadeira contra a vigilância. Se todo seu drive de armazenamento for criptografado, seus adversários não poderão vasculhar os arquivos excluídos nem qualquer outra coisa, a menos que tenham a chave da criptografia. Se todos os e-mails de sua caixa de entrada estiverem criptografados, o Google não poderá lê-los para traçar o seu perfil, a menos que tenha a chave de criptografia. Se todas as suas comunicações que passam pelas redes hostis australianas, britânicas, estadunidenses, chinesas ou russas forem criptografadas, os espiões não poderão lê-las, a menos que tenha a chave de criptografia. Esse é o mesmo princípio de ordenação da criptografia: todo o poder está com o detentor da chave”

Mas geralmente cidadãos comuns não estão muito preocupados com se protegerem de nada. Afinal, o que você teria a esconder sendo somente, você? Outro autor, que escreveu sua obra mais famosa por volta de 1500, Étienne de La Boétie em Discurso da Servidão Voluntária, nos alerta:

“Eu não lhe pediria tão vivamente para recuperar a liberdade se lhe custasse alguma coisa. Não existe nada mais caro para o homem do que readquirir o seu direito natural e, por assim, dizer de animal voltar a ser homem. Contudo, não espero dele ousadia tão grande.”

Mesmo o indivíduo mais rudimentar tecnologicamente falando tem segredos que não gostaria que fossem expostos. Senhas, números de cartão de banco, e-mails enviados, mensagens trocadas com fotos e vídeos, etc. Tudo isso precisa de criptografia ou se não qualquer pessoa conectada a mesma rede wi-fi que você conseguiria facilmente capturar através de um rastreador de pacotes como um programa chamado Wireshark.

Quando Étienne nos faz esse alerta, ele está nos dizendo que o homem voluntariamente cede a sua liberdade e na inércia de não buscar reverter isso, leva uma vida como servo de outro. Ao ceder os seus dados sem ao menos tentar resistir, ao cair em golpes por falta de cuidados online, ao clicar em links suspeitos ou preencher formulários suspeitos, você está se tornando um servo de pessoas que não querem o seu bem.

Diversos sistemas já utilizam da criptografia e muitas empresas que ainda não utilizam, ou que utilizam de maneira ineficiente, estão adequando seus sistemas a robustos métodos de criptografar seus dados. Mas e você, tem algo que poderia fazer por si?

A privacidade e a criptografia na sua navegação

Ficar atento aos sites que você acessa é o primeiro passo. Não basta ter HTTPS (aquele cadeado verde) para estar protegido. É preciso que o site seja realmente confiável. Verifique sempre se o endereço começa com www e não qualquer variação como www2 ou outros, pois se for um site não tão conhecido, podem estar criando um subdiretório (uma pasta dentro de outra pasta no servidor do site) e redirecionando o tráfego do site principal para por exemplo roubarem seus dados de cartão de crédito.

Verifique também se a rede ao qual você está conectado utiliza padrão de senha WPA2 ou similar. Redes públicas costumam não ter nenhuma criptografia e qualquer aparelho conectado pode espionar o seu através de rastreadores de tráfego web.

Se você busca uma privacidade maior, você pode trabalhar com sistemas operacionais feitos exclusivamente para isso, como o Tails. Segundo os desenvolvedores, o Tails “é um sistema operacional portátil que protege sua privacidade e te ajuda a evitar censura.”. Basicamente você o instala em um pendrive e depois disso você usará ele nele, sempre que desligar o computador, você perderá todos os dados e isso manterá sua privacidade intacta. É ideal para quem trabalha com jornalismo investigativo e executivos de multinacionais.

Entenda que

A criptografia e a segurança da sua informação não dizem respeito somente ao que você faz, dizem respeito a quem você é. Uma face que nem sempre você gostaria de revelar para todos.

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