O Futuro da Saúde

O impacto da tecnologia como transversal alterando a forma de fabricar medicamentos, realizar cirurgias, além da maneira como cuidamos e tratamos a nossa saúde.

Aerolito
Aerolito
8 min readJun 18, 2019

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Depois de abordarmos o futuro da alimentação e do entretenimento através de hipóteses possíveis — sob o nosso olhar, dentro de inúmeras outras possibilidades — do impacto de tecnologias emergentes nesses dois segmentos, vamos mergulhar no Futuro da Saúde.

Antes, é preciso entender que se trata de uma área técnica. Diversas inovações surgem em publicações acadêmicas ou em formatos que dificultam o entendimento. Ainda assim, acreditamos ser uma das áreas em que é possível enxergar de forma mais clara o impacto da tecnologia como transversal. Por isso, achamos interessante imergir nesse universo e fazer uma tradução sob o nosso ponto de vista de como acreditamos que as tecnologias podem impactar esse mercado.

Nesse texto exploramos essa ideia a fim de levantar hipóteses sobre um futuro otimista para a saúde. Queremos evidenciar a importância do repertório para criar conexões.

1. Cirurgia Remota

Algo que já soou como ficção científica, agora pode ser considerado uma realidade viável. A história começou na década de 70 com a NASA. Quanto mais as viagens espaciais tornavam-se uma possibilidade, mais questionamentos eram levantados a respeito de como garantir a saúde de astronautas. Como seriam realizados os cuidados médicos a milhares de quilômetros da terra? A partir de então, iniciaram-se as primeiras investigações e tentativas de desenvolver robôs que pudessem cumprir essa tarefa à distância.

Três décadas depois, em 2001, foi realizada a primeira operação transatlântica. Cirurgiões em Nova York removeram a vesícula biliar do paciente, que estava na França. Na época, os dois pontos foram conectados através de fibra óptica.

Em março deste ano, mais um passo foi dado. Foi realizada na China a primeira cirurgia remota com tecnologia 5G. O paciente, que sofria de Parkinson, estava na sala de operação em Beijing, enquanto o cirurgião, localizado na cidade de Hainan a mais de 3.000 kms de distância, implantou um estimulador cerebral nele. A operação durou 3 horas e foi bem sucedida.

O grande desafio das cirurgias à distância sempre esteve no atraso de transmissão de imagens e nos movimentos dos instrumentos, já que um intervalo tão curto quanto de meio segundo pode representar a vida da pessoa que está na mesa de operação. Através da rede 5G foi possível ultrapassar essas barreiras que ainda aconteciam com a rede 4G.

Com esse tipo de tecnologia permitindo cirurgias remotas é possível em um futuro próximo que mais pacientes tenham acesso à tratamentos de qualidade sem depender da localização, economizando tempo e recursos.

Se no futuro cirurgias remotas se tornarem a norma, será possível que cirurgias internacionais sejam feitas para a redução de custo? Como por exemplo, profissionais cubanos realizando cirurgias em pacientes do Brasil.

Nesse cenário, como ficam os planos de saúde? Serão desenvolvidos planos internacionais?

Como isso poderia afetar a mobilidade e urbanização? Se cirurgiões e cirurgiãs não precisam mais estar presencialmente, esses profissionais não poderiam morar em cidades menores com acesso à consultórios menores onde realizariam as cirurgias? Como ficariam os hospitais?

2. Implante Biodegradável

Para pessoas com lesões nos nervos periféricos, tarefas muito simples, como digitar mensagens de texto, podem ser motivo para tomar analgésicos. Casos graves podem exigir cirurgia e a prática padrão é administrar alguma estimulação elétrica nos nervos lesionados durante o procedimento para ajudar na recuperação. Mas, no geral, não há muito o que ser feito além de administrar a dor através de remédios e fisioterapia durante toda a vida. Até agora.

A Escola de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis e Northwestern University estão um passo adiante em trazer uma solução. Foi desenvolvido um dispositivo implantável e biodegradável que fornece pulsos regulares de eletricidade a nervos periféricos danificados. Os primeiros testes foram realizados em ratos e ajudaram os animais a regenerar os nervos de suas pernas, recuperar sua função nervosa e força muscular mais rapidamente. O dispositivo dura cerca de duas semanas antes de ser completamente absorvido pelo corpo.

Ao contrário dos neurônios do cérebro e da medula espinhal, os nervos periféricos que passam pelos braços, pernas e tronco podem se regenerar após a lesão. A estimulação elétrica desencadeia a liberação de proteínas promotoras de crescimento, aumentando as habilidades naturais das células nervosas e ajudando-as a crescer mais rápido e completamente.

Qualquer estimulação elétrica foi melhor do que nenhuma em ajudar os ratos a recuperar a massa e força muscular. Além disso, quanto mais dias de estimulação elétrica os ratos receberam, mais rapidamente recuperaram a sinalização nervosa e a força.

Ainda em desenvolvimento, podemos imaginar que em um futuro próximo o implante biodegradável seja uma solução mais eficaz e menos dolorosa para todos que sofrem dessa condição.

A mesma tecnologia biodegradável não poderia ser utilizada para outros implantes temporários? Poderia ser utilizada, por exemplo, para substituir adesivos de nicotina? E ao invés de termos adesivos, termos implantes que se dissolvem no nosso corpo em algumas semanas e liberam a substância aos poucos?

Ainda, essa tecnologia poderia ser utilizada por atletas para melhorar sua performance através de estimulação elétrica? Seria considerado dopping?

3. Personalização de Remédios

Vivemos a geração de produtos e serviços personalizados, e isso vale também para a saúde. No início do ano, a marca Skinceuticals da L’Oréal, lançou a máquina D.O.S.E, desenvolvida para customizar o produto e o plano de tratamento de pele de cada pessoa. A partir de 14 ingredientes únicos, profissionais de cuidados para a pele realizam o diagnóstico para determinar qual fórmula é mais adequada às necessidades da pessoa e, a partir disso, fazem a combinação de forma individualizada. A cada 3 meses é feito o acompanhamento da evolução da pele e é desenvolvida uma nova fórmula, caso necessário.

O próximo passo, podemos imaginar, seria conceber às farmácias a capacidade de produzir de forma rápida e fácil doses personalizadas de medicamentos para as pessoas, com base em suas necessidades específicas. Assim, ao invés de termos que lembrar a dosagem correta de cada remédio, poderíamos simplesmente comprá-las de forma customizada, prática e precisa.

A startup de Rhode Island, Vitae Industries, já está trabalhando para chegarmos lá. A empresa desenvolveu a impressora 3D chamada AutoCompounder, em que o hardware imprime pílulas farmacêuticas em um terço do tempo que profissionais do ramo levam para fazer de forma manual. A empresa imprime até mesmo as “poly-pills”, pílulas que combinam vários medicamentos em um único comprimido.

Dando um passo além, Matthew Peak, diretor de pesquisa do hospital infantil Alder Hey, em Liverpool, na Inglaterra, foi responsável por mais uma inovação. Ele começou a se perguntar se seria possível oferecer pílulas sob medida e que contenham a dosagem exata que as crianças precisam, já que normalmente elas sofrem com a dificuldade de engoli-las.

Após alguns experimentos, em julho de 2018 a equipe da Peak em Alder Hey tornou-se a primeira no mundo a administrar pílulas impressas em 3D para crianças como parte de um teste de pesquisa. O conceito por trás desse desenvolvimento está em adaptar as pílulas a tamanhos, formas e até mesmo sabores customizados. E assim, tornar o processo de tomar remédios menos traumático, mais simples e até divertido.

Como a indústria farmacêutica está se preparando para tecnologias que podem substituir os seus principais produtos?

Seria possível que profissionais da saúde tivessem impressoras 3D dentro dos consultórios para fabricar o medicamento de pacientes just-in-time, durante as consultas, por exemplo? E os hospitais?

Pessoas poderiam fazer o mesmo movimento com “remédios” naturais, por exemplo? Os laboratórios de manipulação já estão usando essa tecnologia?

No futuro, poderemos manipular nossos próprios remédios para dor de cabeça, enjôo ou dor de garganta de acordo com as nossas preferências de sabor e composição?

4. Escaneamento do Corpo

A empresa Lumen é a responsável pelo desenvolvimento de um dispositivo para “escanear” o próprio corpo. Através de um assopro ele mede como o metabolismo está funcionando no momento e fornece informações sobre quais exercícios ou refeições funcionam melhor.

A leitura é feita através da respiração — mais precisamente, através do dióxido de carbono presente na nossa exalação. E assim, é possível receber planos de refeições personalizadas diariamente para ajudar a perder peso e otimizar os treinos, já que um metabolismo rápido ou lento, pode variar diariamente de acordo com os alimentos ingeridos, horas de sono dormidas ou quantidade de exercício feito.

Segundo a empresa, pesquisas foram realizadas e o resultado mostrou que as pessoas que utilizaram o aparelho e seguiram as sugestões do device e perderam peso.

Qual será o papel dos profissionais de nutrição do futuro? Como isso poderia auxiliar o trabalho desses profissionais?

Tendo o controle de nossa saúde nas nossas mãos, será que começaremos a perceber os alimentos de uma forma diferente? Qual será nosso relacionamento com o que ingerimos? Como isso altera nossos hábitos, como horas de sono e prática de exercícios?

Continuaremos a ver a comida como uma forma de prazer? Ou como fonte de saúde? E os alimentos que não gostamos? Será que nos convenceremos a comer algo do nosso desgosto priorizando a saúde?

Será que o dispositivo conseguiria compreender pessoas com limitações alimentícias, como intolerantes à lactose, glúten, ou até mesmo vegetarianos e veganos e sugerir melhores hábitos?

5. Reconhecimento facial para controlar cadeiras de rodas

Atualmente, existem cerca de 15 milhões de deficientes no Brasil, sendo 4 milhões portadores de deficiência motora. Nos Estados Unidos, são 288 mil pessoas que vivem com lesões na medula espinhal como resultado de acidentes de carro, quedas ou ferimentos de bala. Nesse cenário, a existência de cadeiras de rodas motorizadas consegue ajudar milhares de pessoas diariamente, mas apenas até certo ponto, pois não são todas que conseguem controlá-las facilmente.

Com o objetivo de facilitar a vida dessas pessoas, a Hoobox Robotics desenvolveu a Wheelie 7, um novo kit de adaptadores que podem ser conectados a qualquer cadeira motorizada, e utiliza inteligência artificial e reconhecimento facial para que a pessoa controle o equipamento através do seu sorriso, piscar de olhos, ou levante das sobrancelhas.

A cadeira foi desenvolvida com câmera de visão computacional para capturar e mapear diferentes expressões faciais em 3D, e um minicomputador integrado para ajudar o dispositivo a interpretar os sinais. Todo o processo acontece quase que em tempo real — com menos de 100 milissegundos de atraso.

Como essa tecnologia aumenta a qualidade de vida de pessoas que dependem de cadeira de rodas? Com esse acesso, elas não teriam mais disponibilidade para conviver em sociedade, sair às ruas, consumir mais?

Como seria impactada a rotina das pessoas que cuidam desses pacientes? Não poderiam otimizar seu tempo em outras tarefas? As faculdades de enfermagem estão cientes dessa tecnologia?

A mesma tecnologia não poderia ser aplicada em carros ou bicicletas elétricas, por exemplo?

Assim, enquanto a tecnologia 5G é vista como mais um avanço nas telecomunicações, profissionais da saúde a desenvolveram para permitir cirurgia remota. O reconhecimento facial ganha a pauta de debates controversos por já ser utilizado em milhares de câmeras de segurança em toda a China, mas cientistas usaram a mesma tecnologia para permitir que, pela primeira vez, pacientes com tetraplegia se tornem minimamente independentes.

Na Aerolito, acreditamos que inovação e criatividade estão intimamente relacionadas a um repertório diverso, e que áreas técnicas como a saúde e medicina só conseguem ser fonte constante de inovação por sua capacidade de gerar perguntas e conexões entre áreas que, a primeira vista, podem parecer distantes.

Em um mundo não linear, conectado, multidisciplinar e exponencialmente imprevisível, a polimatia — capacidade de alcançar profundidade em múltiplas e distintas áreas e criar conexões entre elas — (termo que aprendemos há pouco tempo com a Anna Flavia Ribeiro, no ciclo aulas sobre polimatia do OLI Class, e que também virou um mantra dentro da Aerolito), é essencial.

Todo o conteúdo apresentado faz parte do OLI, nosso ecossistema de multi aprendizagem digital via assinatura — por enquanto disponível apenas para ex-participantes dos cursos Tomorrow, Friends of Tomorrow Presencial e Online e FoT Conference.

A Aerolito é um laboratório de exploração de cenários futuros. Ajudamos pessoas e empresas a absorver os conceitos de um contexto pós-digital.

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