O Futuro das Múltiplas Realidades

O impacto transversal das Realidades Estendidas — Virtual, Aumentada e Mista — e suas interfaces

Aerolito
Aerolito

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Segundo dados da Statista, em 2016 o mercado mundial de Realidade Virtual e Aumentada foram juntos responsáveis por US$ 14.1 bilhões e a previsão para 2022 é que cheguem a US$ 209.2 bilhões. Para quem acompanha a evolução tecnológica, fica claro que estamos falando de uma curva exponencial e, com isso, de um impacto transversal que não se limita a um ou a poucos segmentos.

Recapitulando quais são as múltiplas realidades que nos referimos.

Na Realidade Virtual (Virtual Reality / VR), o acesso é feito através de óculos imersivos e tudo o que a pessoa enxerga — em qualquer ângulo — vem de uma tela, isto é, não há visualização do ‘mundo real’, apenas do universo virtual.

Para isso, já existem vários gadgets interessantes, desde wearables acessíveis como o Google cardboard, um óculos de papelão, ou o Gear VR da Samsung, que acompanha o smartphone Galaxy, até sistemas mais poderosos e imersivos que se conectam a um computador, como o Oculus Rift ou o HTC Vive.

Já a Realidade Aumentada (Augmented Reality / AR) e a Realidade Mista (Mixed Reality / MR) utilizam artifícios do ambiente real. A primeira pode ser tão simples quanto uma sobreposição visual. O Pokemon Go e filtros do Snapchat foram grandes responsáveis pela sua difusão ao público. A segunda acontece quando a sobreposição se torna um objeto virtual e tem a possibilidade de interação com o ambiente, nos permitindo brincar com personagens fictícios, aumentar e diminuir displays ou transformar nosso ambiente na melhor estação de trabalho. O lançamento do Google Glass em 2013 foi uma das primeiras tentativas de comercializar MR ao grande público.

Contudo, ainda que em estágios mais avançados, o desenvolvimento de diferentes realidades é um empreendimento complexo que necessita de uma quantidade enorme de processamento.

Nos textos anteriores do Medium, abordamos o futuro da alimentação, do entretenimento e da saúde explorando o impacto de diferentes tecnologias em um mesmo segmento. Neste, decidimos mergulhar no universo da tecnologia em si, abordando as diversas Realidades — Virtual, Mista e Aumentada, pois acreditamos que a mistura delas possa transformar o nosso mundo, nos mais diferentes segmentos, através de um impacto transversal.

Estudamos e trouxemos exemplos de aplicações dessas tecnologias nas interações sociais, saúde, impacto social, varejo e ambiente de trabalho e ao fim, uma reflexão sobre o futuro das interações entre humanos e dispositivos.

1. Realidade Aumentada no Varejo

A empresa DETEGO, fundada em 2011, desenvolve e distribui produtos de software para o varejo de moda, fornecendo análises em tempo real e informações de estoque. Um dos seus desenvolvimentos é o Smart Fitting Room Services.

Através da tecnologia, é possível remodelar a experiência de compra. O provador inteligente inclui recomendações de produtos, opções de cores e tamanhos em estoque — que podem ser diretamente levados ao provador através do botão “chamar assistente”, além da opção de entrega em casa.

Já empresas como ModiFace e Meitu estão desenvolvendo aplicativos para as marcas de beleza que querem mesclar maquiagem e tecnologia, como bareMinerals, Sephora, e Nyx, através de aplicativos de experimentação virtual.

As empresas oferecem experiências cosméticas personalizadas por meio de AR com o objetivo de entregar recomendações específicas à cada pessoa de forma adequada e assertiva.

Com o analisador e personalizador de cabelo da Henkel, por exemplo, é possível descobrir a cor natural e a saúde dos seus cabelos através do uso de sensores de luzes visíveis e infravermelhos. Ele ajuda a determinar como o cabelo é processado, além dos níveis de umidade. Com todas essas informações, as empresas podem criar produtos personalizados com ingredientes ativos atendendo às necessidades específicas de cada pessoa.

Com a possibilidade de comprar produtos de acordo com as nossas necessidades específicas, continuaremos indo à supermercados ou lojas de conveniência com a mesma frequência?

E se as empresas unirem produtos personalizados à compras de recorrência? Ficaremos fiéis à uma marca só? Como isso altera a indústria de bens de consumo?

2. Realidades estendidas no Ambiente de Trabalho

Enquanto inicialmente a realidade virtual era percebida como a grande revolução do mundo dos games, a Microsoft decidiu investir em realidade mista como o futuro do ambiente de trabalho, lançando em 2015 o HoloLens, seu primeiro óculos de MR.

Em fevereiro de 2019, quatro anos depois, a empresa apresentou a segunda versão da tecnologia com ainda mais possibilidades. As alterações incluem a mudança no design para que a pessoa que esteja usando se sinta o mais confortável possível com os óculos durante várias horas, além do aumento do campo de visão que dobrou de tamanho e a integração de pequenas câmeras de rastreamento dos olhos para acompanhar onde de fato ela está focada. O objetivo é que cada vez mais as pessoas trabalhem em um ambiente misto entre o real e o virtual otimizando processos sem a necessidade de presença física para encontros e reuniões, por exemplo.

A primeira versão do óculos já estava sendo utilizada para o treinamento de funcionários da Indústria Marítima no Japão. Com a tecnologia se tornou possível treiná-los independente da localização, conseguindo observar os mesmos objetos que seus mentores à distância, além de funcionalidades como tradução de conversas em tempo real.

Outras empresas como a Nokia já utilizam VR para o treinamento de seus funcionários na fábrica, Barloworld usa AR para ajudar seus engenheiros em locais remotos em toda a África e Walmart anunciou que utilizou VR em 2018 para treinar os funcionários para a Black Friday.

Como a soma dessa tecnologia aliada a outras, como exoesqueletos, pode melhorar a qualidade de trabalho de pessoas que trabalham em zonas ou atividades de alto risco?

Quais profissões a múltiplas realidades criam? Designers gráficos podem se tornar arquitetos de ambientes virtuais?

3. Interação Social através de Avatar

Em março de 2019 o Facebook apresentou o projeto Codec Avatars. Através de machine learning, a tecnologia desenvolvida coleta, aprende e recria as expressões faciais humanas quase que perfeitamente com o objetivo de que um dia essa seja a forma de interação social entre as pessoas.

O processo de captura de imagens para a criação do avatar funciona em dois passos. Primeiro, é necessário entrar em uma “cúpula”, nomeada Musgy, com paredes e teto revestidos de 132 câmeras e 350 focos de luz, sentar em uma cadeira central e passar, em torno de uma hora, fazendo uma série de expressões faciais e lendo textos em voz alta, enquanto é orientado por uma pessoa que está em outra sala. Em um segundo momento, a pessoa é direcionada para uma outra sala, chamada Sociopticon, para mais capturas de imagem, mas dessa vez focada em aprender sobre os movimentos do corpo e da roupa através de pulos e movimentos dos membros, por exemplo.

O objetivo é coletar o máximo de informações possíveis para treinar a tecnologia, já que em um cenário futuro as pessoas não terão salas equipadas dessa forma em suas casas para gerar o avatar.

Em um vídeo divulgado pela empresa, duas pessoas conversam através dos seus avatares. Ainda que não estejam perfeitos, é possível observar detalhes do rosto e expressões que imitam as pessoas sem gerar a estranheza, que normalmente é responsável por deixar as tecnologias no “Uncanny Valley”.

Ainda, em 2017 surgiu o Decetrantraland, uma plataforma desenvolvida em blockchain em que as pessoas podem criar o que quiserem em terrenos virtuais a partir de VR.

Cada lote mede 100 m2 e um deles chegou a ser vendido por US$ 180.000, justificados pela sua localização, próximo à praça central. Quem utiliza a plataforma acredita que esse será o futuro das redes sociais, um ambiente de interação imersivo.

Será que futuramente não viveremos “virtualidades reais” em vez de “realidades virtuais”?

Qual os impactos transversais dessa tecnologia? Se as pessoas conviverem mais em outras realidades, qual é o impacto nas indústrias do entretenimento, mobilidade e construção, por exemplo?

Quais os potenciais negócios em uma sociedade virtual?

4. Realidade Virtual para Impacto Social

Em 2015 a ONU lançou um mini-documentário em VR chamado “Clouds Over Sidra” (“Nuvens Sobre Sidra”) narrando o dia a dia de uma criança síria refugiada de 12 anos. Depois da experiência foi arrecadado 70% mais fundos que o esperado, com o dobro do engajamento padrão, mostrando o possível potencial da tecnologia para causas sociais.

Dois anos depois, Stanford lançou um estudo para entender o real impacto de VR para provocar compaixão e empatia. O projeto da universidade, chamado “Becoming Homeless” (“Tornando-se Sem Teto”) demonstrou o que seria perder o emprego e a própria casa através da tecnologia. Nos resultados, quando comparado à outros formatos de mídia, como ler um texto, as pessoas que participaram da experiência em VR mostraram uma compaixão mais duradoura em relação as pessoas sem teto.

O estudo aponta que ainda não existem comprovações do efeito no longo prazo, mas ainda assim, a partir dessa ideia — utilizar VR para se colocar no lugar do outro — surgiram alguns projetos interessantes.

Um deles foi desenvolvido em 2017 pelo diretor e escritor mexicano Alejandro González Iñárritu, o “Carne y Arena”. A instalação uniu VR com elementos reais e reproduziu a experiência que imigrantes passam tentando atravessar ilegalmente a fronteira entre o México e os Estados Unidos. Para desenvolver o projeto, o diretor entrevistou dezenas de imigrantes que viveram essa realidade e usou suas histórias e seus rostos para criar personagens do mundo virtual.

A experiência criada foi tão marcante que a instalação foi premiada pelo Oscar no mesmo ano por conseguir criar uma storytelling poderosa e visionária através da tecnologia.

Será possível, em um futuro, experimentar trabalho voluntário ou realizar trabalhos assistencialistas à distância através de VR, por exemplo?

Como essas experiências nos alteram no longo prazo? E como afetam as vivências reais? Nos tornamos realmente mais empáticos ou o impacto é curto prazo? Elas não poderiam, por exemplo, estimular para que mais pessoas conheçam realidades diferentes das suas?

5. Tratamentos e diagnósticos médicos

A startup norte americana Floreo desenvolveu uma tecnologia para levar soluções que auxiliam a educação e a comunicação de crianças dentro do espectro autista. Através de VR é possível entregar à essas pessoas um ambiente em que elas tenham total controle, ao contrário do dia a dia, que as deixa em situações recorrentes de estresse e ansiedade.

Os jogos oferecidos têm base em comportamentos sociais básicos, gerenciando ações planejadas e não planejadas e melhorando o controle sensorial e emocional. São ensinadas às crianças ações simples como atravessar a rua no momento correto, gestos para comunicação não verbal e habilidades como atenção conjunta — a capacidade de compartilhar a atenção com outra pessoa sobre um objeto comum. Um tipo de ação que para a maioria das pessoas é natural, mas que para essas crianças que têm dificuldade é essencial, principalmente tratando-se de interação e aprendizado social.

Em um estudo piloto da empresa, 10 de 12 crianças apresentaram melhora clara e mensurável na atenção conjunta. Atualmente, o software está sendo testado em salas de aula de necessidades especiais, além de ter parcerias com hospitais, escolas e institutos de saúde.

Já na Universidade de Oxford, foi desenvolvido um estudo em VR para superar o medo de altura de pacientes. Segundo eles, pelo menos uma a cada vinte pessoas sofre dessa fobia, o que as impede de realizar ações como passar por uma ponte ou ter encontros em prédios muito altos.

Na terapia desenvolvida pela Universidade, a pessoa participa de uma sessão virtual em que recebe tarefas como colocar os pés na beirada de um prédio, resgatar um gato de uma árvore ou atravessar uma passagem frágil. No estudo foram realizadas 5 sessões de 30 minutos com cada paciente. No final, quando comparado com o tratamento padrão — ou seja, sessões de terapia tradicional — a tecnologia obteve o dobro da taxa de sucesso e diminuiu em média dois terços do medo das pessoas (que foi metrificado através de um questionário antes e depois das experiências).

Já a empresa Altoida, desenvolveu uma tecnologia em AR) para detectar funções cerebrais e prever com até 94% de assertividade as chances da pessoa desenvolver Alzheimer nos próximos dez anos. De acordo com eles, o número de pessoas acima de 65 anos que sofrem dessa condição em todo mundo vai aumentar em 30% até 2025, o que além de significar um impacto enorme em qualidade de vida, pode acarretar em um custo de mais de US$ 1 trilhão até 2050.

Através de um jogo de smartphone a pessoa tem as suas aptidões funcionais e cognitivas testadas. A tecnologia utiliza sensores do próprio aparelho para detectar “micro erros” durante diversos desafios, como colocar objetos virtuais em diferentes espaços físicos e depois coletá-los. Assim, o diagnóstico prévio é feito.

Com essas tecnologias, qual será o futuro dos tratamentos médicos e psicológicos? Terapeutas necessitariam receber pacientes em seus consultórios ou esse contato será destinado a casos de maior gravidade? Será que a tradição de um contato humano ‘ao vivo’ pode ser substituído?

Com tecnologias como VR em hospitais e escolas, é possível uma união entre essas profissões “clássicas” e a programação? As faculdades estão preparando profissionais para isso?

A evolução das Interfaces

Há alguns anos, computadores com interface baseada em linhas de comando por texto exigiam memorização e domínio de diferentes instruções apenas para navegar pelos menus. Passamos então pelo advento do mouse e da interface gráfica, conhecida como WIMP (“Window, Icon, Menu, Point” ou “Janela, Ícone, Menu, Apontar”) que tornou o uso de computadores intuitivo, rápido e fácil. Depois, chegaram os smartphones com telas sensíveis ao toque que permitem interação direta através dos dedos. Agora, estamos entrando no momento das realidades estendidas, em que interagimos através do corpo, do olhar e de movimentos naturais.

Essa evolução tem como objetivo final o que especialistas chamam de Zero User Interface (Zero UI) ou Natural User Interface (Natural UI). Um modelo futuro em que, interação entre humanos–dispositivos, ocorreria com naturalidade através de sistemas intuitivos e inteligentes que aprendem com os nossos hábitos e comportamentos.

A interface deve funcionar “livre de tela, sem as mãos”, sustentada por um sistema de inteligência artificial capaz de coordenar e interpretar as diversas informações provenientes de múltiplas fontes — voz, gestos, reconhecimento facial e até mesmo sinais cerebrais. O objetivo é a remoção máxima de complexidades, a fim de tornar a tecnologia cada vez mais simples, rápida e acessível.

Se hoje, a interface gráfica continua sendo o padrão na computação pessoal, onde janelas e cursores ainda são onipresentes, a direção geral da evolução UI caminha para um funcionamento que seja imediatamente compreensível.

Designers e empresas de tecnologia agora estão buscando ativamente criar sistemas de interface que respondam às habilidades que as pessoas normalmente usam em sua vida cotidiana. Isso significa interações impulsionadas por gestos, vozes, olhares e até mesmo atividades cerebrais.

O jogo final é o desaparecimento completo da interface — ou a migração total para o Zero UI. E as diferentes realidades — VR, AR e MR — são apenas o começo dessa revolução.

Acreditamos nesse movimento e, por isso, na Aerolito temos o nosso laboratório onde também desenvolvemos projetos em VR com o objetivo de testar a tecnologia e entender suas atuais limitações, assim como o seu potencial.

Nos perguntamos diariamente:

Quantos líderes entendem que o avanço das realidades estendidas é um movimento maior? E quantos deles acompanham a evolução dessas tecnologia com um olhar de negócios?

Esses são alguns dos nossos questionamentos. Nos conta o que achou e que outros temas gostaria de encontrar aqui.

Todo o conteúdo apresentado faz parte do OLI, nosso ecossistema de multi aprendizagem digital via assinatura — por enquanto disponível apenas para ex-participantes dos cursos Tomorrow, Friends of Tomorrow Presencial e Online e FoT Conference.

A Aerolito é um laboratório de exploração de cenários futuros. Ajudamos pessoas e empresas a absorver os conceitos de um contexto pós-digital.

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