Atualizando minhas reflexões sobre nomenclaturas e não monogamia

Não importa o nome que damos às relações, nomear ainda separa e hierarquiza

Ana Paula Fernandes
5 min readSep 22, 2022
Ilustração de Laura Breiling

Mês passado um grupo de estudos sobre não monogamia postou no Instagram que iam usar meu texto sobre nomenclaturas não monogâmicas em uma das reuniões. Só que esse meu texto é de 2019, e na época eu não tinha tanto letramento sobre as interseccionalidades das opressões. Eu estava escrevendo o que vivia e lia. Hoje, (quase 3 anos depois), até gosto das reflexões que esse meu texto trás, mas ele não me contempla tanto sobre o assunto nomenclaturas.

É esse texto aqui:

Hoje, com o letramento que tenho sobre a monogamia (uma estrutura de opressão),

separar relações, dar nomes a relações, é uma forma de hierarquizá-las, ou seja, perpetuar a monogamia.

Na minha visão hoje, nomear é hierarquizar relações, é centralizar alguma coisa para separar as pessoas, seja porque você transa ou não com as pessoas, pelo quanto gosta (???), pelo tempo que passam junto...

Mas o que é hierarquia, na prática?

Hierarquia é uma distribuição de poder.

Entender isso é fundamental para não confundir com “eu hoje quero ficar com fulane e não com beltrane”, por exemplo. As pessoas são diferentes e as relações idem.

E ser diferente não significa que tem hierarquia. Não é sobre igualar todas as relações. Isso não existe!

É sobre não predefinir as relações antes das coisas acontecerem.

Se uma relação minha está doente e eu priorizo ela, isso não é hierarquia. Eu estaria hierarquizando se eu priorizasse a relação independente de qualquer situação.

Porque hierarquia vem antes das situações acontecerem.

Hierarquia é sobre poder, controle da outra pessoa.

Por exemplo, uma pessoa que conheço negou um pedido do filho que queria que elu ficasse em casa em vez de sair para encontrar uma pessoa que não via fazia tempo. Elu negou o pedido porque sabia que ia ter tempo no dia seguinte de ficar com o filho. Hierarquizar a relação é priorizar aquela criança antes de qualquer situação. É dizer sim a aquele pedido “porque é filho”. Ou seja, a criança é prioridade antes mesmo de se saber o que vai acontecer.

Outro exemplo: Ter mais afinidade com alguém do que com outra pessoa não é por si só hierarquia.

Hierarquia é definir prioridades antes das situações acontecerem, seja por qualquer motivo.

Hierarquia é domínio sobre corpos.

Por exemplo a hierarquia de gênero. Machismo é uma hierarquia, é uma opressão, porque antes de tudo, um gênero tem mais poder do que os outros gêneros. Ser homem cis é estar no topo de uma hierarquia de poder, de opressão na nossa sociedade. Antes das situações acontecerem, já se tem definido que os homens cis detém o poder.

Uma hierarquia de casal é um poder de opressão porque antes das situações acontecerem já se tem definido que a prioridade é aquela relação, independente de qualquer coisa.

Por que temos que falar para as pessoas que tipo de relacionamento temos com fulane?

Louie, dia desses, me contemplou bastante em um post:

Quando eu comecei a me questionar do porque temos que falar para as pessoas como nos relacionamos com fulanes, mais incomodade eu ficava. Inclusive, isso me remete as palavras senhora e senhorita. A casada e a solteira, respectivamente. Mas para homens, não tem essa diferença. Uma nomenclatura super monogâmica e machista, criada apenas para controle.

A monogamia controla corpos de diversas formas, e nomenclaturar as relações é uma delas.

Voltando no meu texto de 2019,

aonde eu aponto a assimilação ao se tentar ressignificar nomenclaturas monogâmicas. Escrevi:

… para pensar em outras nomenclaturas tem que se pensar fora da caixa monogâmica. Só que as pessoas, dentro do rolê não mono, estão satisfeitas com namoro, amizade, marido, esposa, ficante… E isso acontece porque tem gente querendo ressignificar essas palavras.

Está se querendo ressignificar uma linguagem normativa monogâmica, e não pensar em algo novo.

E isso não é à toa. Porque na real, as pessoas estão querendo fazer mais do mesmo, não pensando em criar outras formas de pensar relacionamento, mas sim de ficar com mais pessoas.

Relendo isso entendo claramente o porque muitas pessoas me odeiam.

Meme de Lu Schievano na fazenda, dizendo: “pra mim é uma honra vocês não gostarem de mim”

A maior problemática desse meu texto de 2019, para mim, é que eu queria dar outros nomes para as relações, como se isso fosse de fato ajudar a acabar com a monogamia.

Geni Núñes escreveu no texto “O que torna uma relação algo único e singular? Acolhendo gramáticas temporais e afetivas”:

Cada relação é singular e irredutível porque cada laço tem uma linguagem única. De sons, gostos, lugares, cheiros, trocadilhos, piadas internas. Dos ingredientes de cada ser, de sua cor, de sua origem, de seus medos e sonhos e tudo o mais que compõe nossa história que se faz a receita dos afetos.

Pensando nisso, reflito e pergunto:

Como fechar uma nomenclatura se as relações sempre mudam o tempo todo? E porque tenho que dizer as outras pessoas como me relaciono com alguém?

Não importa o rótulo que a gente dê, ainda é uma separação, uma forma de hierarquia.

Enfim, acho importante a reflexão que trago nesse meu texto de 2019, mas mais que isso, acho importante refletir o porque separar as pessoas.

Indicação de leitura:

Textos de Dandara Abreu, Geni Núñez, eu e o livro “O desafio poliamoroso: por uma nova política dos afetos” de Brigitte Vasallo.

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