Comprando desconstrução: quando a Não-Monogamia se torna mercadoria

André Luiz
Afetos Insurgentes
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14 min readApr 26, 2022

De revenda de conteúdo plagiado até retiro “espiritual” NM, vale tudo para tirar uns trocados.

A NM é um conceito em disputa…

Tem quem diga que é um não-modelo, outros acreditam se tratar de relações sem exclusividade, alguns advogam por uma prática artesanal de cunho anticolonial, enquanto outros prezam por acordos rígidos e bem definidos. Tem gente que busca viver isso de forma autônoma, outros permanecem orgulhosos na sua identidade de casal, tem ainda aqueles que querem ampliar o formato de casal colocando mais gente na rodinha, e tem até um pessoal que quer abolir o casamento, a família….enfim, a questão é que ainda não existe um consenso definitivo sobre o que figura a prática não-mono, e talvez nunca exista.

Mas isso não é ruim, o debate público dessas diferentes perspectivas, aliado a contribuição de áreas intelectuais distintas (desde as ciências sociais, passando pela psicologia, antropologia, filosofia e muito mais) são essenciais na construção de uma visão ética e igualitária para as relações afetivas no futuro.

Dito isso, essa disputa de conceitos nem sempre é amistosa ou benéfica. É importante reconhecermos que alguns “pontos de vista” não são complementares, que existem sim visões antagônicas que não podem ser conciliadas, e que, apesar de sermos semelhantemente marginalizados pela estrutura monogâmica, não estamos todos do mesmo lado (nem no mesmo barco).

Qualquer militância séria precisa compreender os diversos recortes que a permeiam. Apesar de buscarmos o bem comum, não somos uma massa homogênea, diferentes perspectivas de raça, credos, gênero, classes e orientações sexuais (para citar alguns) devem ser levados em conta nessa equação. E quando falamos sobre não-monogamia, além dos recortes citados, eu acho imprescindível realizarmos um recorte fundamental entre as NM de cunho liberal, e as de cunho revolucionário.

Um tanto dramático mas acho que ilustra bem esse antagonismo, não?!

Aqui na Afetos temos o compromisso de denunciar e combater essa estrutura com tudo que temos. Somos assumidamente de esquerda, anticapitalistas, nossa visão é objetiva e nossa posição é radicalmente anti-monogâmica. Não queremos reformar estruturas falidas que foram criadas para nos subjugarem, assim como não queremos barganhar com a ideologia dominante. Além disso, nossa luta é especialmente dedicada às pessoas que mais sofrem com as violências desse sistema: estamos falando de pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+, gordas, periféricas e de todes que se identificam com o gênero feminino.

Mas é obvio que existe o outro lado dessa comunidade.

A popularização do debate traz consigo uma resposta reacionária, tanto na forma de oposição direta (a onda neoconservadora de proteção à família, do resgate de valores cristãos e exaltação do amor romântico se enquadram nessa oposição) quanto na forma de cooptação e higienização de pautas.

Um dos aspectos dessa higienização que ocorre a partir do poliamor já foi tratado AQUI, e com certeza vale a pena a leitura. No texto de hoje porém, iremos abordar uma das características mais proeminentes do liberalismo:

A mercantilização (ou sua capacidade de transformar tudo em mercadoria)!

Duas coisas bem distintas: uma é o preço, outra é o valor

Como de praxe no capitalismo, o crescimento do interesse pela não-monogamia tem despertado parte da comunidade para as oportunidades comerciais que esse novo “target” (público-alvo) pode oferecer. Isso já era uma reação esperada, é da natureza do capital transformar as relações em contratos monetários.

Todos os movimentos passam por isso, e quanto maior o seu escopo, maior é o crescimento exponencial da sua contraparte liberal. Para cada militante queer temos 10 pessoas LGBTQIA+ aplaudindo qualquer empresa com uma bandeirinha arco-íris na logo, para cada cada militante negro anticapitalista temos 50 “Black-money-pretos-no-topo" e assim por diante.

Mas mesmo sendo esperada, essa mercantilização não deixa de ser muito preocupante — pelo contrário, é uma apropriação capitalista que corrói movimentos progressistas de dentro pra fora.

Uma das coisas que mais me irritam nessa situação é a picaretagem praticada por aqueles que revendem o conhecimento público.

Pensa comigo:

Quando eu cheguei na comunidade NM, alguns anos atrás, eu recebi muita ajuda, participei de diversos debates e trocas enriquecedoras, tive acesso a bibliotecas virtuais cheias de conteúdo sobre o assunto, consumi materiais riquíssimos de pessoas super inteligentes, fui chamado para grupos, rodas de conversa e etc… tudo isso totalmente DE GRAÇA!

Agora, o que você acharia se eu me apropriasse de todo esse conhecimento comunitário, ofertado sem custos, desse uma maquiada em cima e depois cobrasse por essa mesma informação daqueles que estão na mesma posição que eu já estive no passado?

Um tanto quanto escroto, não?

Pois é exatamente isso que muita gente está tendo a ousadia de fazer.

Mas André, tem gente que a Afetos apoia que também vende conteúdo…

Sim é verdade, mas a questão não é a venda em si, mas sim a venda “de que”, como essa venda acontece, qual o objetivo dessa venda e a forma de trabalho de quem está produzindo esse material.

Vamos dar o exemplo da galera do NM em foco: elus criam toneladas de conteúdo gratuito toda a semana, tudo de cunho totalmente autoral (e também nunca esquecem de colocar as referências, diferente de uma galera por aí). São podcasts, zines, textos curtos nas redes, textos longos no site e etc… e os cursos que são vendidos são um complemento de tudo isso — todos com custos acessíveis e possibilidade de bolsas. Além disso, a renda dos cursos serve para retroalimentar o trabalho gratuito (afinal, manter o site, pagar edição de podcast, design de zines e tudo mais tem um custo).

Ou seja, o compromisso com a comunidade vai além de “qualquer intenção de faturar com moda não-mono”. Isso porque, além de um senso ético apurado e uma visão revolucionária da NM, é um projeto formado por pessoas com corpos e vivências dissidentes, ou seja, que tem na pele as marcas dessa opressão e querem ajudar seus iguais.

Agora, enquanto isso, do lado mercantil da coisa, tem gente:

  • plagiando tudo por aí, fazendo grana em cima das ideias dos outros;
  • sobrecarregando a comunidade de conteúdo inútil, se achando a famosinhe da NM e cobrando 500, 800, 1000 reais pra desbloquear seu “potencial não-monogâmico";
  • cuja interação com a comunidade se baseia em fazer publicidade dos seus serviços (especialmente a galera da saúde mental, coaches e outras variações pseudocientíficas);
  • cobrando pra fazer roda de leitura;
  • Tem gente tentando emplacar retiro místico NM (e pedindo um valor desproporcional e inacessível por isso);
  • Tem gente vendendo serviço de “ajuda para abrir o seu relacionamento”.

Os exemplos acima demonstram as consequências práticas, a materialização de uma NM mercantil. São iniciativas grotescas, mas que são facilmente identificadas por um observador mais atento. Como diz o ditado: O golpe tá aí, cai quem quer. Se você acha que faz sentido pagar pra “desbloquearem seu relacionamento" (risos), manda bala.

Mas essa é apenas a ponta do iceberg. O problema real dessa situação se esconde abaixo da superfície, e é muito mais elementar que a venda de produtos e serviços fajutos.

Sobre a popularidade de discursos neutros

Ao contrário do que os teóricos do liberalismo tentam propagandear, o capitalismo não fomenta a inovação. Pelo contrário, ao mercantilizar a vida, o sistema capitalista boicota tudo aquilo que não tem utilidade comercial. Só há espaço no “mainstream" para produtos que podem ser monetizados, e isso inclui também produções intelectuais, ideias.

Para serem monetizadas, as ideias precisam ser diluídas, amenizadas. Para que conversem com uma audiência ampla, precisam de uma linguagem homogênea, de uma roupagem familiar, sem muitas extravagâncias e devaneios, nada que choque a sensibilidade alheia, nada agressivo ou “excessivamente original"*[1].

Mark Fisher (2009), ao argumentar sobre as limitações culturais impostas pelo capitalismo, afirma que:

O efeito da instabilidade estrutural permanente, o “cancelamento do longo prazo”, é invariavelmente estagnação e conservadorismo — não inovação. Não se trata de um paradoxo. Como os comentários de Adam Curtis deixam claro, o medo e o cinismo são os afetos dominantes no capitalismo tardio. Essas emoções não inspiram empreendimentos ousados ou saltos criativos: geram, ao contrário, conformidade e o culto da variação mínima, a distribuição de produtos que se assemelham muito aos que já se mostraram bem-sucedidos. (Realismo Capitalista)

A NM pode ser tanto uma proposta disruptiva, quanto um delírio reacionário. A simples quebra com a exclusividade sexual/afetiva não garante uma quebra com a estrutura. Uma pessoa pode viver quantas relações abertas ou trisais quiser, pode ter mil afetos, se apaixonar incontáveis vezes, gozar ao máximo da sua liberdade sexual sem contratos de exclusividade, e, ainda assim, continuar constituindo relações de posse, hierárquicas, desonestas, desrespeitosas a autonomia alheia, machistas e assim por diante.

Como escreveu Geni Núñez:

A Não Monogamia é parte da descolonização das relações, mas ela sozinha não dá conta, é preciso que se articule às demais lutas anticoloniais. (link)

O que difere então uma NM disruptiva de uma reacionária? É a politização.

Apenas entendendo seu lugar na luta contra o capitalismo e suas vertentes (patriarcado, racismo, monossexismo, heteronormatividade e etc..) que nossa prática NM pode ser genuinamente inclusiva e revolucionária.

O perigo dos discursos neutros (de cunho mercadológico, criados para massificar e atrair possíveis cliente) se encontra justamente nessa despolitização.

Eu sei, eu sei, estamos no capitalismo, a coisa tá difícil pra todo mundo e ninguém é obrigado a produzir de graça. Mas é importante aprendermos a analisar as sutilezas e nuances nas diferentes narrativas a nossa volta. Existe um grande contraste entre, por exemplo, aqueles que oferecem um curso como algo extra (um bônus para quem quer um pouco mais de aprofundamento), e aqueles que fabricam conteúdo com o intuito de vender cursos. Entre aqueles que não amenizam suas falas em busca de maior exposição, e aqueles cuja a exposição é o guia primário das suas falas.

O resultado dessa mercantilização é uma NM rasteira, consoante com a estrutura hegemônica, que não apresenta reais ameaças pois busca ser aceita, incorporada e comercializada.

Para além disso, também vale ressaltar que aqui na Afetos queremos a construção de uma NM acessível, sem a criação de barreiras monetárias ou de castas privilegiadas que recebem mais porque podem pagar. Numa proposta anticapitalista, isso é o mínimo*[2]. Lembrando que, se não for anticapitalista, não é uma NM realmente inclusiva.

Sobre desconstrução e os limites do acolhimento

Passar pano não é o mesmo que acolher

Desconstrução não é algo que se compra no shopping. Também não é algo que pode ser acelerado com os “investimentos certos". Desconstrução é um processo lento e nada agradável. É um caminho muitas vezes solitário, não linear e continuamente contraditório. Se alguém está tentando te vender um mapa do tesouro, uma cura instantânea para suas aflições, um atalho ou qualquer outro subterfúgio, é importante se perguntar “por quê"? Seria para seu benefício mesmo, ou porque querem tirar uns trocados de você?*[3]

É por isso que aqui na Afetos você não vai encontrar conteúdos do tipo “5 dicas para", “tudo que você precisa saber sobre", “a verdade por trás de" e derivados. Pois sabemos que trata-se de um assunto complexo, cuja resolução também nos escapa mesmo com todo o estudo e vivência que temos. Criamos conteúdo com o objetivo de incitar reflexões profundas, inclusive em nós mesmes. Não queremos te vender uma receita de bolo assim como não queremos passar a mão na sua cabeça e dizer apenas aquilo que você quer ouvir.

Para nós, “acolhimento" sem análise critica (social e pessoal) é negação da realidade. Para mudarmos nossas atitudes, precisamos perceber que também somos parte do problema. A NM é um processo coletivo justamente porque relacionar-se é um ato coletivo, ou seja, nossa incapacidade de ir em frente também machuca outras pessoas e não existe uma forma “bonita" de se descobrir isso.

Na adolescência eu era muito fã da banda de hardcore Dead Fish. Na verdade ainda curto bastante, mas sou menos “fanboy". Entretanto, existe um trecho da música “A Urgência” que me arrepia até hoje, cujo significado eu concordo profundamente:

“Onde quer que pise... ande onde quiser
Aceite as consequências do que acha que te faz melhor

Há urgência em estar vivo
Outra forma de agir
Desrespeitar sua constante dor!”

Aceitar as consequências das suas aspirações (ou “do que acha que te faz melhor") é entender que não basta idealizar, a gente tem que viver o ideal, e isso tem consequências difíceis. Na mesma linha de pensamento, pegando a segunda parte do trecho da música, para que possamos viver esse ideal precisamos de “outra forma de agir". Mas essa mudança, essa quebra com a norma, ela exige que, de certa forma, passemos por cima das nossas próprias dores (“Desrespeitar sua constante dor"). Mudanças doem, inclusive aquelas que são boas, que fazem sentido, que vão melhorar a sua vida e a dos outros a sua volta, e nem todo o acolhimento do mundo vai te fazer evitar isso.

Contudo, estamos vendo pipocar na comunidade a ideia de que “precisamos respeitar nosso tempo ETERNAMENTE". Que tudo bem nunca darmos o passo necessário, que estamos numa curva de aprendizado sem fim e que as pessoas à nossa volta precisam acolher nossos erros custe o que custar. É igual aquela história do homem branco cishet que nunca cresce, que sempre é um menino (mesmo com 30 anos), que faz biquinho e leva pro pessoal sempre que criticam a estrutura patriarcal, e que merece nossa inabalável compreensão pois está fazendo de tudo que pode pra se desconstruir (mesmo que sempre errando).

Não dá para ficarmos imobilizados esperando o momento ideal, as condições perfeitas de ação. Como diria Guimarães Rosa:

O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. (Grande Sertão Veredas)

Coragem, minhes amigues. Aqui na Afetos, nós confiamos em vocês, na sua coragem de lutar contra as adversidades. O que não significa ignorar as questões sociais que estão além do nosso controle, mas acreditar que juntes podemos lutar contra elas.

Antes de enxergá-les como vítimas, nós vemos vocês como guerreires.

E é por isso que não compactuamos com os discursos dóceis (quase infantilizados) fantasiados de “acolhimento" que vem tomando corpo na comunidade. Essa NM passiva, que naturaliza desigualdades, que entorpece a luta com retóricas conformistas e liberais, que busca uma convivência pacífica com a estrutura de opressão monogâmica, uma NM branca de gente privilegiada, de “retiros espirituais" caríssimos, de venda de merchandising, de desenvolvimento de marca, essa NM é a síntese da norma que combatemos.

É uma visão reacionária que objetiva minimizar as tensões, mascarando as contradições em beneficio próprio. Como dito antes no texto, uma linguagem despolitizada e homogênea tem apelo comercial muito mais abrangente. Mas não importa quanto dinheiro você gaste em “rodas terapêuticas” ou em “coaches de NM”, isso não muda o fato de que a emancipação desse sistema de opressão só vem a partir do seu enfrentamento (externo e interno), e não a partir de uma reconciliação com quem nos explora (nem com as explorações que nós mesmos perpetuamos).

Conclusão

São testemunhas de Jeová mas também podia ser um encontro de “NM mística liberal”

Somos uma comunidade ainda bastante pequena, com pouca expressão para moldar o debate público. Entretanto, estamos imersos numa discussão de enorme importância social e individual, o que tende a impulsionar nosso crescimento nos próximos anos.

Minha duvida é: “como será esse crescimento"? Vamos nos expandir como uma gigantesca rede de apoio, mirando num horizonte revolucionário? Ou essa expansão será cooptada para consolidação de uma nova estrutura mono, mais permissiva com o conceito de múltiples parceires (sexuais), mas sem perder as bases que a tornam nociva? Só o tempo dirá…

Mas uma certeza eu tenho: a mercantilização é um tiro no pé do nosso movimento.

Para fechar então, o que é necessário compreender daqui:

  • Não deixe que outres se aproveitem das suas inseguranças para te venderem soluções mirabolantes ou mentirosas: A comunidade já oferece conteúdo e acolhimento sem a necessidade de usar seu cartão de crédito. Temos diversos grupos no Facebook, WhatsApp e Telegram, temos perfis incríveis produzindo textos, podcasts, ebooks e mais. Tem gente com caixa de perguntas aberta toda semana no Instagram, ou realizando lives todos os meses… em suma, tem informação em todos os formatos, pra todos os sentidos e recortes;
  • “Nem tudo que reluz é ouro”: Um design legal, pessoas fotogênicas e algumas frases de efeito “instagramáveis” chamam atenção, não é mesmo? Mas passada a superfície das coisas, olhando bem de perto pro conteúdo em si, será que vale a pena? Ou é mais do mesmo? É importante desenvolver senso crítico, analisar o discurso, ver as referências e sair do lugar comum. Memes são divertidos, nada contra, mas não dá pra tirar muitas reflexões genuínas consumindo apenas videozinhos de dancinha de 30 segundos;
  • Profissionais da saúde mental que não tem uma visão crítica da sua atuação são uma questão muito séria, um problema que vem se proliferando no meio: A psicologia por si só não salva ninguém, assim como o direito ou a medicina, por exemplo. Na verdade, essas ocupações estão na ponta de lança do projeto capitalista de instrumentalização da força de trabalho. A grande maioria dos especialistas em saúde mental baseiam sua atuação na apaziguação dos conflitos, individualizando e medicalizando dores que possuem origens (e possíveis resoluções) sociais. E não é porque a pessoa diz trabalhar com NM que ela entende isso. Na criação de uma não-monogamia revolucionária, precisamos de profissionais conscientes do panorama político e da força da sua atuação na disrupção desse panorama*[4];
  • Exerça sua autonomia e estude por conta própria: Você não precisa pagar por “curadoria", você é capaz, vá atrás da informação;
  • Procure por espaços administrados por (e para) pessoas marginalizadas pela estrutura mono: Muita gente branca/privilegiada no mesmo lugar nunca é um bom sinal.

Por fim, eu acredito que existem algumas coisas que nunca deveriam ser comercializadas, ponto final. Se o seu ativismo tem preço, então ele deixa de ser algo feito pelo bem comum, tornando-se propaganda na mão de quem paga por ele. Todos nós conhecemos pessoas que começaram bem na militância, mas que, conforme foram ficando famosas e comercialmente atrativas, foram se desvirtuando dos seus ideais originais.

Eu entendo que em certos momentos a linha entre militância, trabalho e mercadoria se misturem, tornando muito difícil separar cada caixinha. Mas é tudo uma questão de quem financia o seu trabalho e com qual propósito. Um pesquisador vendendo um livro, no qual ele compilou anos de pesquisa sobre um tema de interesse público, é muito diferente de um pesquisador ganhando dinheiro para fazer propaganda de uma marca depois do sucesso do seu livro, por exemplo. Quando a sua produção se torna consoante com as classes e ideologias dominantes (a ponto de receber capital e suporte institucional), pode ter certeza que aquilo que você defende já não é mais revolucionário (se é que um dia foi).

*[1]: Para toda a regra existem exceções obviamente.

*[2]: Um exemplo disso está na Jornada de NM política virtual que realizamos em 2021 em parceira com a NM em Foco. O evento foi pago, mas foi menos de 100 reais por 3 dias de palestras, tivemos inscrições para bolsas cobrindo 100% do custo, monitores que auxiliaram nos grupos de discussão (tendo o custo do evento coberto integralmente) e todas as pessoas convidadas para falar foram remuneradas. Nossa proposta foi pensada com o intuito de valorizar o trabalho dessas pessoas, muitas delas mulheres, negras, pessoas LGBTQIA+, gordas, mães, NB, corpos dissidentes que não costumam ter espaço e merecem valorização. E o dinheiro que sobrou mal dava para pagar uma cerveja pros organizadores (risos).

*[3]: Mas também não é só de espinhos que essa jornada se faz. É importante entender que será difícil, mas é gratificante demais se libertar (pouco a pouco) das amarras monogâmicas. A NM me proporciona experiências que eu não troco por nada nesse mundo.

*[4]: Primeiro que eu obviamente não estou falando de todo mundo, existem muitos profissionais politizados por ai. Em segundo lugar, vale destacar que as próprias instituições reguladoras da profissão dificultam essa atuação mais critica e humanizada dos profissionais da área, e tem muita gente boa comprando essa briga para mudar essa maneira de trabalho.

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André Luiz
Afetos Insurgentes

Comunista, Comunicador Social, Especialista em Mídia, Pós-Graduado e Não-Monogâmico.