Conheça a não-monogamia limpinha!

André Luiz
Afetos Insurgentes
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15 min readMay 11, 2021

Ou “como o Poliamor Reacionário rejeitou a NM Política pelo sonho do amor romântico”

Uma breve análise das bases do Poliamor

Num contexto histórico, relações não-monogâmicas não são nenhuma novidade. Em sua obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, Engels demonstra que, antes da ascensão da família burguesa, houveram diversas sociedades ao redor do mundo que tinham como modelos relacionais desde casamentos grupais, até poligamia e poliandria (entre outros).

O que é recente, todavia, é o questionamento da estrutura monogâmica. Parece que finalmente estamos num momento histórico propício que nos permite criticar a monogamia de maneira científica (com dados, pesquisa e produção de alta qualidade). Acredito que para isso existem mil fatores, desde a falência das instituições cristãs (casamento e família tradicional), até a popularização do feminismo, a busca por liberdade e satisfação sexual, o empoderamento e organização de grupos naturalmente marginalizados e assim por diante.

E, junto com esse questionamento, entre as diversas alternativas desenvolvidas contra o modelo mono, surge o poliamor.

Da direita para a esquerda: Morning Glory Zell-Ravenheart, seu marido Oberon, Diana (que era casada com os 2) e seus filhos, Zack e Gail.

Já aviso que não vamos entrar nos pormenores da história do poliamor nesse texto. Para isso aconselho a leitura do artigo “Por que não-monogamia política?” escrito pelo pessoal do NM em Foco, que, além de dar um bom ponto de partida sobre as origens do poliamor, também está cheio de fontes interessantíssimas.

O que quero realizar aqui é um breve exercício de análise do discurso. Vamos examinar as contribuições de 3 “poli-ativistas” norte-americanos, buscando entender as bases do poliamor e como sua concepção foi se transformando ao longo do tempo.

Primeiramente, vamos aos anos 90, ao artigo “A Bouquet of Lovers: Strategies for Responsible Open Relationships” (Um Buque de Amores: estratégias para relações abertas responsáveis), publicado por Morning Glory Zell-Ravenheart. Falecida em 2014, ela foi líder da comunidade Neopagan, sacerdotisa da Igreja de Todos os Mundos e também é creditada por dar fama ao termo poliamor.

O objetivo da autora nesse texto é apontar boas práticas para relações abertas. Dicas como “seja honesto sobre seu estilo de vida poliamoroso” ou “nunca ponha energia em nenhuma relação secundária que esteja em conflito com a relação primária” fazem parte das recomendações. É importante destacarmos algumas coisas:

  • A autora iguala relacionamento aberto a casamento aberto e também usa poliamor como sinônimo de ambos;
  • É enfatizado que o objetivo do artigo é ajudar na criação de relações duradouras, como se a longevidade fosse um traço indiscutível do “verdadeiro poliamor”;
  • A hierarquização das relações é uma das bases das boas práticas descritas. É feita uma distinção entre relações primárias e secundárias, tanto na importância quanto no tratamento;
  • A autonomia não é priorizada. Existe uma supervalorização da entidade casal e da criação de regras, a ponto da autora aconselhar que, antes de se envolver sexualmente com alguém, por exemplo, seja pedida autorização à relação primária.

Na sequência, temos o Dr. Kenneth R. Haslam, um dos grandes nomes da pesquisa científica sobre o tema nos Estados Unidos desde os anos 70. Em seu texto “The 12 Pillars of Polyamory” (Os 12 pilares do Poliamor), escrito em 2008, Dr. Kenneth também segue na onda das “dicas para se ter um poliamor de respeito”:

  • Diferente do primeiro texto analisado, o artigo de Kenneth faz um grande apelo à necessidade de autonomia entre os participantes de relações poliamorosas, exibindo uma considerável mudança de paradigma, não só entre os dois autores, mas também no próprio conceito de poliamor (que parecia estar em plena evolução);
  • Ele fala sobre ter autenticidade, sobre poder de escolha (que é absoluto de cada um sobre sua própria vida), sobre o fim da possessividade nas relações, sobre auto-determinação e etc…
  • É demonstrada uma atitude bastante positiva em relação à liberdade sexual ao longo do texto;
  • Minha única grande “ressalva” em relação aos “12 pilares” (apesar de ter pontos “aqui e ali” que não me apetecem tanto) é o fato de que é evidente que todo o pensamento dele ainda é estruturado em volta da figura do casal nuclear.

Por fim, vale citar o texto “The Mass Exodus of Polyamorous People Towards Relationship Anarchy” (O êxodo massivo de pessoas Poliamoristas para a Anarquia Relacional), publicado em 2015 por Louisa Leontiades, autora do livro The Husband Swap: A True Story of Unconventional Love (sem tradução no Brasil):

  • Para Louisa, desde sua popularização nos Estados Unidos (fomentada em especial pela grande mídia), o conceito de poliamor vem perdendo seu significado, deixando de ser sobre a liberdade para cultivar diferentes tipos de relações, para se concentrar apenas em relações de cunho sexual;
  • De acordo com a autora, o estrago foi tão grande, que ela (junto com outros muitos poliamoristas), estavam migrando do poliamor para a Anarquia Relacional, que ainda não havia sido apropriada e distorcida pelo “mainstream”*[1].
  • Louisa fala sobre a importância de se construir relações não hierárquicas, além de uma comunidade NM forte e baseada na confiança e respeito mútuos. Porém, ela não sente mais que o conceito de poliamor abarca essa possibilidade.

Como pudemos ver, os anos trouxeram mudanças relevantes na concepção do que é o Poliamor. E isso é bom, é prova de que a comunidade está viva e se espalhando. No entanto, ao final do texto de Louisa, fica claro que a evolução para um poliamor mais aberto e autônomo (como mostrado pelo Dr. Kenneth) regrediu pela popularização do termo, que ocasionou o esvaziamento do seu significado e distorção dos seus valores.

Uma insurgência reacionária: o liberalismo entra em cena

Homer Simpson: "Vou levar tudo que você tem"

“A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e oficial, numa palavra, opressores e oprimidos[…]” (O Manifesto Comunista ~ ENGELS, Friedrich; MARX, Karl.)

A monogamia como a conhecemos é um fenômeno político. Não é (e nem nunca foi) uma simples questão de escolha pessoal. Nós “nascemos monogâmicos” por imposição de um projeto colonizador engendrado pelas classes dominantes. Não é exagero afirmar que a monogamia é um dos pilares responsáveis pela divisão da nossa sociedade em núcleos familiares que competem entre si.

Dentro desse cenário, o movimento não-mono aparece como uma proposta anti-hegemônica. Criticamos a estrutura monogâmica pois ela destrói nosso contato com o coletivo, marginaliza pessoas fora dos padrões, institucionaliza a violência e exploração da mulher pelo patriarcado, desrespeita nossa autonomia e assim por diante. Portanto, lutamos contra esse sistema de opressão, que é uma das bases do capitalismo. Sendo assim, dentro dessa perspectiva, também não é exagero afirmar que o movimento NM é anticapitalista e está inserido na luta de classes *[2].

Pois bem, ao pensarmos na luta de classes ao longo da história, sempre houve entre os oprimidos pessoas que escolheram negar sua própria classe, muitas vezes chegando ao ponto de lutar contra seus irmãos, em busca de aceitação (ou até mesmo regalias) por parte das classes dominantes.

Podemos citar como exemplos extremos desse fenômeno os mencheviques na revolução Russa, os capitães do mato no Brasil escravocrata e os colaboracionistas poloneses que aderiram ao nazismo durante a segunda guerra mundial.

Contudo, na atualidade, a influência da ideologia burguesa se faz absoluta em todas as instâncias da vida. Não é mais tão necessário ao capitalismo fomentar uma oposição diametralmente oposta aos ideais revolucionários (apesar de tal oposição existir). Basta apenas cooptar as pautas, varrendo o caráter anti-hegemônico das mesmas enquanto compra seus partidários com promessas de representatividade dentro do sistema.

É a famosa “higienização” que ocorre em todos os movimentos sociais, desde o movimento negro antirracista, passando pelo feminismo e pela luta LBGTQIA+, e chegando até mesmo em alguns redutos da luta comunista.

E como não poderia ser diferente, o mesmo já vem ocorrendo dentro da NM.

Faça uma experiência e procure por grupos e páginas não monogâmicas e/ou poliamorosas no facebook. Também faça o mesmo no Instagram. Até poucos anos atrás (cerca de 2-3), não existia quase nada do tipo. Hoje, já temos até influencers não-mono, coaches de relacionamento aberto/NM, cursos de “como convencer su parceire a abrir a relação” e assim por diante. Um dos fenômenos mais notáveis que ocorrem nas lutas sociais que sofrem tal cooptação é que, junto com a despolitização, vem a monetização.*[3]

Enfim, simultaneamente com essa guinada liberal (que vamos estudar mais sobre em outro momento), também vem crescendo uma espécie de onda conservadora dentro da NM (afinal, conservadorismo e liberalismo andam de mãos dadas). Esse movimento, que busca se distanciar da luta anti-hegêmonica tornando tudo mais palatável (limpinho!), se assemelha muito aquilo que relatou Louisa Leontiades (lembram da primeira parte do texto?) sobre a cooptação da comunidade poliamorosa (norte americana) pela grande mídia.

Nem tão limpinha: as contradições dentro do movimento higienista

“O poliamor neoliberal está nos transformando em indivíduos isolados em suas bolhas” (Brigitte Vasallo em entrevista dada a revista El Desconcierto)

Não se enganem, esse conservadorismo não é novo. Na mesma proporção que cresce o descrédito da sociedade perante a instituição da família monogâmica, também vemos o crescimento de um movimento reacionário de proteção dos “bons costumes e da família tradicional”. Não é a toa que nosso presidente fascista usou a defesa da família como uma de suas bandeiras eleitorais.

Todavia, o que não pode ser ignorado é a forma como esse mesmo conservadorismo tem achado brechas para se infiltrar dentro do movimento não-mono.

Vale aqui um comentário: todos nós somos conservadores em certo âmbito, alguns mais, outros menos, mas ninguém escapa 100% da influência imposta pela sociedade burguesa. Por isso que o caminho da NM é um caminho de desconstrução. Ao longo dos estudos e da prática nos deparamos com diversos traços da nossa personalidade que precisamos lidar para que possamos estabelecer relações realmente livres. E, nesse processo, é normal que haja uma grande exposição dos nossos comportamentos mais conservadores. No entanto, isso faz parte, ver a comunidade expondo e debatendo sobre seus problemas com ciúmes, posse, falta de autonomia e etc… é o caminho para melhorarmos.

Agora, essa invasão conservadora que relato é outra coisa. Não é sobre buscar desconstrução através do debate, mas sobre a imposição de condutas morais, negando o caráter político da não-monogamia, pela busca por aceitação dentro da estrutura monogâmica. E, para tanto, parece que foi o poliamor o “modelo relacional” escolhido pela mente conservadora para adentrar a não-monogamia.

Eu, particularmente, tenho diversas ressalvas sobre todo o conceito de poliamor. Eu o considero uma extensão da monogamia. Mas não pretendo relatar todas essas ressalvas nesse texto. Basta dizer que, diferente do que vemos em outras partes do mundo (como nos Estados Unidos, por exemplo), onde poliamor é muitas vezes usado como sinônimo de NM, o poliamor como o conhecemos no Brasil é definido pela imagem do trisal. A ideia de um núcleo relacional fechado, mas que em vez de um casal, tem 3 ou mais pessoas participando. Ou seja, ao contrário de relações livres, você tem uma relação fechada cuja a única diferença da tradicional monogamia é o número de participantes, que aumenta ligeiramente.

Ao olharmos novamente as páginas e grupos de Facebook sobre o assunto, podemos enxergar alguns comportamentos comuns entre aqueles que se reconhecem como poliamoristas:

  • O amor romântico como ideal: diferente da Não-Monogamia Política, que busca desconstruir e eliminar o amor romântico, o “poliamor reacionário” o tem como ideal. E essa é a base de toda a antítese desse modelo relacional. É perceptível que, no geral, o movimento poliamoroso ainda prega o amor restritivo, que idealiza a posse de outros seres humanos como algo normal e que se pauta através de acordos e promessas “inquebráveis”. A única diferença para o amor romântico monogâmico é a participação de mais de 2 pessoas no núcleo fechado;
  • Busca por aceitação social: Todos queremos ser aceitos. É normal vermos a frustração de pessoas NM por se sentirem excluídas a partir do momento que assumem tal postura. Infelizmente, faz parte. Porém, existe uma grande necessidade na comunidade poliamorosa de ser aceita PERANTE A MONOGAMIA, desejando que sua relação a 3, 4 ou mais pessoas, seja vista da mesma forma que qualquer relação monogâmica. Quase como uma monogamia 2.0, o que difere muito de outros modelos como a Anarquia Relacional e RLi que buscam a superação dessa estrutura;
  • Negação de questionamentos políticos: analisando tais grupos, percebi uma grande recusa a qualquer pensamento que busque questionar as estruturas poliamorosas. Quando isso ocorre, reclamam de “cagação de regra” e que “cada um é livre para fazer o que quiser”. Reações típicas de comunidades despolitizadas. Não há incentivo para a autocrítica.

Certo. Mas aí você me pergunta:

Qual o problema disso? Por que se preocupar com esse “poliamor reacionário” se nós temos nossa própria comunidade NM Política crescendo e prosperando?

Primeiramente, importante dizer que no fim das contas cada um faz o que quiser. Não existe uma polícia da não-monogamia, ninguém aqui vai bater na porta do trisal, dizer que eles estão errados e deixar uma multa. Apesar das várias problemáticas possíveis, uma relação consentida entre adultos é livre para se desenvolver da maneira que os envolvidos quiserem. Não havendo abusos ou violência, deve-se respeitar a autonomia dos outros.

No entanto, essa liberalização e esvaziamento político é muito nocivo para a não-monogamia que queremos criar.

Muitas pessoas entram para o movimento a partir de relações como essas, mesmo porque, a maior parte das relações NM retratadas no mainstream costumam estar no espectro dos casamentos liberais (swing), relações abertas ou poliamor. O problema é que ao adentrarem por essas portas, elas continuam presas à estrutura mononormativa, e para piorar, muitas vezes não encontram nessas “comunidades” o debate crítico necessário para se emanciparem dessa ideologia.

E o que isso significa na prática é a replicação de comportamentos abusivos e violentos comuns dentro da monogamia:

  • O homem como cabeça da relação: Vocês já perceberam que a “imagem característica” da busca pelo poliamor é sempre de um casal heterossexual procurando outra mulher para “amar, respeitar, viver com a gente e etc etc…”? Nesses grupos são comuns posts assim, nos quais o homem da relação cria um anúncio, muitas vezes exibindo sua parceira de maneira abertamente sexualizada, numa tentativa de vender aquela proposta de relação. Na sequência, o mesmo homem escolhe as candidatas dentre aquelas que demonstraram interesse no acordo. Tudo funciona dentro da mesma estrutura machista que já conhecemos, no qual a felicidade sexual masculina é prioridade. São raros os trisais formados por 1 mulher e 2 homens cis;
  • Hierarquização: O casal é a entidade máxima dentro do universo poliamoroso. É ele que se abre para receber a terceira pessoa, e nele está o poder de veto para também terminar tal relação. É comum nesses grupos ver relatos nos quais o indivíduo que entrou depois (normalmente muheres) expõe diversos abusos perpetuados pelo casal. Abusos esses que culminam na expulsão da pessoa do núcleo relacional;
  • Desrespeito à autonomia alheia: Por se tratar de um modelo relacional pautado no amor romântico, é comum que ele seja carregado de acordos limitantes e cobranças surreais. Por exemplo, há um tempo atrás li um relato de um núcleo poliamoroso formado por cerca de 4/5 pessoas. Caso uma delas viesse a ter interesse por alguém de fora, ela deveria pedir permissão aos outros membros do núcleo antes de fazer qualquer coisa. E só poderia agir sobre esse desejo se todos os membros estivessem de acordo. Mas, para além desse exemplo extremo, é comum que as partes envolvidas nesse tipo de relacionamento criem diversas regras;
  • Escassez de possibilidades: Por se tratar de um modelo relacional fechado, assim como a monogamia, os participantes ficam presos às poucas possibilidades disponíveis de interação. Diferente de modelos como a Anarquia Relacional, que incentivam o convívio em comunidade e a criação de redes de afeto e suporte (formada por todo o tipo de relações), aqui, após a formação do tão sonhado “trisal”, o núcleo se fecha novamente para o mundo até a próxima aventura.
  • O sexo como real objetivo: esse é o paradoxo mais irônico de toda a comunidade poliamorosa. Para eles, o poliamor tem como finalidade principal a criação de relações pautadas no amor (romântico). Diferente das relações abertas, por exemplo, no qual o intuito é a abertura sexual, aqui primeiro vem o amor, depois o sexo. E existe muito orgulho nessa distinção. Para muitos poliamoristas, é isso que os torna civilizados, genuínos, com aspirações sérias e não apenas bagunça. Entretanto, o que se vê na prática são diversos predadores sexuais vendendo falsas promessas de relações românticas. Homens e casais curiosos que querem experimentar novos prazeres, e que acharam no poliamor uma boa forma de exteriorizar isso de maneira mais sútil, e que enxergam os grupos como grandes catálogos de consumo.

Por uma NM emancipatória: não deixemos o liberalismo tomar conta

Claro que após ler toda essa crítica você deve estar se perguntando:

Mas André, você está me dizendo que isso tudo só acontece na comunidade poliamorosa? Todos os que praticam a NM Política são perfeitos?

De maneira alguma. Esses mesmos comportamentos descritos acima também dão as caras na comunidade Não-Mono Política (em outros formatos, mas com as mesmas bases). Só que existe uma diferenciação brutal entre as duas comunidades:

Enquanto o poliamor reacionário abraça tais comportamentos numa tentativa de ser legitimado pela monogamia como algo limpo, esterilizado de controvérsias e ideias subversivas, a Não-Monogamia Política realiza um confronto direto a tais estruturas.

Quando esses (e outros) comportamentos aparecem em grupos não-monogâmicos de cunho político, a própria comunidade se autorregula. Os membros se envolvem ativamente no debate e apontam as contradições. É feito um combate direto, impulsionado por uma orientação anti-hegêmonica que se encontra na base da comunidade. Mesmo quando não há consenso, nenhuma questão é abafada com gritos de “cagação de regra” e liberdade individual. A leitura e busca por informações é plenamente incentivada e não se passa pano para a ignorância alheia.

Quando entrei na não-monogamia (há cerca de 4 anos), eu estava buscando uma forma de me relacionar que me permitisse ser livre. E não apenas livre para beijar outras bocas (embora esse seja um aspecto importante para mim, sim), mas também livre para manter minha individualidade e não precisar me transformar num casal toda a vez que iniciasse uma relação afetiva/sexual. Porém ao longo do tempo percebi que havia muito mais para aprender. Enquanto estudava, foram ficando claras as conexões entre a luta anticapitalista e a NM, e isso me motivou cada vez mais a passar por toda a desconstrução necessária aqueles que querem estabelecer relações autônomas. E até hoje eu continuo aprendendo, tudo graças a essa comunidade super presente, que diz a verdade, que aponta as cagadas e que não passa pano (sem perder a ternura e o acolhimento).

A concepção de poliamor pode até ter tido características revolucionárias na sua origem (como é possível ver em trechos da análise que fizemos dos textos acima), mas infelizmente a sua popularização esvaziada de contextualização política (pelo menos no Brasil) fez desse modelo relacional uma simples extensão da monogamia. E não queremos que isso aconteça com o resto da nossa causa. Portanto, conto com a sua ajuda para nunca deixarmos de combater a corrupção causada pelo liberalismo àquilo que acreditamos.

Notas:

*[1] Após todas as críticas feitas no seu texto sobre a deturpação do conceito de poliamor, Louisa se questiona sobre a apropriação da AR por pessoas não anarquistas, chegando a conclusão de que não era certo da parte dela se intitular como tal. É possível ler mais sobre isso clicando aqui, aqui e aqui.

*[2] Sei que muitas pessoas de esquerda, inclusive aquelas que militam em partidos e movimentos sociais e tem aspirações revolucionárias, tem problemas para assimilar a afirmação de que o movimento NM é anticapitalista e está inserido na luta de classes. Quando falamos sobre as possibilidades do afeto “não romantizado”, sobre liberdade sexual, sobre o fim das hierarquias relacionais e assim por diante, muitos que já tem uma visão estereotipada do assunto (“pós-moderno”) partem para a defensiva. É como se estivéssemos propondo uma grande suruba a céu aberto onde todos vão ser obrigados a participar. Longe disso, NM não é sobre quantidade de parceires sexuais, muito menos sobre imposições relacionais (deixamos esse papel para a monogamia). Contudo o propósito desse texto não foi entrar nesse debate, faremos isso em outro momento.

*[3] Existem cursos e cursos. Tem gente séria fazendo pesquisa pra cacete, publicando e oferecendo toneladas de material gratuito e de muita qualidade. Tudo isso sem precisar higienizar a luta nem perder o foco no seu caráter antissistêmico. Dessa forma, quando tais pessoas oferecem um curso sobre NM política, por exemplo, você pode ter certeza que seu conteúdo vem altamente embasado e tem como preocupação uma educação que confronte a monogamia estrutural. “Revolucionário” também paga boletos e dar formação é bastante exaustivo. Contudo, é perceptível a diferença entre aqueles que oferecem um curso como algo extra (um bônus para quem quer um pouco mais de aprofundamento), e aqueles que fabricam conteúdo com o intuito de vender cursos.

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André Luiz
Afetos Insurgentes

Comunista, Comunicador Social, Especialista em Mídia, Pós-Graduado e Não-Monogâmico.