Marielle Franco, presente!

Não vai acontecer, vocês não vão nos calar.

Flavia Godinho
AfroHiato
3 min readMar 15, 2018

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“Ser negro é um paradoxo.
Ou você é passivo demais para gerar mudança no status quo. Ou é ativo demais à ponto de se tornar um alvo.
No fim disso tudo eu me encontro da mesma forma:
Sem identidade, sem direitos, sem poder algum.
Inútil.
Do jeito que eles querem!”

Fábio Kabral

Eu sinto o medo correndo em minhas veias. É de arrepiar. É doloroso o silenciamento do negro. É extremamente doloroso o silenciamento de uma porta voz das nossas causas. Reverbera. Sangra.

Ontem, Marielle Franco — socióloga e vereadora de 38 anos, que lutava pelo espaço das mulheres na política e contra a violência — foi executada. Foram pelo menos nove tiros, que acertaram também o motorista, Anderson Pedro Gomes, e uma assessora, que foi ferida por estilhaços e socorrida.

Ela estava saindo do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, em prol de uma sociedade mais igualitária, um espaço para compartilhar ferramentas de ação cotidiana, trazendo uma perspectiva de resistência, afeto, luta e esperança. Esperança essa que não teve chance de chegar às ruas.

Marielle chegou aonde estava vencendo lutas diárias por si e pelos seus. Eleita vereadora com 46 mil votos e, no dia 28 de fevereiro deste ano, tornando-se relatora da Comissão de Acompanhamento e Intervenção Federal do Rio de Janeiro, ela colocou nos holofotes a violência e as truculências da PM em Acari.

“Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior”.

O Estado executou uma negra da favela porque ela lutava pelo melhor para os seus. Uma execução com objetivo claro: provocar o medo e o terror em todos que se opõem à violência assassina das forças de segurança. Em todos que lutam por igualdade. Em todos os negros que ousem ter alguma esperança de mudança e que tentem levar essa pauta para além das rodas de conversa e de militância. Temos que ficar calados, aguentar calados. Sentir os tiros, o sufoco, o nó na garganta sem dar um pio.

Uma execução para servir de exemplo. Ano de eleição. Intervenção militar. Uma execução que faz questão de mostrar o que é, na sua essência. Mostrar que gente preta não tem vez, e que não vai mudar. Favelado ou não, formado ou não, conhecedor ou não. Gente preta não tem vez e, quando tem, eles tratam logo de dar um fim.

O corpo negro é objeto de militância. Desde que me entendo por gente não tenho um dia de descanso. Não existe a paz. Paz e direito à VIDA são privilégios.

Naruna: “Da paz” de Marcelino Freire.

Privilégios esses que não chegam à favela, ao puxadinho, aonde quer que o negro esteja. Lutar pelas minorias e ser uma mulher preta de reconhecimento em qualquer espaço é perigoso. Mover as estruturas, ter esperança, lutar pelos seus é perigoso. Marielle foi executada. “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”, ela questionou no Twitter um dia antes de ser executada.

Não vai parar, mas por você e por todos nós, Marielle, não vamos parar também. O corpo negro é objeto de militância e a união vai ficar ainda mais forte. Ainda mais. “A cor da farda de quem mata pode mudar, mas de quem morre continua a mesma” e, por isso, não vamos parar, não vão nos calar, eu vou gritar bem alto.

Marielle estava saindo de um evento de fortalecimento, formação e mobilização de jovens negras. Minha luta começa por aí.

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