O pessoal é político

Esse texto é sobre Maria Auxiliadora da Silva, mas também sobre mim e sobre minha história mal contada.

Leila Evelyn
afrontadora
3 min readMar 9, 2018

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Maria Auxiliadora da Silva, este é um nome ao qual vocês tem que procurar no Google e, se tiver a oportunidade, tem que ir conferir a exposição “Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência”, no MASP. Foi uma artista incrível, autodidata, que fez parte de uma família de artistas envolvidos com o movimento negro, principalmente nos bairros da Casa Verde e Brasilândia. Os trabalhos de Auxiliadora retratam o seu cotidiano, com família e amigos das periferias de São Paulo. Onde a arte é branca e burguesa, retratar o cotidiano afro-brasileiro é um ato de resistência, como bem colocado por Carol Hanisch: “o pessoal é político”. E aí onde queria chegar, no pessoal, no quanto a obra de Maria Auxiliadora me toca pessoalmente.

Há uns meses passei a dar a devida atenção às pinturas e temas que artista propunha: orixás, festas típicas, vida urbana, vida no campo e a própria morte. Auxiliadora faleceu aos 39 anos, em decorrência de um câncer e em autoretratos representou o que imaginava ser essa partida.

“O velório da noiva”, 1974, Maria Auxiliadora

Por ofício, estive ainda mais próxima da produção nos últimos meses, e confesso que não consegui conter a surpresa e emoção ao ver o rosto da artista, foi amor a primeira vista: parecia muito com a minha falecida avó.

Maria Auxiliadora da Silva, sem data

Sabe, eu não conheci a minha avó paterna, na verdade tenho a teoria de que conheço só um pouco menos que meu pai, que trabalha desde os 11 ou 13 anos e enfrentou a morte de sua mãe aos 22. O que sei da minha avó, dona Antônia, é que se casou muito jovem com um homem branco de olhos claros e com ele teve 5 filhos, entre eles João, meu pai. Meu avô, Domingos, morreu quando João ainda era um bebê, depois disso a família passou a morar de favor no porão da casa de um compadre. Soube recentemente que trabalhou a vida toda como cozinheira para grandes industrias, isso antes de ser atropelada e arrastada por um ônibus, aos 52 anos.

Dona Antônia, a foto é muito mal feita, eu sei, mas é a única que meu pai tem.

Por motivos outros, que talvez sirvam para um texto no futuro sobre relacionamentos, estava há um tempo sem falar com meu pai. Ao conhecer um pouquinho da história de Maria Auxiliadora, sofri um gatilho lembrando de minha história, ou melhor, sobre o que não sei dela. Pode parecer pouco, mas não é. Ao contrário da artista, com sua história registrada e centenas de parentes vivos, eu não sei de onde vieram meus antepassados. Eu simplesmente não sei nada mais do que escrevi acima, minha história se resume a um parágrafo mal contado. Pessoas brancas sempre sabem a sua origem, repetem com orgulho sobre como seus avós italianos sobreviveram à guerra. Pessoas negras foram sequestradas e seus descendentes não sabem nem como vieram parar aqui.

Percebi que boa parte da história que conheço é baseada em fofocas, boatos e, por isso, resolvi falar com meu pai. Entrar em contato com algo que me encontra tão diretamente é a maior prova de amor que já dei a mim mesma. Sei que provavelmente isso não vá resolver todos os problemas e nem esclarecer todas as dúvidas, mesmo assim, sinto-me empenhada em descobrir.

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Leila Evelyn
afrontadora

Me disseram que essa era a mídia social do textão, por esse e outros motivos, aqui estou. — 28 anos, Relações Públicas, produtora e várias fita.