Pigmentocracia em similitude ao estereótipo de antimusa

Leila Evelyn
afrontadora
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4 min readApr 17, 2018

O racismo no Brasil é tratado como um tabu, porque conserva-se entre alguns grupos sociais brasileiros a crença na existência de um relacionamento harmônico entre brancos e negros, sem diferenças sociais perceptíveis. Segundo apontamento da ONU (2015), o homicídio contra mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. No mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, saindo de 1.747 em 2013 para 1.576 em 2013. Ainda é evidente a discrepância entre mulheres negras e brancas, sinalizando que um dos fatores que conduz à violência contra a mulher pode ser também a cor da pele.

Nesse texto falaremos sobre pigmentocracia ou colorismo, termo que se refere à discriminação pela cor da pele, aludindo ao fato social de que quanto mais pigmentada é a pele da pessoa maior seria a sua exclusão e discriminação. O meu objeto de estudo é investigado a partir de situação vivida pela atriz Nayara Justino, negra, que em 2014 representou a personagem Globeleza, eleita por meio de votos democráticos promovidos pelo programa Fantástico.

Parte do público expressou estranhamento frente à eleição de uma mulher negra de pele escura para representar o papel da musa naquele ano. Esse recorte da audiência se manifestou de maneira negativa em redes sociais, ressaltando a inadequação da cor de pele de Nayara à personagem tipicamente representada por mulatas. Esse aspecto remete a nosso passado e, nesse sentido, José D’Assunção Barros (2009) fala sobre o que era ser mulato em período escravagista, em comparação ao ser negro no mesmo período:

Ser mulato, no imaginário do escravagismo colonial, desenha-se para as elites coloniais e imperiais como uma diferença que, permitindo maior flexibilidade ao seu portador do que tinha o indivíduo considerado “negro” — favorecia a que os mestiços circulassem com maior desenvoltura no eixo das desigualdades sociais, podendo aspirar a uma cidadania plena. (BARROS, 2009, p. 93)

Ou seja, sentimos resquícios dessa realidade ainda hoje. Podemos identificar nas palavras de Barros, supracitado, um certo privilégio (ou aceitação maior) da pessoa negra de pele clara (mulata) sobre a pessoa negra de pele escura; e é a partir desse contexto que iniciamos uma análise social sobre a condição desses sujeitos como inferiorizados e invisibilizados.

Nosso recorte é limitado justamente à personagem da Globeleza, apresentada. Avaliamos e discorremos apenas sobre essa representação e critérios historicamente construídos para a formulação desse estereótipo de que mulheres negras de pele escura não são sensuais e, sim, sua imagem remete à fealdade e servidão.

Essa não visibilidade (sensual) da mulher negra de pele escura enquadra-se no que Hall (1998) intitula como violência simbólica, a violência que não é física, mas que acarreta consequências psicológicas. Podemos exemplificar esse tipo de violência por exemplo no campo da beleza, quando se violenta uma pessoa ao rotulá-la como feia ou bonita por sua cor de pele. Esse fato foi percebido em The doll experiment, investigação realizada por Kenneth Clark (1939), com o intuito de estudar a imagem que as crianças negras tinham de si mesmas e qual o impacto do racismo na autoestima dessas crianças. Como resultado a pesquisa identificou uma não coalescência de significados: as crianças demonstraram uma não associação de beleza à boneca de cor escura, e por conseguinte, associando a beleza à boneca de cor clara. Mais que isso, o estudo demonstrou a percepção que crianças negras tinham sobre si mesmas, pois além de associar a boneca de cor escura à não beleza, identificavam-se com ela, ou seja, afirmaram parecer com a boneca feia.

https://www.youtube.com/watch?v=PZryE2bqwdk

Nayara Justino foi a quarta negra a representar o papel de Globeleza 2014, eleita por meio de votos democráticos promovidos pelo programa do veículo Rede Globo, o programa Fantástico.

Reprodução da internet

A imagem de mulheres como Nayara diversas vezes foi atrelada ao servilismo pela emissora, por exemplo Tia Nastácia, personagem criada por Monteiro Lobato em 1912, adaptada para televisão pela Rede Globo em 1977 interpretada por Jacyra Sampaio; Tia Nastácia enquadra-se perfeitamente no estereótipo mammie, segundo Joel Zito Araujo:

Mulher negra típica prevista para a sua representação devia ser uma atriz grande e gorda, capaz de caracterizar uma negra ao mesmo tempo orgulhosa, dominadora, de vontade forte, irritável, mas intensa na sua maternidade. (ARAUJO, 2004, p.50)

Nayara foi a primeira negra de pele escura a ser escolhida para esse papel, antes dela três outras mulatas o fizeram o papel sensual aparentemente não cabia a ela, a reação racista do público via portais online e redes sociais ressaltou a inadequação.

A Rede Globo de Televisão é a emissora de maior alcance nacional, segundo BOLAÑO (2005)

A Globo teve a felicidade histórica de capitanear a indústria no seu período áureo, com todo o apoio que o Estado brasileiro pôde lhe oferecer, acabando por construir barreiras à estrada sólidas, especialmente se comparadas com as de suas concorrentes mais antigas […] O mercado brasileiro de televisão oligopoliza, assim, sob o comando da Globo. (p.23).

Porém não parece abarcar a multiplicidade racial da população brasileira, a diretora do Gelédes Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro

“As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher branca.”. (CARNEIRO, Sueli)

E assim infere no imaginário da população, seria este o porquê da aversão à mulher negra de pele negra mais escura.

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Leila Evelyn
afrontadora

Me disseram que essa era a mídia social do textão, por esse e outros motivos, aqui estou. — 28 anos, Relações Públicas, produtora e várias fita.