Quem vai amar por nós?

Leila Evelyn
afrontadora
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4 min readAug 31, 2018

Não tem sido fácil para as mulheres negras manterem a fé no amor em sociedade ocidental, que desvalorizou nossos corpos e a nós mesmas. Fazendo um recorte histórico sobre o período de escravização até os dias atuais, identificamos representações de negras como animais inferiores, obrigadas pelas circunstâncias a suportar o peso do mundo sob suas costas, a servir às necessidades dos outros.

Durante o século XIX os naturalistas classificaram os grupos humanos a partir de hierarquias, onde brancos eram considerados superiores aos não-brancos, consolidando assim, desde ali, uma ideia de superioridade hierárquica a partir de sua genética que se mantém até os dias de hoje. Tal classificação justificaria um processo de racialização e racismo, determinando que a cor da pele interferiria, inclusive de forma morfo-biológica na capacidade intelectual.

Diferenças são inseparáveis do ser humano, a ocorrência de diferenças, seja de qual ordem for, não pode ser evitada por ações humanas. Esta inerência no mundo social se dá justamente pela grande variedade de conjuntos de seres humanos, por etnias, religiões e etc. O reconhecimento e a não aceitação dessas diferenças levou a projetos políticos para eliminar certas diferenças tais como a tentativa de eugenia étnica nazista, na Alemanha e, no Brasil, onde em período colonial, foi essencial criar diferenciações para manutenção do poder e sustentar o imaginário social sobre a hierarquia vigente.

Segundo Hall (1997), a produção de estereótipos serve para manutenção social. É uma forma estratégica de manter o “normal” como correto e o “anormal” como incorreto. Outra característica da racialização é a total desigualdade de poder. Porém, não se trata apenas de poder econômico ou de coerção física, mas também do poder simbólico através das práticas de representação, sendo o etnocentrismo um dos aspectos desse poder. Estereotipar seria, portanto, “um elemento chave no exercício da violência simbólica” (1997, p. 259), diz Hall.

O estereótipo torna-se negativo quando se torna um protótipo, quando a imagem é repetida a partir de um clichê de que, por exemplo, vemos repetidas vezes por aí é a de que mulheres negras são raivosas e escrotas para caralho, totalmente sem escrúpulos, são capazes de tudo pelos seus interesses pessoais, inclusive de tomar o “papel do homem”. Durante o período da escravidão existiu um verdadeiro culto à feminilidade, o mesmo determinou o padrão de comportamento para mulheres da época e esses padrões claramente só valiam para mulheres brancas e com dinheiro. A Angly Black Woman é o total oposto disso, ela é forte, suporta tudo. Esse estereótipo coloca a mulher negra como perigosa, incapaz de agir racionalmente.

Em penitenciárias femininas a vida é muito solitária. Enquanto as filas dobram quarteirões para ver homens, mulheres não recebem a visita nem de seus familiares. O que pode ser explicado de diversas formas, inclusive pelo que se espera da maioria das mulheres: feminilidade. Porém, como dito anteriormente, para mulheres negras nunca foi esperado esse comportamento estável, estas, que representam a maior parcela do sistema prisional, merecem a solidão.

Bárbara Quirino (20), moradora da Zona Sul de São Paulo, foi presa em janeiro de 2018, condenada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a 5 anos e 4 meses de prisão por um crime que não cometeu. A decisão foi tomada no último 10 de agosto, acusada de um delito datado a 10 de setembro de 2017, data a qual comprovadamente estava no Guarujá com um grupo de modelos. A vítima do assalto afirmou não ter convicção do reconhecimento que fez, mas apontou a jovem pelo “cabelo familiar”, o que deveria ser tratado como inadmissível é visto como razão suficiente para que Quirino sofra assassinato social e permaneça trancafiada.

Babiy escreveu cinco cartas para seu namorado, que nunca foi buscar. Quando falamos sobre a solidão da mulher negra é preciso entender que os abandonos são diversos: o Estado, a família, os amantes, os filhos… estão sozinhas e, muitas vezes, se acostumam com isso, acreditam merecer menos ou nada. Parafraseando Bell Hooks, assim como algumas mulheres negras escravizadas sobreviveram abrindo seus corações e confiando na vontade divina, outras mulheres negras sobreviveram endurecendo seus corações, fechando suas emoções.

Para mulheres negras o desafio mora em provar constantemente a plena humanidade, expressar emoções e tirar do vazio a auto aceitação, fundamental para a construção da autoestima. Não é fácil nesse contexto apresentado pensando que baixar a guarda pode significar dar espaço para ferir e violar sentimentos. Além disso, para amar é preciso deixar o medo ir e, em um cenário onde a violência contra a mulher negra só aumenta, de que forma é possível ter fé no amor? Quem vai amar por nós?

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Leila Evelyn
afrontadora

Me disseram que essa era a mídia social do textão, por esse e outros motivos, aqui estou. — 28 anos, Relações Públicas, produtora e várias fita.