14 de Maio de 2017 — As primeiras 48 horas

Rodrigo Bressane
Life After Suicide
Published in
3 min readMay 14, 2017

Este artigo é parte da série “Como é tentar se matar e falhar”. Comece por ali, caso ainda não tenha lido.

Ricky Fitts: She’s not your friend. She’s just someone you use to feel better about yourself.

Domingo, Dia das Mães.

Boas notícias. Um monte delas. Isso é o que eu esperava trazer a você, querido leitor. Em vez disso, trago decepções. Um monte delas.

Faz mais de dois dias que deixei a clínica psiquiátrica rumo à liberdade e nova fase da minha jornada. Mas a vida, essa safada, pouco se importa.

Passei algumas horas de enorme felicidade — talvez até um episódio maníaco. Coisas belíssimas aconteceram. Meus primeiros encontros com pessoas que acompanharam o caso de perto. O esplêndido abraço que pude dar e receber (é assim que funcionam os melhores abraços) no Dr. Irapuan e sua família, que ainda me receberam para jantar. Mágico.

Mas o lado de fora dos malditos portões azuis continuava a abrigar tudo aquilo que me meteu lá dentro. As sensações, ou a falta delas, as dores, a angústia, os horrores, encontrei toda essa turma. Forte e saudável. Nem de roupa mudaram.

Tentei ser pai logo de saída. Falhei. Tentei enxergar valor nas pequenas coisas. Falhei. Tentei voltar pro trabalho renovado. Falhei. Tentei felicidade. Falhei.

Em casa, não dormia. Quando dormia, não queria acordar. Mas acordei e descobri que ela, a vida, solene, continuava a ignorar minha presença.

Não estou dizendo que não vai melhorar. Quero, torço e estou empenhado para isso. Mas, sim, estou dizendo que não melhorou. Me vejo na estaca zero emocional, o que comprova minha teoria sobre a ineficácia da internação no meu caso. Aí você, que eu já conheço, vai dizer “calma, Bressane, são os primeiros dias, as coisas vão se ajeitando, é um processo e bla, bla, bla”. E eu vou responder “eu sei, eu sei”, mas é mais pra ver se você para de falar logo, sabe? Porque por dentro, é tão ruim, é tão angustiante, é tão vazio, é tão doloroso. Aí você vai pensar “poxa, mas que cara ingrato”. E eu não vou dizer nada, porque foi só um pensamento seu e eu não consigo lê-los (ainda). Mas estará coberto de razão, exceto pelo fato de que você, provavelmente, não faz a menor ideia do que estou sentindo.

Nem tudo foi ruim. Já tomei quantidades louváveis de Coca-Zero. Aquela da garrafinha de vidro. A melhor. Não bebi nada com álcool em várias oportunidades e isso não me custou um milímetro de força de vontade. Questão dominada. Comecei a ler e já planejar a prática da minha lista de coisas para mudar na vida (em breve sai uma versão revista e atualizada). Tenho tomado minha medicação pontualmente. Psicólogos e psiquiatras serão devidamente incomodados na segunda-feira — mas continuo órfão nesse tópico, o que é um sério problema. Descobri que emagreci mais de 2 Kg em “Alcatraz”. Andei muito de moto, o que é ótimo, mas também uma das minhas grandes fugas da depressão. Sair de moto sem rumo é o que faço quando não sei o que fazer.

E é este, meu amiguinho e minha amiguinha, o resumo bem resumido das minhas primeiras 48 horas de volta à vida, essa filha da mãe.

Adorei ver os comentários direto no Medium. Por favor, continuem!

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