18 de abril de 2017 — Sinfonia do pôr do sol

Rodrigo Bressane
Life After Suicide
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2 min readApr 24, 2017

Este artigo é parte da série “Como é tentar se matar e falhar”. Comece por ali, caso ainda não tenha lido.

Terça-feira, Dia D + 11

Logo que cheguei aqui fiz amizade com um cabra. Fui com a cara dele instantaneamente. Gente boa, grandalhão, mas com cara de criança. Cara de feliz. Achei que nos daríamos bem. Puxei papo, ele respondeu. Trocamos doenças (é que mais se faz por aqui) e amigos ficamos. Pelo menos foi o que eu pensei.

Corta pra hoje e esse sujeito não olha mais na minha cara. Chamei pra uma partida de bilhar. A olhada que me deu fez cair quatro dedos da minha mão direita e murchar meu pinto. Ele anda com um caderno. Eu também. Mas o dele é grande e cabe mais coisas. Tenho certeza de que meu nome foi pra lá. E pra boa coisa não é.

Sem dedos e sem pinto resolvi fazer mais uma tentativa. Na hora do almoço. Vi que ele estava sozinho na mesa e aproveitei. “Posso me assentar com você?”, perguntei cheio de coragem. “Todos os lugares estão ocupados”, ele respondeu, sem olhar na minha cara. Eu olhei para quatro cadeiras vazias, cumprimentei Gasparzinho, seus amigos e tomei meu rumo.

Próxima parada, uma palestra da terapeuta que eu costumava gostar. Era, mais uma vez, sobre aceitação do corpo. Aparentemente rolou um video com a Beyoncé. Felizmente perdi este pedaço. Infelizmente não perdi a parte em que a terapeuta mandou um “é importante nós SE conhecermos”. Doeu de novo. Na mesma alma que eu não tenho.

Apesar do “ Ghost Busters” e do tapa na cara dos Imortais da Academia, eu passei um dia feliz. Até me peguei cantando “Love of my life”, enquanto Freddy Mercury se revirava na cova. Claramente venho me sentindo melhor à medida em que os dias passam. Mas é este o problema que eu temia. Assimilação. Não quero me sentir bem aqui. Quero me sentir péssimo e dar o fora pra casa.

Pra piorar, o fim de tarde fez a gentileza de ser daqueles de cair o queixo. Com tons de laranja, púrpura, azul. Tão lindo que foi. Tão triste que foi, com todos os sons da noite. Uma sinfonia de dor pra quem tem fraqueza por sentir.

Amanhã tem mais. Eu criei uma lista de músicas que tenho ouvido enquanto estou internado. Para ouvir, assine minha playlist do Spotify “After Death”. Ela é colaborativa. Significa que, além de assinar, você pode contribuir com músicas que goste.

Se quiser falar comigo, escreva para rodrigo@bressane.com.

Seja gentil,
Rodrigo Bressane

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