23 de Maio de 2017 — Prazo de validade

Rodrigo Bressane
Life After Suicide
Published in
3 min readMay 23, 2017

Este artigo é parte da série “Como é tentar se matar e falhar”. Comece por ali, caso ainda não tenha lido.

Na última quinta, à noite, deixei a sala da psicóloga — minha primeira consulta desde a saída da clínica — sem muito o que dizer do encontro. Tentei contar a ela o pior de mim, sem muitos filtros, no curto espaço de tempo disponível. E foi isso. Só eu falando. Imagino que deve ser assim numa primeira consulta. É o máximo que consigo relatar sem esticar o caso.

Sei que terapia leva tempo. Espero que comigo leve menos. Sinto não ter tanto tempo disponível. Vivo uma sensação apavorante de prazo de validade. Um tic, tac cada vez mais fraco, tiquetaqueando na cabeça. Minha degradação emocional foi muito aguda nos últimos dois anos, culminando com o 7 de Abril, e continua em aceleração nas semanas mais recentes. Se eu estava mal há 50 dias, hoje estou algumas vezes pior. Já tenho psiquiatra? Sim, primeira consulta na quarta. Já tenho terapeuta? Sim, primeira consulta quinta passada, como acabei de relatar. Próxima esta semana.

Tenho experimentado uma espécie de reset das piores coisas. Mágoas que eu já havia perdoado, arrependimentos que eu já havia superado, dores que não eram mais para existir e uma incrível infantilidade de raciocínio — boa parte das minhas aflições seria resolvida com uma dose mínima de maturidade. Tudo isso venho somando aos lutos mais recentes da minha vida, que são muitos. E a dor do momento é um amontoado de todas estas coisas. Talvez por isso a sensação de prazo de validade.

Uma leitura própria me diz que não duro muito. Mas tento não fazê-la.

Uma surpresa me esperava em casa quinta à noite. Meus pais, que estavam na Holanda durante toda minha internação, vieram de Belo Horizonte para me ver. Não os via há muitos meses. Ficaram dois dias. Overdose de colo de mãe. Não vou negar. Não agora.

“O povo gosta quando o time ruim vira o jogo e vence”, foi a primeira frase que ouvi do meu pai em meses. E fez sentido, claro. Pelo menos a parte do “time ruim”. Obrigado, pai, pela rápida e pontual sabedoria. Usando analogias de futebol para facilitar a compreensão. Já vi isso antes.

Segunda-feira foi um dia melhor. Consegui trabalhar um pouco. Conversei com alguém, sobre trabalho. Já foi uma vitória. Mas quem me já viu em ação alguma vez, cheio de paixão, vida, brilho nos olhos e um coração que bate mais rápido que o ideal, teria dificuldades de reconhecer o saco de carne e ossos, um emaranhado de células defuntas. Minha voz, minhas vibrações, tudo tão degradado.

No meio do papo, por alguma razão, me lembrei do filme Jerry Maguire, em que Tom Cruise cai na grande desgraça profissional de sua vida e ganha o apoio solitário da pobre Renée Zellweger, que embarca numa jornada incerta de recomeços com um final que me faz chorar só de lembrar.

“Shut up. You had me at hello”, é o que me leva pra cama hoje, acordando minha querida amiga Esperança, ajudando a imaginar um futuro melhor em que eu só tenha que me enrolar na toalha e gritar “show me the money!” pra quem passar pela frente.

Quarta e quinta tenho psiquiatra e psicóloga respectivamente. Não vejo a hora.

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