6 de Maio de 2017 — Alpino

Rodrigo Bressane
Life After Suicide
Published in
4 min readMay 7, 2017

Este artigo é parte da série “Como é tentar se matar e falhar”. Comece por ali, caso ainda não tenha lido.

Sábado, Dia D + 29
7 dias para alta

Ontem não tivemos internet. Uma chuva forte aparentemente afogou a fêmea do casal de hamsters que gerava energia para a wi-fi. O macho, por companheirismo, cometeu harakiri usando um palito de dentes. Fui dormir mais cedo e tentei apenas com os remédios tradicionais. Não consegui e pedi o se necessário que é Rivotril em doses caprichadas. Eu preciso de 30, mas acredito que o enfermeiro tenha pingado umas 40. Dormi rapidamente, enquanto pensava nessa garotinha chamada Hope, que visita meus sonhos de vez em quando e que ontem me ajudou a terminar uns escritos. Coisa minha.

Acordei quase na hora do almoço. Ou melhor, fui acordado por um dos colegas. Como aqui não tem chave em nada, eles simplesmente entram, esfregam a bunda na sua cara e te dão “bom dia”. Não que meu colega tenha feito isso. Mas poderia muito bem.

Tomei um banho longo, deixei que Lillyana (a mariposa supervisora de operações) secasse minhas costas enquanto eu me arrumava para… nada. Mas aqui é assim. Os eventos são os mesmos todos os dias e algumas pessoas se arrumam como se fossem ao baile. Eu só visto o que tenho (jeans, cuecas, meias, camiseta e meu par de tênis verde), escovo os dentes, passo desodorante, pego uma barra de Halls preto e tô pronto pra vida. Ana (outra mariposa) trouxe meu tênis verde e lá estava eu saindo para mais um dia de loucuras explícitas.

Falando em desodorante, aqui só se pode usar roll-on e suspeito que o meu tenha sido experimentado por algum colega. Encontrei-o, outro dia, destampado. E eu, jamais, em hipótese alguma, deixaria um desodorante destampado. Prefiro a III Guerra Mundial do que deixar um desodorante meu destampado. Ainda mais um roll-on.

Continuando a lista de coisas pra mexer na vida daqui pra frente:

  1. Enfrentar meus problemas: meu comportamento padrão sempre foi o de fuga. Se é encrenca, não quero saber. Se é problema, tô fora. Pior, se vai me causar algum desgaste, seja ele físico ou emocional, prefiro não lidar. Isso tem me impedido de crescer. Apesar de velho, acredito que ainda dá tempo de mudar esse quadro e passar a resolver, eu mesmo, os problemas da minha vida.
  2. Transformar a minha alimentação: tá bem ligado ao outro tópico de mudar o meu condicionamento físico, mas não completamente. Eu não quero simplesmente uma alimentação saudável. Eu quero escolher o que comer. Quero comer melhor. Mais refinado quando for o caso. Mais típico quando a ocasião pedir. Quero comer bem e de um jeito que não prejudique o meu corpo.
  3. Aprender a tocar um instrumento: Eu vi meu pai tocando violão antes de vê-lo pelado. E meu pai em casa é praticamente um naturista. Meu irmão toca qualquer coisa. Meu filho está aprendendo violino e ukulele. E eu? Bem, eu toquei coquinho e triângulo numa apresentação da escola, em 1979. Foi a pior apresentação de coquinho e triângulo que se tem em registro. A escola teve que fechar depois da minha performance (provavelmente). Alguns anos mais tarde, para impressionar uma coleguinha de classe, toquei castanholas. CASTANHOLAS. Foi uma espécie de Fuego del Sol de las profundezas del Infierno. A garota muito provavelmente está traumatizada até os dias de hoje. Talvez internada, como eu. Quem sabe não está aqui, na mesma clínica. Fato é que eu quero tocar alguma coisa e bem. Queria banjo, piano, violão. É só escolher e comprar o curso do Instituto Universal Brasileiro? Aceito sugestões.
  4. Criar e manter um relacionamento de qualidade com os meus filhos: De todos, este é o ponto mais importante. Sou pai há 19 anos. Tenho dois filhos lindos. Que chegaram onde chegaram com praticamente zero de interferência minha. Talvez por isso. Talvez a minha inércia como pai os tenha deixado livres para crescerem saudáveis, com a cabeça no lugar, amorosos, inteligentes, bons. É possível que ter feito nada foi o melhor que fiz pra eles. Porque eles são perfeitos. Mas eu perdi a festa da vida dessa duplinha. Perdi todas as apresentações escolares, a maior parte dos aniversários e momentos que, para eles, possivelmente tenham sido muito importantes. E talvez eles tenham perdido a companhia de um amigo que sempre lhes quis bem, mas simplesmente não estava lá. Eu fui um dos piores pais do mundo. Na segunda fase da minha vida, não quero ser o melhor. Quero apenas estar lá, para quando eles me quiserem. Do jeito que me quiserem.

Amanhã tem mais itens da lista.

Tentei assistir a um episódio de CSI Miami. Não dá. CSI, só o original, com o Gil Grissom. Tomei meu remédio e resolvi dormir mais cedo, sem as minhas 30 gotas de Rivotril. Meu colega de quarto, além de possível suspeito no caso do desodorante roll-on, toma 80 gotas. Mas, hoje, me deu dois quadradinhos de Alpino. Em sete dias eu saio daqui.

Adorei ver os comentários direto no Medium. Por favor, continuem!

Amanhã tem mais. Eu criei uma lista de músicas que tenho ouvido enquanto estou internado. Para ouvir, assine minha playlist do Spotify “After Death”. Ela é colaborativa. Significa que, além de assinar, você pode contribuir com músicas que goste.

Se quiser falar comigo, escreva para rodrigo@bressane.com.

Seja gentil,
Rodrigo Bressane

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