Lidando com mudanças

Ingrid Machado
afya
Published in
8 min readDec 15, 2023

Desde o início da minha atuação na iClinic/Afya já passei por diversas mudanças. Algumas pequenas, como mudanças no escopo do time. E outras maiores, como a mudança do meu cargo. Essas experiências me ensinaram que não adianta querer evitar as mudanças, porque elas sempre vão acontecer. O ideal é saber como lidar com elas.

Pensando nisso, comecei a estudar sobre o assunto e compartilhei com o time em forma de palestra. Este texto é uma adaptação da palestra em formato de artigo.

O mundo em que vivemos atualmente nos dá sinais o tempo todo da constante mudança. A definição do mundo BANI é uma que consegue traduzir de forma bem direta a situação. BANI é a sigla para Brittle (Frágil), Anxious (Ansioso), Nonlinear (Não linear) e Incomprehensible (Incompreensível).

Entender a definição de cada uma dessas características pode nos ajudar a lidar melhor com os seus efeitos. Neste texto, pretendo passar a definição de cada letra da sigla do mundo BANI, junto de sugestões de alívio, que são ainda mais úteis para lidar com cada desafio.

Brittle — Frágil

Dizer que algo é frágil não significa necessariamente que estamos atribuindo uma característica negativa. Sistemas frágeis podem funcionar muito bem e até serem considerados perfeitos para o que foram projetados. Até que passam, de repente, a serem considerados obsoletos ou até mesmo inúteis.

A fragilidade vem da dependência em um único ponto de falha e da incapacidade de deixar espaço para imprevistos no sistema. Nem tudo o que funciona bem tem tolerância às falhas e é aí que a fragilidade se mostra presente em diversos momentos.

Sugestões de alívio para o mundo frágil

Resiliência: a resiliência é a característica do que consegue retornar ao estado inicial, após ter sido submetido a alguma ação externa. Pensando em uma visão de pessoas, ser resiliente é conseguir se manter íntegro mesmo sob situações de stress. E é importante saber que podemos nos fortalecer a cada desafio. Podemos ser fortes e ter resistência, ficando cada vez mais preparados para enfrentar o que vem pela frente.

Estabelecer limites: junto da resiliência, é importante saber até quando devemos aceitar determinada situação. Saber que conseguimos aguentar algo, não precisa significar que devemos.

Capacidade para lidar com imprevistos: isso significa ter uma folga e que não devemos trabalhar no limite da capacidade disponível. Por exemplo, uma determinada Squad tem capacidade de entregar aproximadamente 5 tarefas por semana. Ter uma folga seria planejar 4 tarefas por semana, dando a capacidade de assumir um imprevisto sem prejudicar todo o planejamento.

Entender a fonte do problema: caso seja identificado que o sistema não possui folga ou que existe qualquer outro problema em que mudanças podem ser muito impactantes, busque entender a fonte do problema. Uma técnica bem simples, mas muito poderosa, se chama 5 porquês. A ideia é que se pergunte “porquê” 5 vezes consecutivas, para entender a origem de um problema. Basicamente isso.

Retrospectivas: fazer retrospectivas (seja no âmbito do time ou pessoal) é importante para direcionar os ensinamentos. Depois que o pior já passou, pense no que deu certo e no que poderia ter sido feito de forma diferente. Para crescer pessoalmente, imagine como gostaria de responder às mudanças na próxima vez. Muitas vezes, sofremos com as mudanças e passamos um bom tempo pensando no que não gostamos, ao invés de pensar em como melhorar a partir dessa situação. Ter o pensamento de que erros são momentos de aprendizado nos fortalece e pensar ativamente no aprendizado ao final de um ciclo é o caminho para a melhoria contínua.

Anxious — Ansioso

Em um mundo ansioso, estamos sempre aguardando que algo ruim vai acontecer. Não importa a escolha que fazemos, porque sempre temos a sensação de que o resultado provavelmente será desastroso.

A ansiedade pode nos fazer ter uma postura passiva, já que esperamos pelo pior, independentemente das nossas ações. Ou pode nos tornar desesperados, por achar que perdemos a chance de tomar uma decisão e que não vamos ter outra oportunidade.

Sugestões de alívio para o mundo ansioso

Compaixão: a empatia é a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa. E, num mundo ansioso, isso é algo muito importante. Porém, mais importante do que isso é ter compaixão. A compaixão vai além da empatia. Porque, ao se colocar no lugar de outras pessoas, nós conseguimos compreender a situação. Mas com a compaixão, nós estamos dispostos a ajudar. Trazendo para o contexto de como lidar com mudanças, entender o lado da outra pessoa é uma ótima forma de lidar com a ansiedade. Mudanças são feitas por um ou mais agentes, que podem estar igualmente ansiosos com as transformações. Por isso, incluir a empatia nos dois lados da relação apoia na aceitação das novidades.

Mindfulness: mindfulness pode ser traduzido como atenção plena. Em um mundo ansioso, prestar atenção ao que está acontecendo no agora e em como isso te afeta é uma prática de autocuidado que pode te ajudar a lidar melhor com as mudanças. Nesse tópico eu também incluo o trabalho da inteligência emocional. Porque, além de nos ajudar a detectar os nossos sentimentos, ela também nos ajuda a lidar com eles. E esse é um trabalho que demanda a nossa atenção e observação.

Mindset de crescimento: no mindset de crescimento, entendemos que não somos perfeitos, mas sim pessoas em constante evolução. Se não sabemos de algo e estamos com o mindset de crescimento prevalecendo, encaramos o desconhecido como um desafio, uma nova oportunidade de aprendizado. Aqui, a ideia de que não sabemos tudo é reconfortante, um gatilho para que se faça um esforço para aprender. Como você deve imaginar, pessoas com o mindset de crescimento vivem de forma mais tranquila. Isso não significa que fracassos não a deixem decepcionadas, mas sim que fracassos fazem parte da jornada.

O lado positivo do não: o mundo ansioso pode nos tornar desesperados, por acharmos que perdemos a chance de tomar uma decisão e que não vamos ter outra oportunidade. Mas sempre que dizemos não, estamos priorizando algo mais importante. E é isso que importa. Se digo que não posso fazer algo porque estou ocupada, não adianta ficar me remoendo com aquilo que não fiz, mas sim focar no que priorizei. Não conseguimos fazer tudo e perder tempo pensando no que não foi feito nos deixa paralisados. Por isso, da próxima vez que precisar dizer não, diga consciente de que está negando algo em benefício de outra coisa melhor ou mais importante.

Nonlinear — Não linear

No mundo não linear, causa e efeito estão desconectados ou são desproporcionais. Isso significa que a mesma ação nem sempre gera o mesmo resultado. Também significa que ações aparentemente pequenas podem gerar consequências enormes ou que um esforço considerável pode resultar em praticamente nada.

Sugestões de alívio para o mundo não linear

Contexto: já passei por mudanças diversas vezes, de várias formas diferentes. E as que mais me afetaram sempre foram as mudanças sem contexto explícito. Ou seja, sem o entendimento das circunstâncias envolvidas. Mesmo quando nos dizemos abertos às mudanças e flexíveis, é difícil aceitar aquilo que não compreendemos. Por isso, ter um processo que apoie na visibilidade do contexto é importante.

Flexibilidade: mudanças podem ser vistas por vários ângulos. Talvez algo que era bom pode acabar mudando de uma forma que não nos agrada, nos tirando da zona de conforto. Mas também é possível que algo bom fique ainda melhor. Ou até mesmo que algo ruim seja resolvido com uma mudança. Por isso, tente ser mais flexível e analise a mudança de vários pontos de vista para tirar as suas próprias conclusões.

Incomprehensible — Incompreensível

Estamos vivendo em um mundo com acontecimentos incompreensíveis. Usando como exemplo a COVID-19, tivemos uma pandemia em meio a um mundo globalizado e hiper conectado e, mesmo assim, as respostas para o que vivemos pareciam não fazer sentido.

A quantidade de dados e informações a que somos expostos nos deixam mais confusos, ao invés de nos deixar mais cientes do que está acontecendo. Essa sobrecarga não nos permite entender o que consumimos ou até mesmo selecionar ao que gostaríamos de ser expostos. Vivemos a era da infoxicação.

Sugestões de alívio para o mundo incompreensível

Transparência: muito parecido com o alívio do contexto, ter transparência sobre as mudanças que estão ocorrendo pode trazer muita tranquilidade. Então, para quem está atuando como um agente de mudança, ser transparente com o processo é uma forma de dar mais entendimento e diminuir a ansiedade. Porém, a transparência precisa de um pouco mais de cuidado do que o contexto. É preciso evitar que o processo de comunicação se torne um gerador de ansiedade. Nesses casos, é indicado buscar o equilíbrio entre o que se tem visibilidade e é informativo e o que está muito nebuloso e a divulgação pode causar confusão.

Escada de inferência: A intuição é a capacidade de entender ou identificar coisas que não dependem de um conhecimento empírico, ou seja, baseado em alguma experiência ou observação. Mas, mesmo com a intuição sendo uma aliada no mundo incompreensível, podemos usar a escada de inferência para nos ajudar nesse ponto. Se, ao enfrentarmos uma mudança, nós formos diretamente para a intuição, podemos nos precipitar e tomar decisões no calor do momento. Com a escada de inferência, passamos por um processo com várias etapas para organizar o raciocínio, que considera alguns passos para resolver um conflito, que pode ser o que a mudança está gerando. Em resumo, ela é um modelo pelo qual primeiro a gente analisa os dados disponíveis, adiciona significados, considera as suposições, pensa nas nossas crenças e só depois parte para a ação. A intuição até pode nos levar à mesma conclusão, mas, com o uso da escada, podemos embasar um pouco mais esse resultado, mesmo que sem o conhecimento empírico. Para o mundo incompreensível, ter a atitude de parar para entender (mesmo que minimamente) uma situação, pode ser a diferença entra as boas e as más decisões.

Evitar infoxicação: é muito importante selecionar as fontes de informação que consumimos. Bem como desenvolver um pensamento crítico, para saber filtrar e interpretar o que nos é passado. Apenas aceitar uma análise e opinião sem se questionar a respeito e tirar as suas próprias conclusões é uma forma perigosa de se informar. Se alguma vez você se pegou pensando se realmente gostava ou desgostava de algo, ou se estava apenas seguindo a opinião geral, então você entende o que estou querendo passar. É muito comum já encontrarmos alguma informação combinada com opiniões e acabarmos apenas concordando, sem tirar um tempo para tirar as nossas próprias conclusões. Outra recomendação que ajuda a evitar a infoxicação é o controle de uso das redes sociais. Porque, ao limitar o nosso tempo nas timelines, conseguimos dar um descanso para o cérebro. A forma como as redes sociais são implementadas, faz com que o cérebro receba doses recorrentes de dopamina, já que estamos vendo novidades a todo momento. Esse não é (ou não deveria ser) o nosso funcionamento normal.

Mudanças sempre trazem impactos, sejam eles positivos ou negativos. Por isso, a recomendação é que você se prepare da melhor forma possível para recebê-las.

Existe uma frase atribuída à Epíteto que diz:

O que importa não é o que acontece com você, mas como você reage a isso.

Essa é uma forma de pensar que pode ser muito reconfortante e, ao mesmo tempo, motivadora. Porque nós podemos nos preparar para o que vier, atuando naquilo que podemos mudar. Se não estamos prontos, talvez a mudança sirva como aprendizado para uma próxima vez.

Espero que as recomendações tenham sido úteis e que consigas usar as ferramentas apresentadas para navegar de forma mais tranquila no mundo em que vivemos.

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