COMO O “BUENAS TCHÊ” CHEGOU AO “DAÍ, PIÁ”

Ana Martinazzo
Agência Comunitária de Notícias
9 min readSep 21, 2021

Os gaúchos paranaenses, de coração, de alma e sentimento além das fronteiras

“Se tu nasceu no Rio Grande do Sul, é Rio Grandense. Gaúcho é um Estado de Espírito. Não é nascer, é querer ser.” Paixão Cortes

Paixão Cortes — José Ernesto / CP Memória

A tradição gaúcha é mais do que apenas cantar ‘Fundo da Grota’ ou ‘Eu Sou do Sul’. É tomar seu chimarrão, ouvir sua música nativista, falar o dialeto, e dizer com orgulho “EU SOU GAÚCHO”. Sim, quem nasceu fora do estado do Rio Grande do Sul pode, sim, se considerar gaúcho, como os gaúchos paranaenses tradicionalistas, aqueles que cultivam e levam a tradição gaúcha por onde passam, mas que nasceram no Paraná.

A palavra tradição vem do Latim traditio, um derivado de tradere, “entregar, passar adiante”. E este verbo se formava por trans-, “além, adiante”, mais dare, “dar, entregar”. Então, a palavra tradição atende ao significado de “passar algo a alguém”. Como por exemplo:

Chimarrão — O ato de cevar um mate no fim da tarde é da rotina de vários brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios.

Pilchas — O gaúcho é conhecido pelas bombachas e vestidos. São uma evolução de pilchas vindo dos estancieiros e charqueadores, que eram a elite rio-grandense, até o traje atual mais simples e prático.

CTG — Participar, frequentar ou dançar no Centro de Tradições Gaúchas (CTG), é um modo de cultivar a tradição e a cultura gaúcha ao longo das gerações.

Um dos maiores símbolos do tradicionalismo gaúcho é o CTG. O Centro de Tradições Gaúchas teve como seu pai fundador João Carlos D’Ávila Paixão Cortes, que, junto com seus amigos Barbosa Lessa, Wilmar Santana, Glaucus Saraiva, Flávio Krebs, Ivo Sanguinetti, Fernando Machado Vieira e Cyro Dutra, formavam o Grupo dos Oito — que fundou o 35 CTG (o primeiro CTG da história), na capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, no dia 24/04/1948.

Registro do grupo dos oito.

Com exceção de Barbosa Lessa, os outros amigos faziam parte do Grêmio Estudantil do Colégio Júlio de Castilhos, e foi a partir de lá que veio a ideia de montar um CTG.

O intuito era resgatar a identidade do povo gaúcho. Ao ser aprovada a ideia, o grupo enviou uma nota para a capital explicando o novo departamento: “O Grêmio Estudantil Júlio de Castilhos, sentindo a necessidade da perpetuação das tradições gaúchas, fundou, aliando aos seus já numerosos departamentos, o das Tradições Gaúchas, procurando assim, preservar este legado imenso dos nossos antepassados, constituído do amor à liberdade, grandeza de convicções representadas pelo sentimento de igualdade e humanidade”.

O lema está na própria bandeira do estado, onde se lê: Liberdade, igualdade e humanidade.

No Departamento de Tradições Gaúchas do Grêmio estudantil Júlio de Castilhos decidiram realizar a 1ª Ronda Gaúcha, que logo passaria a ser chamada de Ronda Crioula. Iniciou no dia 7 de setembro, com uma programação que se estendeu até o dia 20. E, ao fim da comemoração, aconteceu o primeiro baile gaúcho no Teresópolis Tênis Club, na noite do dia 20 de setembro no ano de 1947.

Depois desse evento, Barbosa Lessa saiu à procura de sócios para o tal Centro de Tradições Gaúchas, e, após quase um ano recrutando pessoas, foi fundado o primeiro CTG do mundo, o 35 CTG, com o lema “Em qualquer chão, sempre gaúcho”.

E como o “Eu vou, dançar, fandango de galpão…” chegou a outros estados

No Rio Grande do Sul, havia os tropeiros, que faziam longas viagens até São Paulo e passavam pelo Paraná, assim colonizando o estado.

Os tropeiros eram viajantes que tinham o trabalho de abrir novas rotas para ligar as grandes cidades até o campo. Além das estradas, eles fundaram as vilas que virariam cidades mais tarde.

Hoje existe a famosa Rota dos Tropeiros, por onde passavam e descansavam as tropas, entrando no Paraná por Rio Negro e seguindo viagem até São Paulo. Nessa rota, os tropeiros levavam mulas de Viamão, Rio Grande do Sul, até a cidade de Sorocaba, no estado de São Paulo.

Ao longo dos anos, quem saía do Rio Grande para morar em outros estados sentia falta da terra natal e, para dela se aproximar, colocava em prática muitos de seus costumes. Então foram criados os CTGs pelo restante do Brasil. Os centros de tradições gaúchas chegaram até na terra do Olodum: é isso mesmo, existe um CTG na Bahia, a tradição é tão grande e forte que caminhou 3.158 km e mais…

CTG em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia.

Let’s go to CTG

E a tradição gaúcha não fica apenas no Brasil, ela roda o mundo inteiro. Existem mais de 1.200 CTGs espalhados pelo mundo, um pouco diferente dos nossos, é claro, porque não possuem competições artísticas e campeiras, como nos CTGs brasileiros, , há apenas bailes, jantares e o encontro com os amigos.

Os brasileiros se mudam para diferentes lugares do mundo, mas nem por isso deixam para trás as suas raízes. Pensando nisso, alguns gaúchos resolveram fundar CTGs em outros lugares. Existem CTGs nos Estados Unidos, Israel, Espanha, França, Canadá, entre outros países.

A Flórida, Estados Unidos, é um dos locais em que mais se encontram gaúchos. Em Orlando, existe o CTG Rincão do Imigrante, com mais de 200 associados. Volnei Rodrigues, primeiro patrão do CTG Rincão do Imigrante, fala um pouco sobre a escolha do nome “A gente não quis caracterizar unicamente as pessoas nascidas no Rio Grande do Sul. Todo imigrante que gostar da tradição gaúcha, é bem-vindo. Temos, aqui, por exemplo, mexicanos, hondurenhos, costarriquenhos que são cônjuges de brasileiros e participam”.

CTG Rincão do Imigrante. Arquivo Pessoal.

O começo no Paraná

O primeiro CTG fundado no Paraná foi o CTG Vila Velha, em Ponta Grossa, no ano de 1958, seguido pelo CTG 20 de Setembro, em Curitiba. E depois, foi só uma questão de tempo para que se espalhassem pelo resto do estado. Hoje são mais de 335 CTGs em todo o território paranaense.

As regiões que mais possuem entidades são o Sudoeste e o Oeste paranaenses. Devido a forte presença de Rio Grandenses que vieram em busca de novas terras por aqui.

“O Rio Grande do Sul ficou pequeno, tivemos que sair. Para ser gaúcho, não é preciso pertencer ao território, o que caracteriza é o modo de vida, os costumes e a paixão pela cultura”, diz Mello, ex-presidente da Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha (CBTG).

Para ele, para ser gaúcho, não é preciso pertencer ao território. “O que caracteriza o modo de vida são os costumes e a paixão pela cultura”.

Fonte: Conforme dados do CBTG, atualizados em 2018.

O primeiro CTG no ninho da cobra

Na capital do Oeste, Cascavel, havia o CTG Gaudérios do Oeste, que se localizava na antiga prefeitura, mas, por uma infelicidade, acabou pegando fogo em uma noite. Há registros de outros dois CTGs na cidade nas décadas de 80 e 90: o CTG Gildo de Freitas e o CTG Lanceiros do Poncho Verde, mas sem estar em atividade.

Atualmente, na cidade existe o CTG Estância Colorada e o CTG Rodeio da Tradição, competindo e ensaiando para rodeios.

O CTG Estância Colorada — por incrível que pareça, a maioria dos seus integrantes são gremistas! — surgiu a partir de um grupo de amigos que queria competir nos rodeios — torneios de danças típicas -, e assim fundou, em 05 de julho de 1991, o CTG Estância Colorada. O Estância é uma extensão da Associação Atlética Comercial, clube recreativo da cidade que dá suporte às atividades do CTG.

“Fazer parte do Estância é estar entre amigos, ter ajuda para o que precisar, ajudar os outros e sempre cultivar a tradição. É ter uma segunda família. Onde passamos a maioria do nosso tempo, seja ele ensaiando para rodeios ou ajudando nos eventos”, comenta Adriana Bobrovski, ex-dançarina e ex-coordenadora de invernada, e mãe de dançarina.

CTG Estância Colorada

O CTG Rodeio da Tradição, por sua vez, foi fundado no dia 19 de junho de 1970, mas seu galpão só foi construído um ano depois. O nome do CTG veio através de um programa de rádio que tinha o mesmo nome. E o intuito era cultivar a tradição gaúcha na cidade.

Participar do CTG Rodeio da Tradição é algo muito especial, pois é um lugar que me identifico quando se fala em tradição, um lugar que me acolheu. Ali me sinto em uma família”, diz Anthony Nunes, gaiteiro e dançarino.

CTG Rodeio da Tradição

Mas, afinal, o que se faz em um CTG? Como vivem? Do que se alimentam?

Respondendo à primeira pergunta, no CTG os integrantes participam de ensaios para competir nos rodeios. Não, não são aqueles rodeios que ficam montando em bois, são os rodeios artísticos. Rodeios de danças tradicionais, que são danças folclóricas trazidas da Europa ou criadas pelos fundadores para apresentações. Além das danças, existem as modalidades individuais, como gaita, violão, declamação, canção, causos, chula, entre outras categorias.

A segunda pergunta é interessante: vivem ligados em 220 volts. Em semanas de rodeio, os ensaios acontecem todos os dias, normalmente ensaiam duas vezes na semana e durante o final de semana,para colher o resultado no rodeio, tentando conquistar as competições.

Dentro do CTG existe as invernadas, que são divididas por idades:

- Pré-Mirim = até os 6 anos;

- Mirim = até os 13 anos completos;

- Juvenil = dos 14 aos 18 completos;

- Adulta = dos 18 anos, sem limite de idade;

- Veterana = A partir dos 30 anos, sem limite de idade;

Os rodeios são divididos por regiões, com um sistema classificatório para o FEPART (Festival Paranaense de Arte e Tradição Gaúcha) e os dois primeiros colocados de cada modalidade se classificam para o FENART (Festival Nacional de Arte e Tradição Gaúcha), que ocorre a cada dois anos em regiões diferentes do Brasil.

Agora… Do que se alimentam?Bem, não é apenas um bom churrasco a fogo de chão que sustenta o gaúcho. Há também outras comidas típicas do Rio Grande como:

Culinária — O famoso churrasco a fogo de chão; Arroz de China Pobre, que nada mais é que um arroz com linguiça; Arroz Carreteiro, derivado do consumo de charque, sendo a simples mistura de arroz com charque; Charque, carne conservada com muito sal, que era produzido para garantir mais durabilidade à carne do gado abatido; entre tantos outros pratos do Sul que são conhecidos nacionalmente., entre outras comidas. Os bailes são uma forma de arrecadar fundos para as pilchas e viagens para rodeios.

Invernada Adulta do CTG Estância Colorada no 30º FEPART em Quedas do Iguaçu, 2019.

O futuro do tradicionalismo pós-pandemia

Durante a pandemia, os CTGs ficaram sem seu maior evento, que são os rodeios e algumas pessoas se afastaram das entidades. Mas, como a chama crioula — símbolo do tradicionalismo que é acessa todo 20 de setembro no dia do Gaúcho, a chama da tradição está em cada um que leva o amor de ser gaúcho por onde passa. Um pequeno gesto, um pequeno ato, já é bastante quando é feito de coração e sentimento verdadeiro.

Aos poucos os eventos estão retornando, alguns jantares, bailes diferentes, sem o tablado para dançarem, com alguns shows, mas sem data prevista para os rodeios e outras competições. No Rio Grande do Sul, o FestXiru — evento específico para as invernadas xiru — está marcado para o mês de dezembro, na cidade de Santa Maria.

O futuro do CTG está nas crianças e jovens, lá elas aprendem a respeitar os mais velhos, respeitar os amigos, ter uma competição saudável, além de praticar exercícios.

Caso esteja interessado em conhecer como funciona uma apresentação de dança nos rodeios, está aí a apresentação da invernada adulta do CTG Estância Colorada no último FEPART, que aconteceu na cidade de Quedas do Iguaçu em dezembro de 2019.

https://www.youtube.com/watch?v=61FdfGgk6VE&t=1108s

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