De sementes a cascas: o mundo do aproveitamento integral de alimentos
Já virou costume da casa dos brasileiros consumir aquela fruta ou legume na hora, e jogar as cascas no lixo. No máximo, utilizar no jardim como adubo. Cascas de alimentos em receitas seria apenas coisa de vó? Chá de casca de abacaxi ou laranja para gripe e tudo mais. O que acontece é que diariamente jogamos quilos e quilos de nutrientes para nossa própria mesa — e que fariam a diferença no nosso bolso — sem se atentar ao tesouro nutricional chamado aproveitamento integral de alimentos. Ainda mais longe, são 1.300 bilhões de toneladas de alimentos que anualmente são perdidos ou desperdiçados, de acordo com Raúl Osvaldo Benítez, representante regional da FAO. Talos, cascas, folhas, sementes, caroços. Quando falamos do dia a dia, são 40 mil toneladas de alimentos que desperdiçados diariamente no Brasil, de acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Tudo pode ser aproveitado ou reaproveitado. A professora Adriana Martins, do curso de Nutrição do Centro Universitário FAG explicou a diferença dos dois conceitos. “Reaproveitamento é uma preparação que você tem. Você fez um arroz, sobrou arroz do seu almoço, você vai fazer um pão, uma torta salgada, um bolinho de arroz que seja. Isso se trata de um conceito dentro do reaproveitamento, onde você parte de um alimento e faz outra coisa. O aproveitamento integral é um conceito dentro da sua forma integral. A banana ela tem a casca e a polpa. Então quando a gente só come a polpa dela, e joga a casca, a gente não está aproveitando a banana na sua forma integral. Isso vale para todos os alimentos. Como o abacate, ele tem um caroço considerável. Ele pode ser reaproveitado. Tanto a casca quanto a semente, ele tem um valor nutricional extremamente alto, e a gente joga fora”. Ambos conseguem agregar a utilização dos alimentos para consumo de outro. Segundo Adriana, os alunos do curso de nutrição provaram que é possível aproveitar sementes de alimentos que a gente nem imagina, como abóbora, melancia e abacate, para criação de farinhas que posteriormente, foram utilizadas para a produção de um cookie.
Para entender mais sobre o universo do aproveitamento de alimentos, confira o podcast com a Professora Adriana Martins
Mas se o aproveitamento de alimentos já abre um leque para novas receitas dentro da nossa própria casa, há quem utilize para fazer o bem para quem precisa. Em Cascavel, a pastoral que funciona dentro da Igreja Matriz Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Bairro Neva, usa do aproveitamento de alimentos para criação de sopas entre outros alimentos para pessoas carentes que participam dos programas oferecidos pelas pastorais. A coordenadora da pastoral, Maria Lurdes Menon Schram, carinhosamente chamada de Lurdinha, explicou “A gente aproveita tudo: folhas, galhos, cascas, porque temos uma ação dentro da pastoral de criança que chama-se Alimentação em Hortas Caseiras, então fazemos todo esse trabalho com as líderes e as mãezinhas, e depois fazemos a prática com esses alimentos, como bolos, sopas, torta salgadas”. Os programas, que além de ensinar mulheres carentes a utilizar os nutrientes aproveitados para a própria alimentação, também aborda temas como obesidade infantil, alimentação saudável, sempre retornando ao universo do aproveitamento integral de alimentos.
O programa funciona de forma com que os voluntários da pastoral vão em busca das famílias — mães gestantes e suas crianças — para acolher e integrar, avaliando a situação dentro de casa, principalmente quando se trata da alimentação. Existe um dia especial para que os acolhidos coloquem em prática o que é aprendido a respeito de aproveitamento de alimentos, o Dia da Celebração da Vida. Dentro da pastoral, há no momento, duas pessoas que se capacitaram apenas para entender como manusear frutas e legumes para aproveitamento total dos alimentos. Lurdinha conta, “Nós aproveitamos esses alimentos, as cascas, folhas e os talos, a gente faz sopa, bolo salgado, bolo doce, no dia da Celebração da Vida.Toda planta de uma forma ou de outra ela é alimento ou remédio, a gente deveria aprender a aproveitar”.
Dona Lurdinha está certa. A gente deveria aprender a aproveitar os alimentos em sua forma integral. Mas o que ainda impede que façamos esse aproveitamento se temos um leque de frutas, verduras e legumes todos os dias na mesa da nossa casa? A professora Adriana define como um preconceito, assim como tudo que é novo ou comum, e conta a própria experiência com o tema “Na minha graduação, esse tema pra mim tem até um valor sentimental, porque foi uma mudança de visão minha. A gente tem muito preconceito. E eu confesso que eu tinha. Quando eu tava na minha graduação, eu pensava que fazer um bolo com a casca da banana, pra mim remetia cheiro de lata de lixo, e eu consegui entender que isso é uma parte de um alimento que a gente desperdiça, e que pode ser uma preparação muito bonita e aromática. Até a indústria de alimentos tem esse preconceito ainda, não aproveita”.
Adriana dá o exemplo de que qualquer alimento pode ser aproveitado de forma integral. Até mesmo o abacate, e seu caroço. Fomos em busca de tentar entender como essa fruta em específico poderia ser totalmente aproveitada, e descobrimos que somente no caroço. existe uma quantidade de fibras a ser consumida de forma ideal, cerca de 70% dos antioxidantes da fruta estão concentrados nessa parte, além de ser um antimicrobiano, antifúngico e antibiótico natural. Mas como usar? Você pode ralar o caroço, e acrescentar em outras bebidas como vitaminas ou sucos, e também chás com funções diuréticas.
Mas além de proporcionar sustentabilidade, evitar desperdício e elevar os fatores nutricionais, o aproveitamento integral dos alimentos traz o que um consumidor busca no fim do mês: a economia. Uma pesquisa do Instituto Akatu mostrou números interessantes. Se o desperdício de alimentos fosse evitado em 20%, uma família teria a economia de R$90 mensais, considerando uma média de R$500 de gastos com comida. Em um ano, uma economia de R$1080 seria notada no bolso, apenas evitando o desperdício. Para a professora Adriana, a falta de conhecimento de armazenagem leva também é um dos fatores que levam ao aproveitamento de alimentos ainda não ser costume na casa dos brasileiros. “Se fizerem a conta do quanto eles gastaram no supermercado e o quanto eles jogaram na lata do lixo, eles teriam o retorno financeiro. Se contar em um ano, daria uns dois meses de salário. Falta bastante conhecimento a respeito do armazenamento de alimentos também.Se a gente armazenasse melhor, a gente teria um aproveitamento melhor”.
Adriana deu a dica, “A casca da banana é rica em fibra. Então você lava bem, pica ela, refoga, como se você fosse fazer um estrogonofe. Se você tritura ela no liquidificador, você pode fazer um bolo, uma sobremesa”. Depois de tantas opções de sementes, folhas e talos, resolvemos nos aventurar também no aproveitamento de alimentos. Escolhemos então a fruta que sempre tá ali na cestinha do brasileiro: a banana. E aliamos com a sobremesa mais popular do Brasil: o brigadeiro. Esse “briganana” feito com a casca da fruta mostrou como ignoramos uma parte que temos contato todos os dias. A receita agrega valor nutricional: a casca possui vitamina C, fósforo, fibras e potássio. Falando em potássio, na casca você encontra mais do que na própria fruta, deixando a sobremesa rica e nutritiva.
Confira o vídeo e a receita:
Ingredientes:
1 lata de leite condensado
1 colher de sopa de manteiga sem sal
Casca de 1 banana
2 colheres de sopa de chocolate em pó
Chocolate granulado a gosto
Modo de preparo:
- Higienize a casca de banana com hipoclorito de sódio ou cloro
- Corte em cubos
- Bata todos os ingredientes no liquidificador, exceto a manteiga
- Leve o líquido ao fogo e acrescente a manteiga
- Mexa até que o brigadeiro solte do fundo da panela
- Deixe esfriar e enrole o doce no granulado