E quando o pé no asfalto é a única garantia?

Retratos da rotina dos catadores de materiais recicláveis em meio à pandemia do novo coronavírus

Antoniella Signor
Agência Comunitária de Notícias
5 min readApr 16, 2020

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14 de abril de 2020.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

Riomaldo da Silva, catador de materiais recicláveis, 70 anos, no Centro de Cascavel (PR).
Edson de Souza, serviços gerais, 37 anos, na Av. Brasil, em Cascavel (PR).
Magno da Silva, 37 anos, catador de papel, no Centro de Cascavel (PR).
Juvenal de Souza, 52 anos, auxiliar de serviços gerais, na Av. Brasil, em Cascavel (PR).
Francisco Mayer, 51 anos, auxiliar de serviços gerais, colocando duas máscaras de pano, em Cascavel (PR).

Magno, Francisco, Edison, Juvenal e Raimundo têm algo em comum. Os cinco vivem em Cascavel (PR) e estão diariamente em contato com as calçadas, sinaleiros, com os carros e com a movimentação de pessoas. A rua os une. Sobretudo, a rua cercada de oportunidades.

Diferentes caminhos, mas um mesmo destino de improviso e incerteza os leva a uma só direção: tirar o sustento no fim do dia.

Outro ponto que os conecta é a reciclagem. Sabe aquela de latinhas? Do papelão que já não serve mais pra guardar nada ou da infinidade de coisas que as pessoas usam e jogaram fora? Essa é apenas uma delas… a outra está ligada à capacidade de dar um novo significado para as coisas, da mesma forma que eles e toda a sociedade está condicionada a fazer nesse momento. Atípico.

Estado de pandemia - este é o momento, e o efeito dele gera, a cada dia que passa, uma crise que perpassa pela economia, pela saúde física e mental e pela capacidade de se manter economicamente ativo para garantir ao menos a subsistência. E o dia a dia de quem trabalha com reciclagem, segundo o que eles me disseram, também está diferente…

Há menos empresas disponibilizando materiais para reaproveitamento, menor circulação de pessoas nas ruas, menos locais que poderiam servir de ajuda abertos e menos dinheiro. Além disso, segundo Magno, o preço do quilo do papelão caiu R$ 0,15 durante este período. “Eu tenho que arrecadar no mínimo 100 kg de materiais para conseguir me alimentar direito durante o dia, não está sendo fácil. Nunca foi”.

Algo que também talvez tenha complicado o cotidiano dos catadores foi o decreto de Cascavel nº 15.374, que obriga a população a usar máscaras faciais (feitas de tecido, como TNT ou outros), com a higienização frequente das mãos, uso de de álcool em gel e distanciamento social. Ao perguntá-los sobre as medidas, as respostas foram muito parecidas. “Essa máscara eu ganhei, porque, se tivesse dinheiro, não poderia gastar com ela” ou “Não vejo por que usar”.

Em um dos registros, senti a realidade tão próxima que foi impossível me conter. Seo Riomaldo, o de retrato marcante na primeira foto deste texto, tem 70 anos. Onde está agora a pessoa de 70 anos de que você mais gosta? Acho que a sua resposta foi a mesma que a minha. “Em casa”.

Conheço o Seo Riomaldo de vista, das ruas da região central de Cascavel. Ele anda acompanhado quase sempre das rodas de seu carrinho e também das da cadeira de rodas da esposa. Os dois juntos vivem de oportunidades. Da rua.

Dói muito. As costas, as mãos, os pés, com o chinelo no asfalto, o rosto com o sol quente durante a caminhada. Essa percepção parte da visão da pessoa que vos escreve; para quem vive, o impacto acontece de fato.

E ajuda, existe alguma?

Em conversa com a equipe da Secretaria de Assistência Social do município, que aliás segue realizando um trabalho muito digno e necessário neste momento, há opções de auxílio para a população de baixa renda da cidade e também locais para abrigar cidadãos em situação de rua durante a quarentena. Como alternativas estão a Casa Pop e o Albergue Noturno, garantindo abrigo e duas refeições diárias para até 50 pessoas.

Como forma de abrigo temporário, a prefeitura disponibiliza o Ginásio de Esportes Augusto Daniel Werner, localizado na Rua Luciano Correa de Siqueira, bairro Coqueiral, para que os moradores possam ter onde dormir, receber itens de higiene pessoal e café da manhã. A chegada é permitida até as 20 horas, com cuidados especializados para que o vírus não chegue a esses espaços.

A Prefeitura também garantiu 30 vagas a mais no SIM Paraná (Serviço Integrado de Saúde Mental do Paraná), caso haja necessidade. Outra forma de ajuda seria o Cartão Promover, destinado a pessoas em situação de vulnerabilidade social e com renda de R$ 170 por pessoa. Nele, R$ 100 são para compra de gás, produtos de limpeza e alimentos.

Conhece alguém que precisa de auxílio neste momento?

Para colocar em prática:

O Cras (Centros de Referência da Assistência Social) e os Creas (Centros de Referência Especializado de Assistência Social) estão realizando atendimentos e agendamentos via telefone, através dos números:
(45) 3902–1762 / (45) 3902–1736 / (45) 3902–1766

Para refletir:

Sabemos que o mundo nunca será o mesmo para todos. A pandemia é dura. A distribuição de renda é desigual. Mas as pessoas são as mesmas, em cenários e realidades diferentes. O mundo tá ficando diferente e, quem sabe, um pouco mais perceptível. E como em Mundo Grande, Drummond recita:

“Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo”.

Antoniella Orlandi.

Francisco Mayer, 51 anos, auxiliar de serviços gerais.
Edson de Souza, 37 anos.
Riomaldo da Silva, catador de materiais recicláveis, 70 anos.
Riomaldo da Silva, catador de materiais recicláveis, 70 anos, com seu meio de trabalho.
Edson de Souza, 37 anos.

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