Nesta resenha, você encontra um pouco sobre Evangelion, bastante sobre Evangelion e muito sobre… adivinhe? Depressão, auto aceitação, relação com a sociedade e familiares, e outras diversas questões e estados psicológicos que todos podem passar, se não estão passando neste momento. Ou seja, sobre Evangelion.

Neon Genesis Evangelion é uma série de origem japonesa distribuída em três plataformas: de anime, mangá e, mais recentemente, em filmes. Seu lançamento surgiu na forma do mangá, porém era como uma promoção para o anime, que era o real foco dos criadores e produtores. Neon Genesis Evangelion é uma série composta por 26 episódios que continua atual e continuará sendo presente na nossa sociedade durante muito tempo. Ela começa com robôs gigantes, vai para uma depressão profunda e finaliza de forma filosófica sobre o que é ser o “eu”.

Sinopse

Em um cenário pós apocalíptico, o mundo está sendo atacado por monstros, tais criaturas são denominadas como Anjos. Para defender a população, uma organização paramilitar chamada NERV é criada, e sua principal arma são os robôs gigantes EVA’s. Esses robôs são controlados por adolescente que, por coincidência, nasceram quando aconteceu uma catástrofe mundial que dizimou metade do planeta. Esses jovens, junto com a NERV, lutam para derrotar os Anjos e evitar o Terceiro Impacto, que seria o fim definitivo da humanidade.

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Para ser sincero, essa sinopse é bem “fraca” e sem nenhuma originalidade, mas na época nem era muito inovadora. Foi neste mesmo período, na década de 90, em que os Power Rangers e outros animes de robôs fizeram todo o sucesso que os fazem serem lembrados até hoje. Mas uma coisa é certa, logo em sua abertura e nos primeiros episódios, o telespectador consegue perceber que tem alguma coisa de diferente, para não dizer estranho. O que são esses EVA’s? Quem são os anjos? Porque os personagens são misteriosos e até mesmo cruéis um com os outros?

A Jornada de um Herói (ou nem perto disto)

“Quando Shinji entra no maldito robô, é quando todos os probelmas acontecem”, uma bela introducao do canal Video Quest. Evangelion começa com isso, um menino pilotando um robô e sofrendo muito por suas decisões.

A trama central acontece com os personagens Shinji Ikari Asuka Langley Soryu, Rei Ayanami, Misato Katsuragi, Gendo Ikari, Ritsuko Akagi, Ryoji Kaji e Toji Suzuhara, entre eles os pilotos dos robôs são a Rei, Asuka, Shinji e o Toji. a primeira criança até o quarta. Cada um possuindo sua própria característica e trauma, mas que ao mesmo tempo parecem estar sempre tão ligados.

É fácil de se perceber que nas simples conversas das personagens existe algo muito maior. Por mais que durante a metade do anime o que mais se tenha na tela sejam lutas de robôs gigantes, em diversos momentos temos falas mais sensíveis sobre a personalidade e traumas dos personagens centrais da trama.

Shinji: Você sempre faz isso?

Kensuke: É, eu faço.

Shinji: E é tipo um treinamento para alguma situação de guerra?

Kensuke: Como é que eu vou lutar com uma arminha de brinquedo? É só para passar o tempo mesmo.

A cidade de Tokyo virou praticamente um lugar de conflitos e destruição, tanto que para Shinji Ikari, nosso protagonista, um garoto não pode simplesmente brincar sem estar envolvido em algo maior.

Eu sou um nada, um medroso… eu sou um fraco — Shinji Ikari

Desde o início, o protagonista passa por diversos problemas consigo mesmo, sempre se menosprezando ou acreditando que pilota o EVA porque é obrigado. Com o tempo podemos ver que o real motivo pelo qual ele pilota é para receber elogios, para que as pessoas gostem dele. Ele não precisa fazer mais do que isso, apenas deve pilotar, pelo menos é no que ele acredita.

Em diversos momentos podemos ver que a felicidade não faz parte dos personagens, mesmo com uma certa quantidade de cenas alegres, os personagens nunca demonstram uma felicidade verdadeira, afinal eles nunca se aceitam de verdade e acabam vivendo em uma mentira que contam para si mesmos, dia após dia.

Por que fazemos as coisas?

Shinji: O que você acha que são os anjos?

Aska: Porque você está perguntando isso agora?

Shinji: Eu sei lá. É que para mim não faz sentido. Anjos são os mensageiros de Deus, não são ? Então porque lutamos contra eles.

Aska: Você é tonto não é? Dane-se o nome, se você está em um incêndio tem que apagar o fogo, isso não é óbvio?

Agora um pouco mais voltado para a história, eu vi nessa parte em específico, algo como o que muitos praticam, um fanatismo que, por muitas vezes, é doentio. Questionamentos como este são importantes para Shinji, acho que ele só se questiona de verdade em duas vezes durante todos os episódios, nessa parte e no fim. Da para ver que o nosso nem tão querido piloto está começando a tentar entender o seu contexto e quem sabe a si mesmo.

Shinji: Por que será que ela ficou daquele jeito? Eu não fiz nada.

Missato: Você ficou incomodado?

Shinji: Fiquei.

Missato: O problema é que você se preocupa demais com o que os outros pensam.

Esse é um problema muito comum, afinal todos querem demonstrar apenas as qualidades do nosso ser para o próximo, e quando recebemos algo contrário da própria expectativa, acabamos criando um vínculo muito negativo e nocivo, que prejudica não somente a relação em que isso aconteceu, mas também relações futuras. Quem nunca acaba fazendo algo ruim para alguém e fica com aquilo na cabeça, aquela preocupação atormentante? Eu já, e muito. As vezes deixamos passar os momentos mais importantes das nossas vidas por nos preocuparmos demais com a reação do outro e de menos com a nossa felicidade.

Sempre acabamos criando certas verdades que justificam nossas atitudes, no Evangelion essa verdade se baseia muito no “Porque você pilota?”. Porque você, caro leitor, ‘pilota’? Para ser sincero, eu ainda estou descobrindo o meu motivo verdadeiro por trás de pilotar. Se bem que às vezes as coisas não possuem um motivo tão grande assim para sempre precisar de uma justificativa. Às vezes apenas fazemos as coisas pare receber algo em troca, mesmo que isso não nos traga a maior felicidade possível.

Shinji: Ouvir o meu pai aquele hora me fez entender o que é ficar feliz por receber um elogio. E eu também percebi que eu acho que eu piloto o EVA porque… Bom é porque eu quero ouvir os elogios dele.

Aska: Então você está pilotando só por isso? Você é tonto mesmo.

A felicidade sendo buscada pela reação do outro. Será que esse tipo de alegria é algo saudável? Não. Todos passamos por momentos que fazemos algo para alguém sentir orgulho. Muitos até entrar em alguma faculdade para deixar sua família feliz, muitos desistem dessas faculdades por não estarem felizes.

O meu “eu” depende do “eu” que existe em você

Pense que a série é composta em três partes, a partir de agora vamos estar na segunda. Chega de lutas de robôs, quer dizer, as lutas existem, mas são um pouco diferentes. Em uma imensa conversa com um dos EUs do Shinji, o protagonista começa a realmente a se dar conta que existem várias versões de si, uma para cada contexto, cada situação, para cada pessoa.

Shinji da cabeça dele: Eu sou você. As pessoas tem outro “eu” dentro de si mesmas. O “eu” sempre é composto de duas pessoas.

Shinji: Duas?

Shinji da cabeça dele: O “eu” que se pode ver e o “eu” que observa. A muitas entidades chamadas Shinji Ikari, o outro Shinji Ikari que existe dentro da sua mente, o Shiki Ikari que existe na mente da Missato, o Shinji dentre de Aska, o Shinji dentro de Rei e o Shinji dentro do Gendo Ikari. Todos são Shinji Ikari distintos, mas cada um deles é o verdadeiro Shinji Ikari. Você tem medo desses Shinji Ikari da mente dos outros?

Shinji: Eu tenho medo das outras pessoas me odiarem.

“Eu tenho medo das outras pessoas me odiarem, esse medo todos possuem, e quando acabam se machucando por receber ódio de alguém, talvez a melhor fuga seja culpar alguém. Shinji culpa seu pai, um homem que usa todos em sua volta para conseguir o que quer. Um homem capaz de abandonar seu próprio filho por ter medo de se relacionar. Convenhamos, essa pessoa não é a melhor figura paterna, mas Shinji possui diversos defeitos parecidos. Tal pai tal filho.

Quando Shinji recebe um elogio do seu pai, o único durante todo o anime, ele aguarda aquilo como se fossem os números da Mega Sena, sempre que ele pode ele relembra do elogio. Sempre se enganando mais ainda e achando que apenas pilotar o EVA fará com que as pessoas gostem dele. “Você vai passar o resto da sua vida ruminando essa migalha de felicidade? Se eu acreditar nessas palavras eu posso continuar vivendo”, seu incentivo de vida é receber elogios, sua felicidade é ser bajulado, principalmente pelo fato de no fundo ele se odiar. Talvez receber um elogio pode esconder as dores mais profundas, mas esconder não é uma solução tão eficiente.

Shinji: Eu encontrei uma coisa que eu gosto de fazer. Eu encontrei essa coisa e eu quero fazer só isso e nada mais. Será que isso é pedir demais!

Renascimento de um garoto

Depois de uma luta contra o quinto anjo, Leliel, Shinji renasce. Ele saiu de uma espécie de um útero (literalmente). Nessa parte podemos ver que os personagens começam a criticar ainda mais a postura dele, a forma de que ele quer ser entendido sem querer entender as outras pessoas. Shinji quer ser amado, mas não faz muita questão de amar alguém, sempre agindo de uma forma em que a sua única opção é fugir por ter medo… medo da dor e do sofrimento. “Qual é o problema disso? Qual é o problema de fugir do sentimento?!”, Shinji Ikari.

Eu te amo

Se aproximando do fim temos um novo piloto, Kaworu Nagisa, e, ao lado dele, Shinji se sente envergonhado, bobo e feliz. É desse novo menino que Shinji escuta a palavra “eu te amo”, parece que foi a primeira vez que ele ouviu isso. Pela primeira vez alguém quer ouvir o Shinji. Depois de tanto sofrimento teremos felicidade? Ainda não. Essa criança era o último anjo e, para proteger o mundo, Kaworu se entrega a Shinji, que o mata na palma de sua mão. Antes de morrer, o quinto piloto diz: morrer por vontade própria é a única e absoluta liberdade que temos. Nesse momento o anjo a trama nos mostra que o anjo foi o mais humano até agora. Kaworu amou de verdade alguém, tanto que chegou a se sacrificar por ele e por todos os outros.

O fim do mundo

Chegamos ao fim de Evangelion, a terceira parte. Devido a falta de orçamento, temos dois episódios “conceitos”, que por falta de orçamento acabou não tendo o final planejado. Não sabemos ao certo o que aconteceu, mas o mundo acabou. Agora temos Shinji, Missato, Rei e a Aska buscando se entender e se aceitar. Sendo dividido em dois episódios, o primeiro as mulheres são o foco e o último é o protagonista. Vale lembrar que cada um possui um “eu” dentro deles, ou seja, cada personagem possui uma versão de si que somente o outro pode ver.

“Só porque se odeia aqui e agora, não significa que deve se ferir. Isso não passe de se enganar a si mesma, isso não adianta nada.”

Depois de uma conversa muito fluida, os quatro enfrentam seus medos e, consequentemente, entendem os seus verdadeiros objetivos. Finalmente Shinji percebe que ele está errado quando pensa que as pessoas sentem ódio por ele. Nosso menino entende que a única pessoa que o odeia é ele mesmo.

“Cada “eu” é diferente para cada pessoa”

“Em uma mundo sem nada, apenas o branco, estaremos livres, a partir do momento que se cria um chão, não somos completamente livres”.

Nesse recorte do último episódio, não quero colocar quem fala o que, afinal, nesse momento todos eram apenas um, sem a separação do ego.

Você só não está acostumado a ser amado pelos outros.

Não a necessidade de se preocupar de se preocupar com o que as pessoas pensam de você o tempo todo.

Quer dizer que as pessoas não me odeiam? Você só está se forçando para acreditar nisso.

Mas eu me odeio? Quem odeia a si mesmo nunca será capaz de amar e confiar nos outros.

Se você se entender pode ser mais gentil com você mesmo.

Eu me odeio. Mas talvez eu possa sim aprender a me amar. Talvez não tenha problema eu viver desta forma. É, eu sou apenas eu. Eu sou eu. Eu quero ser eu. Eu quero continuar existindo neste mundo. Eu mereço viver nesse lugar.

Assista Neon Genesis Evangelion

Esse anime te faz odiar os humanos e concordar com o fim da humanidade. Contudo, Shinji, no último episódio, faz você querer viver, independente do quão difícil tudo possa ser. Ele não é um herói, não da forma como conhecemos. O pequeno Ikari é alguém igual a mim e a você. Uma pessoa que possui problemas, que precisa de ajuda, amor e carinho, porém por diversas vezes, não sabe como agir para conseguir isso. Neon Genesis Evangelion não é uma obra que vai agradar a todos, mas é uma que todos deveriam conhecer. Por mais que apresente um tom mais depressivo durante boa parte da série, chegar a este final “próximo de feliz” é extremamente satisfatório, e fica até difícil segurar as lágrimas. Sem dúvida, se aceitar o desafio de acompanhar a série, quando você terminar de assistir Evangelion irá enxergar as pessoas próximas com outros olhos, vai perceber que coisas que eram banais se tornam importantes e, o principal, você poderá encontrar uma outra forma de enxergar a sua felicidade.

A minha Professora, obrigado.

A todos que fazem parte da minha vida, eu os amo.

E a você que chegou até aqui…

Parabéns!

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