No meio do caminho, há algumas pedras: a trajetória dos escritores e suas linhas independentes

Ao folhear as suaves páginas de um livro, ao ler os versos daquele poemas compilados em uma publicação, ao se emocionar com as histórias de amor, de aventura e de ação criadas sobre as páginas brancas, muitos leitores podem não pensar em todos os processos necessários para que aquele livro estivesse em suas mãos.

Escrita, revisão, edição, diagramação, publicação, lançamento, venda. Esses são alguns dos processos necessários para que um livro chegue nas mãos, ou nos “kindles”, dos leitores. Durante todas essas fases, o escritor recebe o apoio e a ajuda de profissionais gabaritados que estão presentes no plantel das grandes editoras. Ou pelo menos deveria.

Não é de hoje que o mercado editorial apresenta baixa nas vendas e, segundo os dados coletados em 2020, o setor atingiu seu menor patamar de vendas desde o ano de 2006. Esse dado está presente na série histórica da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro que, até 2019, tinha registrado uma queda total de 20% na lucratividade do setor. Com a pandemia, esse número se agravou ainda mais e o prejuízo tornou-se 13% maior.

Com esse panorama posto à mesa, é difícil pensar que o celular de um pequeno escritor irá tocar em uma pacata tarde de quarta-feira, com um representante de uma grande editora do outro lado da linha com a oferta de publicar as suas obras. E é para esse tipo de escritor, os pequenos e independentes, que o cenário se agravou ainda mais, pois a venda das livrarias caiu e a aquisição de livros digitais cresceu entre mais de 50%, segundo o Marcos da Veiga Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, o Snel, e sócio da editora Sextante.

Da fanfic à busca pelo profissionalismo

Antes de teclar rapidamente com voracidade os botões do teclado, a história precisa estar completamente pronta. Escrita em uma folha de papel, no bloco de notas do celular ou apenas na cabeça e na memória, essa é a única regra que Juliana Dantas estabeleceu para suas obras literárias. “Eu sempre tenho que ter toda a história pronta, com final e pontos de virada antes de começar a escrever, então minha única regra é sempre estruturar antes e só depois começar a escrever efetivamente”, comentou.

Juliana Dantas e uma de suas obras, “A Verdade Oculta”

A vontade de criar histórias diferentes com os personagens de seus livros e séries favoritos, as chamadas fanfics, levou Juliana a iniciar com a escrita, no ano de 2006. Apaixonada por literatura, séries de televisão e viagens, a escritora paulista tinha muita inspiração para transportar seus personagens prediletos para inúmeras novas narrativas, além daquelas nas quais eles estavam contidos nos livros originais.

Toda vez que Juliana escrevia a última letra de mais uma nova fanfic, seu coração vibrava mais forte, com um novo desejo pulsando: a vontade de criar as próprias histórias, com seus próprios personagens, cada um com as próprias características específicas e vivências pessoais.

Até a data da primeira publicação, o tempo passou. Foram dez anos de diferença entre a primeira fanfic criada e o lançamento do primeiro e-book na plataforma da Amazon. O tempo auxiliou no amadurecimento e no refinamento do processo de escrita. Tamanha qualidade e talento a levou para o atual patamar: mais de 40 livros publicados na plataforma Kindle e 19 livros físicos lançados.

Desde cedo, os representantes das editoras se enfileiram na porta da casa de Juliana, a fim de que ela assine o contrato, para que elas possam finalmente publicar suas histórias e o público possa conhecer os novos destinos dos personagens criados pela paulista.

É, talvez não tenha sido exatamente desse jeito.

Na verdade, não chegou nem perto de ser assim.

Dos 19 livros físicos publicados, 14 foram lançados de maneira independente. Traduzindo, mais de 70% das obras de Juliana foram lançadas sem ajuda de nenhuma editora, apenas com o esforço, a dedicação e o dinheiro da própria escritora. Revisão, edição, diagramação, publicação, lançamento, venda e todos os processos já citados foram centralizados na figura de apenas um ser humano, e não de uma equipe especializada e abrigada em uma sala com ar-condicionado.

O processo de produção de uma obra exige suor, sangue e lágrimas, além de dedicação integral. “A gente tem que fazer tudo sozinha, sem muito apoio”, diz Juliana. Todavia, a situação não é composta apenas de pontos negativos. “Mas isso também pode ser algo positivo porque tudo sai ao nosso gosto”, afirma a escritora.

Após noites mal dormidas, muito estresse e fios de cabelo arrancados, o processo termina e o livro é publicado. Enfim, a glória. O escritor suspira e sorri, como se todo aquele sofrimento tivesse valido a pena. Neste dia, ele tem uma ótima noite de sono e até sonha com jardins floridos e com a paz mundial.

Entretanto, o sossego acaba logo pela manhã.

“As pessoas precisam ler o meu livro”, pensa o escritor. “Como posso chegar até eles? Onde eles estão? Como farei para ser conhecido?”.

Um novo desafio se inicia.

Para a escritora Juliana Dantas, o uso das redes sociais é “fundamental” e “indispensável”. Tal fato é fácil de ser constatado, visto que a maioria da população tem acesso aos benefícios da conexão com a internet. Além disso, existem plataformas onde os escritores podem publicar suas obras de maneira gratuita, como o Wattpad. Criada em 2006, a plataforma se consagrou na década seguinte como a grande responsável por lançar inúmeros autores de sucesso, como E. L. James, criadora do Bestseller Cinquenta Tons de Cinza, e Anna Todd, escritora da sequência After.

Divulgação, nas redes sociais, do último livro de Juliana Dantas, que está em pré-venda

Os desafios para conquistar o público

Além das dificuldades impostas pela necessidade de trabalhar sozinha na publicação de um livro, existem diversos outros problemas enraizados na gênese do povo brasileiro, que desafiam o desenvolvimento do hábito de leitura no país.

“É uma questão bem difícil, porque esbarra na questão da educação e também no financeiro. O brasileiro mal consegue estudar, a educação é péssima, não tem incentivo à leitura suficiente. Sem contar que, quando os alunos são incentivados a ler nas escolas, tem que ler clássicos super difíceis, aí cria-se a ilusão de que ler é algo chato”, enfatiza Juliana.

De fato, é compreensível que um aluno do ensino fundamental que necessite ler as rebuscadas linhas de Memórias Póstumas de Brás Cubas apenas sob o argumento de que aquilo é necessário para ser aprovado em uma avaliação, nunca mais queira abrir a capa de qualquer livro considerado um “clássico da literatura”, ou até qualquer outro tipo mais palatável.

Ultrapassando as tortuosas linhas da questão da Educação brasileira, paupérrima de investimentos, precisamos olhar para o tópico “situação financeira” das famílias brasileiras. A grande parte das famílias brasileiras, especificamente na quadra da história em que vivemos, trabalha para ter comida na mesa, pagar as contas de luz, água, gás e nada mais.

“O brasileiro mal consegue pagar suas contas básicas. Como investir em livros?”

De fato, é impossível condenar um pai de família que decide matar a fome biológica de sua família em vez de matar a sede de conhecimento da alma de um filho.

Quando ascendemos às classes mais altas da sociedade, daquelas que pessoas que podem se dar ao luxo de sair de casa e gastar alguma quantia, mesmo que seja mínima, em um livro. Nessa fatia da população, existe um clássico caso de desprezo da cultura nacional, em detrimento da escolha pelo importado, pelo o que vem de fora. É o fetiche do dólar.

É visível o quanto as publicações internacionais possuem mais prestígio frente ao público leitor. Os autores nacionais (quase) sempre acabam jogados no fundo das empoeiradas prateleiras de uma livraria qualquer. Suas páginas são cada vez mais brancas, pois não enxergam jamais a luz do dia. Para Juliana Dantas, esse problema passa pelas ações das editoras.

“Acho que pelo fato das editoras sempre priorizarem livros internacionais, que já foram sucesso lá fora e que chegam prontos, o leitor acaba ficando também com um certo preconceito com o autor nacional, como se ele não tivesse tanta qualidade quanto o internacional. Só que eles não sabem que o livro internacional já foi lapidado lá fora”.

Sem carteira assinada, mas com sonho realizado

Entranhada nessa selva de desafios que é o mundo dos escritores independentes, Juliana Dantas alcançou o objetivo de muitos daqueles que iniciaram escrevendo fanfics e evoluíram para uma carreira profissional: viver da escrita e das próprias publicações.

Cinco meses após debutar na plataforma Amazon, em 2016, Juliana decidiu que não queria, e que não precisaria, mais bater o cartão-ponto as cinco e meia da tarde, que não precisaria dar mais satisfação para um engravatado qualquer que se achava vencedor por ter herdado uma empresa do pai. Menos de um ano após a estreia na publicação de livros, Juliana abandonou o emprego formal e passou a viver apenas das próprias publicações.

“É a realização de um sonho!”, declara.

Com um nome já conhecido no meio, Juliana chegou à marca de 19 livros físicos publicados e mais de 40 obras disponibilizadas digitalmente e segue contando. Do total, apenas cinco foram publicados juntamente com editoras. Além disso, a série Julie & Simon teve os direitos audiovisuais contratados pela produtora Lupi, em 2020, e uma adaptação pode ser produzida a qualquer momento.

Hoje, com mais de 100 milhões de páginas lidas no Kindle, Juliana realizou o sonho de viver da própria produção, uma história que traz incentivo e esperança para milhares de outros autores que não ainda não compartilham dessa realidade. O fato é que, para esse panorama mudar, muitas práticas e conceitos enraizados na sociedade brasileira precisam mudar.

Mas isso é um assunto para outra publicação.

A nova geração de talentos

O novo gênero literário que vem ganhando público e novos leitores, são as fanfics. A palavra é originária do termo “ficção de fã”, surgiu a partir de fanzines impressos na década de 1970 e se popularizou com a ajuda da internet, em blogs e comunidades online.

Os textos das fanfics se baseiam em histórias já escritas, como o caso do livro Cinquenta Tons de Cinza, que inicialmente trazia uma história baseada no livro de Crepúsculo.

Na maioria dos casos, os fãs costumam escrever romances que não acontecem nas histórias originais. Demais assuntos da cultura pop costumam ser abordados também, como romances fictícios entre os integrantes do ex-grupo musical One Direction.

Diante desse fenômeno, a plataforma Wattpad ganhou força, se tornando o principal canal de publicações do gênero. Trata-se de um aplicativo gratuito, que possibilita a todos contar histórias de forma simples, sendo o maior recurso dos novos autores que estão surgindo, pois encontram ali um meio de se expressar sem burocracia, sem custo e sem censura, já que os textos são publicados pelos próprios escritores, e podem variar nos gêneros, indo de livros científicos, até algo um pouco mais picante.

O surgimento da plataforma é um grande marco na história da literatura mundial, pois ressignificou todo o mercado literário. Atualmente, são mais de 70 milhões de usuários em todo o mundo, com mais de 500 milhões de histórias publicadas.

Livro “Red”, de Juliana Dantas disponível no Kindle Unlimited

Embarcando nesta mesma onda, o grupo Amazon desenvolveu a plataforma Kindle Unlimited. Voltado para o mercado de leitores, o Kindle Unlimited é um sistema pago que possibilita o acesso a mais de 1 milhão de livros disponíveis, de forma digital e remota, já que pode ser acessado em seu tablet, smartphone, notebook ou pelo leitor digital da própria Amazon: o Kindle.

O Kindle é uma das principais plataformas utilizadas pelos leitores, pois o valor não se compara ao gasto com livros físicos, e ainda, é um dos principais portais dos autores independentes, já que possibilita a publicação de livros em um canal de grande alcance, abrindo novos caminhos aos novos escritores.

A Literatura e o Brasil

Em meios a tantos autores famosos do exterior, o Brasil vem ganhando espaço no ramo literário e conquista seu lugar no mercado. Alguns dos nomes que se destacam podem ser vistos até mesmo além dos livros, como no caso de Thalita Rebouças e Isabelas Freitas, grandes autoras nacionais que possuem obras adaptadas para a TV e o cinema.

Considerando a situação do mercado, em meio a tantas turbulências, encontrar nomes brasileiros como destaques nacionais e internacionais merece a comemoração.

O gênero romance é um dos grandes carros chefes de vendas de livros por todo o mundo, e no Brasil, a autora Carina Rissi carrega a coroa deste gênero.

Carina Rissi é mais uma que se juntou ao clube dos autores independentes, após criar uma história maluca sobre viagem no tempo em sua cabeça. A ideia surgiu ainda quando Carina era apenas uma amante dos livros, e enquanto estava em casa, precisando descongelar os alimentos sem microondas, ela pensou: “como seria se uma mulher do século XXI fosse parar no século XIX?”.

Carina escreveu vários rascunhos, até que criou coragem e apresentou a ideia para o seu marido, que viu potencial e a incentivou a seguir em frente. As primeiras cópias foram publicadas por conta própria, mas seu talento e carisma fizeram com que a história se espalhasse rapidamente, despertando o olhar da editora Verus, que agora é sua grande parceira, e financiou a publicação de todos os seus 12 livros.

Carina Rissi se destaca dos demais por uma escrita leve e divertida, capaz de arrancar suspiros dos leitores por homens que nem sequer existem fora dos livros.

Escritora Carina Rissi e algumas de suas principais obras.

Acontece no Brasil uma das maiores feiras e eventos literários do mundo, a Bienal do Livro, em São Paulo. A feira é realizada a cada dois anos, e conta com a participação de inúmeros autores nacionais e internacionais, possibilitando ao público conhecer de perto escritores de todas as partes do mundo, participando de oficinas, entrevistas coletivas, e sessões de autógrafos.

Carina Rissi e seus fãs na 24ª edição da Bienal do Livro de São Paulo

A autora é considerada uma das pioneiras do evento, arrastando multidões de fãs todos os anos.

Por Maria Cecilia Prestes, Bruna Giordani e João Vitor Marochi

--

--