Imagem: cortesia da entrevistada. Arte: Raul Andreo de Paiva

Nonô Franco: uma jornada pelo universo das fanfics e do TikTok

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A heroína de mil faces em busca de seu lugar no mundo digital

Por Raul Andreo de Paiva, Vanessa Maria Sant'Ana e Jamiro Júnior

Prólogo

O estúdio estava lotado — a equipe da produção corria de um lado para o outro. Vozes incorpóreas guiavam a equipe. Tudo deveria estar perfeito antes da luz vermelha brilhar. Ele provavelmente pulava de estúdio para estúdio, acostumado com a correria diária e confusão pré-entrevista. Com costume, ele via o vermelho como apenas mais uma largada.

Eu não.

Eu não via no vermelho com costume. A ansiedade me consumia. Talvez seja exagero. Não era por medo ou desconfiança do que poderia se desenvolver. Era totalmente ao contrário. A minha ansiedade era resumida no mais puro frio na barriga representados por mil borboletas em meu estômago. Era uma ansiedade tão boa, que me deixava extasiada.

Ele irradia uma energia que sempre consegue me deixar confortável. É algo inexplicável. Nos conhecemos há anos; nos falamos sempre. Não devia ser diferente das nossas videochamadas de pijama nas únicas horas livres de madrugadas.

Mas foi.

Eu sentia o olhar dele em mim enquanto a maquiadora fazia os últimos retoques. Eu olhei de relance e vi seu sorriso. Entrevistar o Rob — ou melhor dizendo, a grande estrela Robert Pattinson — , em meio a todas essas pessoas seria um momento curioso para eles, e uma aula de autocontrole para mim.

Ser uma pessoa pública é aprender da forma mais dura possível o quanto cada minúscula ação pode ser mal interpretada pela mídia e por qualquer outro que esteja observando. Nós éramos amigos, e muito amigos. Só que os boatos que poderiam surgir pela menor mínima ação eram avassaladores. E nós não precisávamos de nada disso.

“Oi, eu sou a Nonô”, eu disse animadamente acenando para a câmera.

“E eu sou o Robert Pattinson”, ele disse calmamente, com uma casualidade que só um astro de Hollywood teria.

“E isso não é uma entrevista de verdade”, expliquei dando início.

Quando o câmera gritou “corta”, um suspiro de alívio saiu de nós. Ele estava sentado perto o suficiente para eu escutar sua respiração. Me alonguei, observando a correria típica de lugares como esse.

"Pizza?", disse Robert.

"Hm?"

“Pizza, hoje?” Robert se levantou de sua cadeira, enquanto começava a remover o pequeno microfone de lapela.

“E vinho?”, perguntei me levantando também. Como meu corpo precisava de vinho naquele momento.

“Perfeito” Ele olhou de relance para o lado e se silenciou. Dois membros da equipe técnica vieram remover nossos microfones. O que tínhamos era nosso, e as pessoas não precisavam saber os detalhes.

Somos pessoas públicas, mas temos o direito de manter algumas coisas…privadas.

(Esta entrevista, tal como Nonô coloca, não é de verdade. Trata-se de uma flash-fiction baseada em um de seus vídeos do TikTok).

Este é o vídeo que inspirou nossa flash-fiction.

Capítulo 1. As vinhas morrem, a música acaba, o relógio avança

“So goodbye yellow brick road”

(Então adeus estrada dos tijolos amarelos)

Goodbye Yellow Brick Road, Elton John.

“Meu nome é Nonoella”, ela balbuciava totalmente séria. A garotinha de maria-chiquinha estava confiante. Seu nome agora era Nonoella, não mais Manoella, como os pais haviam nomeado. Quem iria contestar?

Imagem: cortesia da entrevistada. Retirada do Instagram.

O apelido ficou. Manoella Ferraz Franco Costa, cresceu sendo reconhecida por todos apenas pelo apelido Nonô. Ela mesma havia se nomeado. O apelido originado do tropeço de uma garotinha viraria seu nome artístico no futuro. Nonô Franco.

Com seus quase vinte anos, a curitibana estudante de design cresceu absorta no universo de Harry Potter. O mundo de bruxaria a cativou tanto que apenas lê-lo não mais bastava. Ele foi a faísca para se aprofundar ainda mais no universo deste fandom.

“Eu preciso expandir esse universo na minha cabeça”.

Ela se debruçou em pesquisas e descobriu que poderia sim criar e se incluir dentro das histórias, e poderia descrever momentos que ela imaginou em sua cabeça. E quando ela se viu, estava lá, escrevendo e escrevendo.

Nonô havia descoberto as fanfictions, ou fanfics para os íntimos. Como o nome já diz, são histórias ficcionais feitas por fãs sobre suas celebridades e universos fictícios favoritos. Ela não precisava mais dar adeus aos mundos que amava — os expandia e criava uma nova vida aos personagens das histórias queridas.

Um outro passatempo de Nonô eram os “vines” — produções em uma rede social de vídeos curtos reproduzidos em loop. “Eu acompanhava muito a galera que fazia vídeo lá: o Cameron Dallas, a Liza Koshy; sabe?” Nonô explica.

Infelizmente, os loops infinitos tiveram um fim. O Vine morreu e, em seu luto, a comunidade migrou para o Musical.ly. Não era o mesmo que os vines, mas o formato era parecido — vídeos curtos, porém de lip-syncing (dublagem) de músicas. Foi neste app que Nonô começou sua vida de produtora de conteúdo.

Foi na migração de plataforma, seguindo o fluxo da comunidade, vendo-a alimentá-la que Nonô decidiu se tornar um membro ativo do Musical.ly: “Falei: vou começar a fazer também.”

Em novembro de 2017, a empresa chinesa ByteDance comprou o Musical.ly e surpreendeu os usuários do app com a nova logo e nome: TikTok. Com o rebranding, a vibe do app também mudou — os lip-syncs perderam a força e novas formas de conteúdo ganharam mais atenção. Isso afetou Nonô que, com cerca de 200 mil seguidores, não conseguiu continuar com aquele conteúdo na plataforma. O novo tipo de conteúdo estava muito além de sua zona de conforto.

Essa mudança pôs um fim em seu hobby. Ou ao menos, era o que ela pensava.

CAPÍTULO 2. Dois anos de silêncio antes de cruzar a fronteira

“Oh I’ve finally decided my future lies beyond the yellow brick road”

(Eu finalmente decidi que meu futuro se encontra além da estrada dos tijolos amarelos)

Goodbye Yellow Brick Road, Elton John.

Meados de 2019.

“Eu não posso deixar isso parar”.

O sentimento de impedimento e não identificação chegou perto de ser um basta para um passatempo que havia se tornado uma grande parte de sua vida. Foi quase. As 200 mil pessoas que a acompanham desde sempre foram a motivação para uma segunda chance.

Vieram as tentativas de se reinventar — a aventura em meio ao desconhecido. Um repertório inteiro dos mais diversos conteúdos. Dos vídeos de comédia às “creepypastas”, narrações que Nonô fazia de “lendas urbanas” da web. Ela atingiu milhares de pessoas. Ela foi se acostumando com a plataforma.

Até que o conteúdo que roubaria seu coração finalmente entrou em voga.

Os “POVs” — point of view (ponto de vista) estavam aos poucos estourando em meio aos produtores de conteúdo de países estrangeiros, como os Estados Unidos.

“Como assim estavam produzindo fanfictions em vídeos?!”

Um universo que sempre a interessou agora estava em um novo formato em uma plataforma que aos poucos ela havia aprendido a domar. Era isso.

Ela decidiu botar em prática as aulas de teatro e fazer jus ao prêmio de melhor performance pelo “diabo debochado” que interpretou em um sarau no ensino médio. Pegou o celular e começou a filmar.

Imagem: cortesia da entrevistada. Tirada do Instagram.

Seu primeiro vídeo, uma imersão no universo de Harry Potter, viralizou e se transformou em seu vídeo mais curtido de todos seus anos de história no TikTok. Foi o momento decisivo para o que veio a ser seu nicho dentro da plataforma.

De The Last Of Us à Marvel, dentre os vários personagens que ela faz, hoje, ela é mais conhecida como Morgan Stark — a filha do Homem de Ferro. Ela se junta à Ellie na jornada de vingança pelo Joel, tira sarro do Peter, conversa com a tia May e quando ela fala que ama o Tony 3000, é visivelmente verdade.

Capítulo 3. O fim da Ponte do Arco-Íris

“O que você acha que vai fazer então”

(O que você pensa que fará então?)

Adeus Estrada de Tijolos Amarelos, Elton John.

“Os meus TikToks representam pra mim um sonho”

Na jornada de auto-encontro, caminhando pela Ponte do Arco-Íris, dando curvas nada suaves, ela finalmente alcançou a cidade dourada. Não só isso, se encontrou e foi encontrada por quase um milhão de pessoas que compartilham suas paixões. Seu número de motivações praticamente quintuplicou. Tudo por conta de um passo além de sua zona de conforto.

Ela agora se aventura dentro dos universos que sonhava em explorar quando criança. As suas paixões da infância não se perderam na caminhada da vida, sendo carregadas até hoje com carinho nos TikToks que ela produz.

Não se trata apenas de trabalho, é seu hobby também. A receita secreta para a motivação e diversão garantida. Um amor compartilhado pelos seus milhares de seguidores.

“Eu amo muito os meus seguidores porque eles entram na pira junto. Eles surtam”.

A arte da edição foi dominada graças à mais pura curiosidade — longe de cursos ou estudos teóricos do assunto. A curiosidade é capaz de ensinar melhor e mais rápido que qualquer um. E o Google? O seu melhor amigo.

Os 30 segundos que encantam seus seguidores levam três, quatro horas para ficarem prontos. É quase chocante para quem nunca editou, mas é muito normal para quem faz isso com frequência.

Pode não ser o mundo dos bruxos da série Harry Potter, mas Nonô entrou em um mundo mágico. Sua carta não veio em uma coruja, mas num aplicativo. Ela aprende magias e encantamentos — aprende com suas amigas magas.

É assim que ela chama as colegas criadoras de conteúdo. Elas inspiram Nonô com seus vídeos e afloram sua curiosidade. “Pergunto na cara de pau mesmo: ‘como que você fez isso, mulher? Me ensina!’”, disse Nonô.

Para Nonô, não existem barreiras quando o assunto é conhecer e se aventurar em qualquer novo universo, seja ele cinematográfico, musical ou literário. Peter Parker e Tom Holland, Shawn Mendes, Jão, Zendaya, Robert Downey Junior — esses e muitos outros têm seu espaço conquistando dentro do coração dela.

“Eu gosto de gente. Eu costumo falar que eu não gosto muito da palavra ídolo. Eu não tenho um ídolo, porque eu não gosto muito de idolatrar pessoas — eu sou fã de muita gente”.

Este é apenas o começo da história de Nonô Franco. Quem sabe o que o futuro guarda para ela? Avançamos no tempo para ver outros futuros e acessar os possíveis resultados desta questão. Vimos 14.000.605. Em quantos ela perde? Apenas um.

Epílogo

Quando ela terminou de falar, o cômodo caiu em silêncio. Foram quase duas horas que só não se estenderam, pois outros compromissos impuseram uma parada. Haviam conhecido ela naquele mesmo dia, mas parecia que se conheciam há anos. Raul gesticulava com as mãos como se estivesse falando, mas não conseguia encontrar palavras.

Vanessa desistiu de procurar a palavra perfeita para descrever a sensação — era melhor acabar com o suspense e dizer de imediato o que sentia.

“Incrível, de verdade. Você foi perfeita demais. Suas respostas. Nossa.”

Ainda sem palavras, Raul apenas fez um coração com a mão e concordou com as palavras de Vanessa. Deixou o queixo que caía a cada minuto que passava durante as respostas dela na entrevista falarem por si só.

“Você fala muito bem,” soltou num impulso. “Sério. Estou até sem palavras.”

“Ai, obrigada pelos elogios,” disse Nonô. “Eu adorei fazer a entrevista — eu adoro quando a conversa é super natural, parece que é de amigo para amigo…”

“Sim,” disse Raul com a voz abafada pelas mãos que cobriam a boca. “Foi bem essa a sensação de falar com você.”

“Sério, você foi super ótima, a gente agradece muito e, ah!” Houve um estalo na mente de Vanessa. “Nas nossas produções, a gente sempre gosta de incluir uma música — ”

“Ajuda a dar um clima na matéria,” Raul adicionou.

“Sim! Então eu queria te perguntar: que música marcante que faz parte da trilha sonora da sua vida?”

“A trilha sonora da minha vida?” Nonô pôs a mão na testa e se reclinou no sofá. “Essa é uma pergunta muito difícil porque…” Ela ria enquanto tentava escolher. “Eu sou muito apaixonada por música, mas…” ela massageava a fronte.

“Eu acho que a música ‘Goodbye Yellow Brick Road’ do Elton John é a minha música favorita e vai sempre ser a música da minha vida…porque ela significa muito pra mim, da minha infância…” Ela parou um segundo. “Essa é a música da minha vida.”

(Devido à pandemia da Covid-19, não pudemos entrevistar a Nonô presencialmente. Esta narração trata-se de uma representação do que seria a entrevista ideal. As emoções descritas são exatamente as mesmas que sentimos, mas a situação foi reimaginada como se estivéssemos lá.)

Você pode acompanhar a Nonô no TikTok e no Instagram ❤️

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Vanessa Maria Sant'Ana
Agência Comunitária de Notícias

Jornalista formada pelo Centro Universitário da Fundação Assis Gurgacz (FAG) | @vanessamsantana