O domingo que dura quatro meses

Entre reuniões, galinhadas e preparativos de agosto a novembro, a Festa do Costelão mostra que a união dos palmitopolenses é capaz de fazer algo grandioso

Mariana Luzan
Agência Comunitária de Notícias
16 min readNov 29, 2021

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Vista aérea da Capela Nossa Senhora Aparecida de Palmitópolis capturada por drone no início da Festa do Costelão de 2016. Ao fundo, algumas mesas já dispostas para o almoço.

[Nota da autora: para uma melhor inserção na atmosfera da reportagem, é altamente recomendável ler este texto tomando uma cuia de tereré e ouvindo os maiores sucessos sertanejos dos anos 2010.]

Todo segundo domingo de novembro, em Palmitópolis, Paraná, é especial e muito esperado pelos moradores e visitantes. A “cidade” de pouco mais de mil habitantes — que sempre me pedem pra repetir o nome quando eu digo que sou de lá — , chega a receber mais que o triplo do número de pessoas que moram no distrito. As ruas se enchem com carros vindos tanto do Paraná quanto de outros estados, as músicas começam a preencher o espaço, junto com o som do almoço sendo preparado e dos últimos detalhes sendo acertados. Quando o dia desponta no segundo domingo de novembro, todo mundo sabe que, em poucas horas, aquele lugar vai estar fervendo de gente. Quem mora em Palmitópolis consegue até sentir a atmosfera mudar.

É dia de Festa do Costelão.

As pessoas começam a chegar por volta das 10h, no mais tardar às 11h30 da manhã. Quando eu era criança, subia a pé a nossa rua junto ao meu pai, ouvindo as músicas do topo das paradas do sertanejo que tocavam nas caixas de som na praça, enquanto lia o nome de todas as cidades nas placas dos carros estacionados. Tinha gente de São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e outros estados que nem me lembro mais. Tinha até carro com placa do Paraguai.

Palmitópolis, um pacato distrito que faz parte do município de Nova Aurora, no oeste do Paraná, é um lugar minúsculo, tem só uma avenida e aparece no mapa do Google por pura questão de sorte. Por isso, ver aquele tanto de pessoas vindo de fora para participar da festa me deixava muito surpresa. Sempre me batia aquele sentimento do tipo: “Uau. A gente tá sendo visto!”.

Depois de deixar o carro em algum lugar do grande estacionamento que Palmitópolis inteira se torna no dia da festa, todo mundo vai para a praça da capela de Nossa Senhora Aparecida, no coração da cidade. Ao meio dia, já é possível contar facilmente cerca de três mil pessoas reunidas para o almoço.

Na ponta da praça, de frente para a escada de três degraus que faz o caminho até a porta da frente da igreja, um palco montado conta com o apresentador da festa e artistas da região que fazem a trilha sonora do almoço.

As ruas de acesso à praça são todas interditadas, delimitando onde as pessoas podem estacionar seus carros (e cavalos!). As mesas são dispostas por toda a praça, sob a sombra das árvores, no pavilhão de festas da capela e debaixo de uma grande tenda que se estende ao longo da rua que divide a praça da igreja do pavilhão, dando realmente aquele ar de festa de comunidade, principalmente com um dos atrativos mais tradicionais de evento de interior: o bingo que acontece à tarde.

A festa dura desde o sábado à noite até o fim da tarde de domingo. O início oficial se dá com a celebração da missa (outra característica forte de festa de comunidade), e à noite, depois da missa, os feirantes da região vendem comidas e bebidas na praça. No domingo, é servido o almoço, e as pessoas ficam na praça comendo, bebendo, conversando e ouvindo os artistas se apresentarem até o fim da tarde.

O almoço da festa, como o próprio nome do evento já diz, tem como carro chefe o costelão. Centenas de costelas de boi cortadas em três ripas são assadas com capricho no fogo de chão pela equipe que trabalha sem parar desde a madrugada. Além da carne de boi, ainda há frango assado e churrasco de porco. Na cozinha, saladas, arroz, maionese e farofa são distribuídas pela equipe encarregada.

Por toda a praça e nas ruas do seu entorno, barracas de bebidas e entrega de comida são distribuídas para atender os visitantes. Do lado de trás da igreja, pula-pulas, escorregadores e piscinas de bolinha atraem filas de crianças ansiosas por se divertirem. Quando eu era mais nova, passava a tarde inteira lá com meus amigos. Voltava para casa, no fim do dia, sem sentir as pernas, mas, sem dúvida nenhuma, voltava feliz.

Lembro muito bem da sensação de andar por entre as mesas, no meio daquele formigueiro de gente conversando, rindo e aproveitando o almoço enquanto a música tocava. É uma sensação diferente, uma euforia que só quem viu os bastidores daquela festa sente. Uma sensação de orgulho, pertencimento, um senso de comunidade, reconhecimento.

Palmitópolis quase sempre passa despercebida, aquela praça fica o ano inteiro vazia — com ressalvas para meia dúzia de crianças que sempre brincam por lá nos fins de tarde, quando voltam da escola, e dos senhores que se reúnem para jogar Truco aos sábados — , mas não no segundo domingo de novembro. O segundo domingo de novembro é especial. É dia de Festa do Costelão. É dia de celebrar em comunidade. É dia de mostrar que Palmitópolis pode fazer algo grandioso.

Engana-se, contudo, quem acha que a festa realmente tem início só no domingo de manhã. Para os moradores de Palmitópolis, o segundo domingo de novembro começa quatro meses antes.

No princípio, não havia nem telhado

Para entender os preparativos da festa é preciso voltar alguns anos no calendário, mais precisamente na origem do evento. A primeira Festa do Costelão aconteceu em 1997, através do Conselho Econômico da Capela Nossa Senhora Aparecida. Antes disso, já eram realizados eventos para arrecadar dinheiro para manter a igreja durante o ano, o que é muito comum em pequenas capelas, com a promoção de quermesses, festas juninas e outras comemorações realizadas pela Igreja.

Um dos idealizadores da Festa do Costelão na conjuntura que ela existe hoje é o Sr. Genivaldo Camilo. Segundo ele, que era presidente do Conselho Econômico da Capela na época — e por coincidência também está à frente do Conselho atualmente — , antes da festa surgir, Palmitópolis costumava fazer venda de dobradinha e galinhada algumas vezes por ano. “Não era só uma vez por ano, eles faziam essas festas sempre. Naquela época, o Conselho era formado por votação na Igreja. Quando me escolheram, eu nem estava na Missa”, contou-me Genivaldo, quando fui até sua casa para a entrevista.

Ele é um velho conhecido da minha família, então, a entrevista foi quase uma reunião de amigos em que, entre um café e outro, ele foi relembrando os velhos tempos junto com meu pai, enquanto eu anotava discretamente suas falas, histórias e reações. Nem preparei tópicos. Só cheguei na casa dele numa noite com meu pai e deixei ele contar tudo o que sabia e lembrava sobre a festa.

Genivaldo explicou que aquelas festas com venda de almoço eram realizadas pelo Conselho Econômico da época e ele não participava da organização, mas seu vizinho, Miguel, participava.

Miguel Vieira Júnior, membro da diretoria anterior à de Genivaldo em 1997, era um dos que estavam à frente dos eventos que aconteciam antes do surgimento da Festa do Costelão. “A gente estava fazendo um evento por mês pra conseguir fechar as contas da Igreja. O prato alternava entre risoto e buchada. Era muito cansativo conseguir vender ingresso todo mês, e não estava mais dando lucro, então aquilo tinha que mudar”.

Genivaldo contou que optar pela venda de costelas foi uma decisão conjunta, mas a ideia veio de Miguel. “Chamei todas as lideranças para uma reunião e falei que daquele jeito não dava mais para ficar. A gente precisava mudar aquele evento, e então o Miguel sugeriu que a gente tentasse com o costelão de três ripas”.

Miguel disse que surgiram diversas ideias: boi no rolete, porco no rolete, mas a sugestão que todos aderiram e decidiram tentar foi a da costela de três ripas. “A costela é muito grande pra vender inteira, então eu sugeri que fosse feito em ripas. Não lembro onde eu tinha comido uma costela naquele corte, mas foi em outra cidade algum tempo antes, então decidimos tentar trazer isso pra Palmitópolis.”

A primeira festa foi modesta. O número de costelas assadas foi bem menor do que nos anos posteriores. “A gente começou com 130 costelas. Conforme os anos foram passando, a gente aumentou a quantidade. Já chegamos a fazer 511, em 2015 ou 2016, e na última festa realizada, no ano de 2019, foram 440 costelas assadas”, explicou Genivaldo.

Miguel disse que o lucro no começo era pouco, mas já era algo expressivamente maior do que o obtido nos eventos com galinhada e buchada que eram realizados antes. “Aquelas festas com buchada e risoto davam R$1.300, R$1.400 no máximo. Logo na primeira Festa do Costelão foram mais de R$6.000”

E a partir daí só cresceu. De acordo com o Conselho Econômico da Capela Nossa Senhora Aparecida de Palmitópolis, a festa de 2019 teve um lucro líquido de mais de R$90 mil. Um número surpreendente para os cerca de 1.000 habitantes da região.

O sucesso é tão grande que, em 22 de outubro de 2019, pela Lei nº 19.981, a Festa do Costelão foi inserida no calendário oficial de eventos do estado do Paraná. É um feito grande para uma cidadezinha que fica “escondida” no oeste do estado.

Cartaz de divulgação da programação da Festa do Costelão de 2019, a última realizada em Palmitópolis antes da Pandemia.

Eu perguntei se o Genivaldo tinha fotos antigas, lá da primeira festa. Ele não me respondeu com palavras, mas se levantou na hora e voltou minutos depois com álbuns nas mãos. Depois de procurar por alguns minutos, me entregou imagens reveladas das costelas assando. Como eu conheço o lugar onde elas são preparadas — que é o mesmo local desde a primeira festa — , consegui notar algumas diferenças, a começar pela ausência do telhado e do muro que separa o pavilhão de festas do quintal da casa do Genivaldo. A estrutura de tijolos onde são assadas as costelas também não existia, e a lenha empilhada ficava no lado oposto de onde fica atualmente.

Costelas da primeira festa, em 1997. Ao fundo, a casa de Genivaldo. No canto superior direito, o Centro Catequético de Palmitópolis. Foto: Genivaldo Camilo/Arquivo pessoal.

Hoje em dia, as coisas são mais bem estruturadas. Foi construído um telhado sobre o lugar onde a carne é assada, erguido um muro entre o pavilhão e a casa de Genivaldo, e feita uma estrutura separada para armazenar a lenha usada para assar as costelas.

Estrutura atual, Festa do Costelão de 2016. Ao centro, um dos membros da equipe da costela, protegendo o rosto da fumaça por meio de máscara e óculos do modelo usado por motociclistas que fazem trilha/motocross. Foto: Arquivo da Capela Nossa Senhora Aparecida.

Além das adequações para assar as costelas, o pavilhão também passou por obras de ampliação conforme a festa cresceu. O evento ficava maior a cada ano, então as equipes automaticamente ganharam mais integrantes, e a quantidade de costelas, churrasco, saladas, bebidas e cartelas de bingo também aumentou.

Mas as pessoas responsáveis por chefiar as equipes continuam as mesmas, quer queiram ou não. É que a dinâmica de organização da festa tem quase vida própria, constituindo-se numa entidade que acaba atraindo as mesmas pessoas sempre. Como o próprio Genivaldo diz, “depois que você entra, não tem mais como sair.”

Em Palmitópolis, novembro já começa em agosto — com definição de equipes e galinhada no jantar

Os responsáveis por tomar as rédeas e realizar a festa são os membros do Conselho Econômico. Quando agosto bate à porta, já começam a incluir nos avisos da Missa os horários das reuniões de formação de equipes para realizar a festa. O evento mobiliza a cidade inteira.

Os encontros acontecem à noite, no pavilhão de festas de Palmitópolis, e é quase sagrado que, ao final de toda reunião, seja servida uma galinhada para os participantes. Antes de começar a estudar no período noturno, eu ia com meu pai só para poder comer a galinhada e brincar com os filhos dos outros, já que todo mundo na cidade se conhece e é amigo — principalmente as crianças.

Todo mundo, daquele universo à parte que responde por “cidade do palmito”, participa. As equipes são divididas por setores: costela, churrasco, cozinha, bingo, bar, organização dos bancos e mesas, quase como se fossem secretarias. Cada setor tem um “chefe”, sem muita hierarquia, mas com muitas responsabilidades.

Várias reuniões são realizadas ao longo dos meses, para deixar tudo “nos conformes” — como costumam dizer por aqui — para o grande dia. Meu pai, José Rufino Luzan, é chefe do bar há tanto tempo que nem consigo me lembrar da primeira vez. Desde que nos mudamos do Mato Grosso do Sul para Palmitópolis, ele é escalado como coordenador desse setor e, assim como Genivaldo, ele sempre fala que é um caminho sem volta. Na verdade, todas as pessoas que entrevistei disseram a mesma coisa: uma vez que você começa a trabalhar na festa, é bom já reservar uns meses do seu ano pra isso, porque você não vai parar nunca mais. Vale a pena, no entanto, repetem todos insistentemente.

Equipe responsável por assar as costelas na festa de 2016. Os trabalhos começam de madrugada, por volta das três horas da manhã. Foto: Arquivo da Capela Nossa Senhora Aparecida.

Com as equipes definidas, cada setor começa a correr atrás de suas coisas. Genivaldo é um dos que mais trabalha na parte de comprar os alimentos, fazendo pesquisa de preços de costela, arroz, batata, saladas, e tudo mais. Meu pai fica responsável por encomendar as bebidas. Miguel é o coordenador do caixa.

E, dessa forma, como um quebra-cabeças, a festa começa a surgir e tomar forma.

A esposa de Miguel, Irineia Vieira, que também participa da festa todos os anos, resumiu de forma bem sucinta o que é fazer o Costelão em Palmitópolis. “Cada um coloca à disposição o que tem, e ainda hoje é tudo de forma voluntária. Ninguém recebe nada para trabalhar na festa, mas todo mundo se coloca à serviço da comunidade”.

E não é só a força humana, mas também material. Os moradores disponibilizam o espaço do próprio quintal para cortar lenha, suas caminhonetes para transportar materiais e tudo o que for preciso, seus tratores com tanques de água para limpar as ruas, seus caminhões para buscar bancos e mesas em outras comunidades próximas. Tudo isso sem receber quaisquer centavos de retorno. É pelo bem comum. E a festa acaba se caracterizando com uma expressão legítima do que é viver em comunidade, ser uma comunidade.

Parte da equipe da cozinha na festa de 2016. Foto: Arquivo da Capela Nossa Senhora Aparecida.

Conforme os meses passam, começa a busca por patrocínios, a compra dos alimentos e bebidas, a aquisição dos brindes do bingo, a contratação do som, dos artistas, dos seguranças, a solicitação de alvarás e toda a burocracia necessária para realizar um evento que recebe milhares de pessoas.

Quando as cartelas e as fichas de almoço ficam prontas, os moradores de Palmitópolis peregrinam por toda a região divulgando o evento e vendendo, tanto no “boca-a-boca” quanto com o auxílio da imprensa, participando de programas de rádio e TV nas emissoras locais.

Cartela e alguns dos prêmios do bingo da festa de 2016. Foto: Arquivo da Capela Nossa Senhora Aparecida.

Na semana da festa, a cidade começa a ser preparada. Os meios-fios são pintados, a grama é roçada e as ruas são lavadas, quase como se Palmitópolis estivesse colocando o seu traje de gala — ou, o que seria mais adequado, a roupa de domingo.

A Festa do Costelão é o dia em que a comunidade é vista por todos. É por isso que Palmitópolis trabalha tão duro nela. Desde a diretoria, os chefes dos setores e todos os trabalhadores, mais do que a necessidade de arrecadar dinheiro para as contas da Igreja — o que é por essência o objetivo da festa — , cada um que trabalha no evento sente a necessidade de fazer as pessoas que visitam a comunidade gostarem e quererem voltar nas próximas vezes.

E eles se saem muito bem nisso. Quando fui até Umuarama, na casa da minha tia Rosimar Lujan, que costuma participar da Festa do Costelão, perguntei por que ela gostava tanto de ir a Palmitópolis nesse dia. Ela respondeu sem titubear: “Porque Palmitópolis é um lugar, um povo muito acolhedor”.

Rua e praça da Capela Nossa Senhora Aparecida durante o almoço na Festa do Costelão de 2016.

E é mesmo assim. Cada detalhe é preparado com muita atenção e dedicação, desde a missa, no sábado à noite, até o final do domingo, há o cuidado para não faltar nada para os visitantes. Eu faço parte do coral da capela como instrumentista e vocal e, o Padre que nos perdoe!, é fato que a equipe de música ensaia muito mais para a celebração da Festa do Costelão do que para o Natal e a Páscoa.

Kariny Camilo, que participa comigo no coral há mais tempo do que eu consigo me lembrar, compartilha dessa mesma sensação. “A gente se esforça muito pra missa porque pra gente é importante que seja um momento bonito e especial na nossa comunidade, por ser um momento de festa, um momento que recepcionamos muitas pessoas”.

Yara Verza, outra integrante da equipe de música que está com a gente, também tem o sentimento de querer preparar uma celebração única e bem feita. “Nos esforçamos muito pois é uma missa de extrema importância, que ficará sempre marcada em razão de recebermos bastante pessoas de vários lugares, por isso queremos que fique mais próximo do que nós imaginávamos”.

É questão de orgulho: a Festa do Costelão é o momento especial de Palmitópolis! O senso de comunidade que esse evento traz é uma sensação que só quem participa de todo o processo consegue ter noção da magnitude.

Até agora foram 22 edições. É “uma vida”, como disse Genivaldo, surpreso ao se dar conta do número de festas já realizadas. O evento é quase como um filho que Palmitópolis criou com muito carinho e dedicação. Um filho três anos mais velho que eu, que tenho 19.

É algo intrínseco à cidade. Ao ponto de, nos anos de 2020 e 2021, quando a festa não aconteceu, por conta da pandemia de Covid-19, todo mundo lembrar com tristeza no segundo domingo de novembro: “Caramba. Uma hora dessas já era pra praça estar cheia de gente”.

A Festa do Costelão é, mais do que só um evento para juntar dinheiro para a capela, uma identificação coletiva de pertencimento.

Início da Festa do Costelão de 2016. As pessoas ficam na sombra das árvores ou debaixo da grande tenda para se proteger do sol.
Equipe da costela na festa de 2019. Mesmo de madrugada, todos trabalham de bom humor desde muito cedo.
Equipe da cozinha trabalhando no domingo da festa de 2016. Foto: Foto: Arquivo da Capela Nossa Senhora Aparecida.

Parar com a festa foi difícil, e mais difíceis ainda foram as perdas

Em 2019 houve a última edição da Festa do Costelão. Obviamente, foi uma pausa contra a vontade de todas, por conta do novo Coronavírus. Mas todo mundo, sem exceção, me assegurou de que a festa não acaba aqui. Foi comovente ouvir a segurança e determinação no tom de voz deles.

É claro que, pós-pandemia, nada mais vai ser como antes em lugar nenhum do mundo. Mas para a Festa do Costelão — e Palmitópolis como um todo — vai ser especialmente diferente e dolorido. Em 2021, duas das pessoas mais importantes para a realização da festa faleceram por conta da Covid-19: o Cuca e o Licão.

Ademir Gallo, conhecido em Palmitópolis como Cuca, era o chefe da equipe do churrasco desde 1997. Peça-chave e indispensável para a realização da festa, Cuca era o melhor churrasqueiro que a cidade já conheceu. “Ele tinha o jeito dele, dava bronca nos churrasqueiros e falava palavrão pro vento, mas ninguém tinha um A pra reclamar do churrasco dele”, Carlos Leandro, filho de Cuca e atual chefe da equipe de churrasco, contou enquanto ria e imitava a forma como o pai abanava as mãos quando fazia churrasco e implicava com os outros sobre futebol. E continuou, explicando que, se não fosse pelo pai, ele não trabalharia na festa de jeito nenhum. “Eu era um dos mais novos e trabalhava na costela, mas a equipe do churrasco era composta só por gente mais de idade, como o meu pai, o seu João Penasso e Devair Camilo [todos já falecidos], e eles me chamaram pra ajudar, principalmente na entrega, que é mais puxado pra quem não tem tanta desenvoltura pra andar pra lá e pra cá. Mas o incentivo veio todo do meu pai, sem dúvidas”.

Ademir Gallo, o Cuca, ao lado do coordenador das cartelas do bingo, Osmar Sobrinho, na festa do costelão de 2019. Cuca faleceu em decorrência da Covid-19 no início de 2021. Foto: Carlos Leandro Gallo/Arquivo Pessoal

Carlos não mora mais em Palmitópolis, e sim entre o distrito e a cidade de Nova Aurora, em um sítio. Quando perguntei se mesmo depois da perda do pai ele continuaria trabalhando na chefia da equipe do churrasco, ele não chegou nem mesmo a pensar antes de responder: “Com certeza eu vou. Não tem jeito, Palmitópolis é o meu lugar”.

Esse é o legado da família Gallo na festa do costelão, que já viu os espetos passarem pelas mãos de duas habilidosas gerações de churrasqueiros.

Almir Sassi, o Licão, é outra pessoa que vai fazer falta na próxima festa. Ele trabalhava desde 1997 e não tinha um setor da festa pelo qual nunca tenha passado. Keli, sua filha, contou que ele era “pau pra toda obra”: coordenava as equipes que iam de caminhão nas outras comunidades para buscar as mesas e os bancos, vendia cartelas e fichas em outras cidades, distribuía e encapava as mesas no dia da festa, cedia a caminhonete para a igreja no início da semana, o espaço do terreiro de casa para cortar a lenha, o trator com bomba para lavar as ruas, ajudava a preparar e servir a comida na festa, ele fazia de tudo.

A falta dele vai ser sentida em cada setor, e isso é algo que todos os trabalhadores do evento sabem lá no fundo, e que o próprio Carlos disse: todo mundo vai lembrar do Licão na próxima festa, o tempo todo.

Almir Sassi, o Licão, viu a festa nascer e crescer, e participou ativamente de todas elas. Em agosto de 2021, contraiu a Covid-19 e faleceu dentro de poucos dias.

Apesar das perdas e das incertezas, a festa definitivamente não chegou ao fim. Ao se referir a Genivaldo Camilo, responsável pela próxima edição do evento, Keli Sassi falou: “Quando ele diz que vai fazer algo, é porque ele vai”. Então os moradores e visitantes de Palmitópolis podem esperar ansiosamente, porque assim que possível, a festa vai voltar a acontecer.

Genivaldo disse que, apesar dos receios, o evento definitivamente não vai acabar. “A gente tem medo, porque ninguém sabe como vai ser daqui pra frente. De repente a gente não consegue muito lucro por conta da economia, talvez diminua os patrocínios, além de ter que seguir vários protocolos de saúde, né? Mas a gente quer e com certeza vai continuar com essa festa”.

Porque se tem uma coisa em que o povo de Palmitópolis é especialista, é em fazer festa!

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Mariana Luzan
Agência Comunitária de Notícias

Musicista que faz bicos de escritora na internet sem a mãe saber.