Caneta Bic (aquela clássica, de ponta grossa)

E porque elas não merecem a fama, apenas o mérito

Graziele Shimizu
agenciacamelia
2 min readJul 8, 2020

--

Depois de muitas indicações, especialmente pelo viés, digamos, psicanalítico das histórias, há algumas semanas me rendi ao BoJack Horseman. Eu poderia resenhar BoJack Horseman agora, pois venho sacrificando horas de sono e de estudo em prol da obsessão em assistir o mais rápido possível às 6 temporadas, mas não é sobre isso que vim escrever. No episódio 5 da segunda temporada, uma galinha fugida de um matadouro, chamada Becca, em algum momento cacareja algo que todos na cena entendem como ‘Bic’, o que despertou minha consciência para uma reflexão aleatória, porém não inédita: por que as canetas Bic são tão populares se elas são péssimas para escrever?

Então, ao contrário do que espero de uma resenha, digo logo minha opinião sobre o objeto em questão: eu não gosto de caneta Bic. Não gosto da sensação dos meus dedos naquela superfície plástica transparente, não gosto nem do tom de azul (Klein?), nem das outras cores, mas mais do que tudo, não gosto da forma como aquela ponta grossa corre na folha, da tinta espessa e de cor triste resistindo pra escorregar pelo canto da bolinha e se fixar para sempre no papel (aliás, exatamente por causa da sofrida forma de fluir, ela mudou a caligrafia do mundo, favorecendo a escrita em letra de forma — e fazendo dela a caneta longe de ser a ideal pra quem, assim como eu, utiliza o estilo médico de caligrafia).

Escrever com uma Bic é automaticamente sentir a dor aguda da minha tendinite ao final de uma escrita custosa. É como se meus pensamentos fossem sutilmente coagidos pelo desconforto do tubo plástico escorregando pelos meus dedos, como se minhas ideias fossem abruptamente interrompidas pela pequena partícula de sujeira que teima em impedir a tinta de fluir livremente por aquela ponta, ainda que eu a ameace com o fogo do meu isqueiro. E de alguma forma quase que mística, inexplicável, é ter uma dessas por perto que meus dentes são automaticamente cooptados pela textura daquela tampa, e chego a cansar pelo esforço em não me perder nos pensamentos estancados enquanto mastigo o plástico azul.

Ok, exageros à parte, obviamente a caneta Bic tem seu mérito, pois foi ela a protagonista da introdução das canetas esferográficas no nosso cotidiano. Mas é claro que esse não é seu maior valor: por algum motivo, que nada tem a ver com minha tendência cleptomaníaca inconsciente, não importa quanto tempo faz que não gasto nenhum centavo com uma caneta Bic, misteriosamente é sempre ela quem está lá, no fundo da mochila, me permitindo fazer anotações em pedaços de papel que nunca mais vou ler ou mesmo encontrar novamente.

--

--