Palavras do isolamento: Espaço

Onde as fronteiras são neblinas que vem e vão

Verônica Batista
agenciacamelia
2 min readJul 27, 2020

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O coração acelerado batia contra a caixa torácica como se não houvesse espaço o bastante ali dentro, como se quisesse expandir o quanto fosse possível aquele apertado cômodo entre as costelas. Senta, respira fundo, preenche cada pedacinho vazio com oxigênio e solta pela boca, com a força de um furacão, tentando jogar pra fora tudo aquilo que a faz se afogar em si. Repete esse inspira profundo e expira violento mais três vezes, enquanto esfrega as mãos uma na outra, depois nos braços e pernas, pra fazer a mente lembrar que também mora naquele espacinho de um metro e meio de altura.

Será que o corpo da gente é medido em área ou volume? Nunca foi boa em matemática, ou qualquer que seja a disciplina que lida com as questões práticas da vida, mas, neste caso, nem precisaria ser: sabia que o espaço do corpo era muito apertado para o tanto que pulsa ali dentro.

Antes da quarentena isso não importava muito, tinha o mundo todo para distraí-la da claustrofobia que era habitar a si própria. A natação também a ajudava a disfarçar o enclausuramento, embaixo d’água era como se seu corpo se alargasse até ocupar todo o volume da piscina. Mas há quantos dias já não mergulhava tão profundo? Parou de contar no centésimo, não fazia mais sentido marcar o tempo.

Agora, tenta liberar espaço dentro do apartamento para ver se crescia um pouquinho mais com as tentativas de novos hábitos: alongamentos diários, aulas de dança online, a retomada corajosa do velho caderno de desenhos com páginas amareladas que dão um tom antigo para qualquer ilustração nova. Tenta expandir o viver com cursos, leituras, conversas e até culinária. Tenta ampliar os limites da sua existência sem ultrapassar a segurança dos dois metros de distanciamento social, sem sufocar com a máscara de tecido feita em casa, sem enlouquecer com a ideia de que seu corpo, seu tão pequeno e apertado corpo, também pode ser habitat de outros tantos vírus com quem faz vizinhança.

Depois de cento e tantos dias, mergulhar não é mais um exercício de apneia em que o ar fica guardado dentro de si por minutos longos e intermináveis, mas, ao invés disso, é uma tentativa de respiração, de encher e esvaziar o pulmão. Encher e esvaziar a mente. Encher e esvaziar o corpo.

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