Quanto tempo cabe em 5 anos?

O tempo está passando rápido demais, mas, ao mesmo tempo, já fiz tanta coisa.

Verônica Batista
agenciacamelia
8 min readOct 10, 2019

--

Quando decidimos falar sobre o tempo nas redes da Camélia, tudo o que consegui pensar foram perspectivas muito negativas relacionadas a passagem do tempo. A intenção de falar sobre esse assunto veio do fato de que outubro é o mês em que a Camélia completa cinco anos de existência. Mas como assim já passaram cinco anos?

Desses cinco, estou presente há 3, e quando comecei a trabalhar aqui o Instagram mal tinha lançado a função Stories — o lançamento oficial ocorreu em 02 de agosto de 2016. Aliás, poderíamos fazer um texto apenas apontando as mudanças das redes sociais nos últimos cinco anos. Ou falando sobre as novas tecnologias que surgiram. Ou sobre as que morreram.

Fizemos uma reunião de pauta aqui na Camélia em que ficamos discutindo sobre a passagem do tempo por duas horas. Não posso dizer que houve um consenso. Na verdade, houve um: o tempo está passando muito rápido. E a tecnologia afeta a nossa percepção da passagem do tempo.

Algumas de nós vê isso com mais otimismo, os novos paradigmas desse mundo digitalizado vai nos ensinar coisas novas e mudar a nossa maneira de viver, que bom, vamos nessa. Outras já percebem isso com mais desconfiança, será que estamos abrindo mão de coisas que são essenciais ou nos deixando levar sem um olhar crítico e escolha consciente?

Tudo que está no tempo, por definição, vai desaparecer. Menos a única coisa que não desaparece: o presente. — André Comte-Sponville

Então, o que é o tempo?

Me fiz essa pergunta, mas não sou a única: “Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se me perguntam, e quero explicar, não sei mais nada”, foi a constatação de Santo Agostinho no Livro XI da obra Confissões. Olhando o tempo sob a ótica da Filosofia, o tempo é esse mínimo instante. Quando você começou a ler esse parágrafo era o seu presente, que agora já é passado e a cada palavra lida é um novo instante que já se foi.

O filósofo e escritor Francis Wolff explicou um pouco mais sobre isso no documentário Quanto tempo o tempo tem, disponível na Netflix: “Se pode dizer que o presente existe para nós, já que nós existimos no presente. Não faz sentido dizer que existimos no passado, já que, no passado, existíamos no presente. E, no futuro, existiremos no presente. E até mesmo na minha memória, o que está na minha cabeça agora, está no presente. Me lembro de algo no passado, mas não vou até o passado, é agora. E quando imagino o futuro, é uma imaginação presente. Então, alguns filósofos concluíram: só o presente existe.”

Quando só existe o presente, o agora, e esse agora é um instante — não é um ano, um mês, um dia, uma hora, um minuto e nem mesmo um segundo, acabamos de frente com algo que é muito difícil de capturar.

“Tudo que está no tempo, por definição, vai desaparecer. Menos a única coisa que não desaparece: o presente. Mais uma vez, desde que você nasceu, que eu nasci, o presente nunca nos deixou. Nós nunca deixamos o presente. O que o tempo não faz desaparecer? O presente. Quer dizer, o próprio tempo”, afirma André Comte-Sponville, filósofo e escritor, neste mesmo documentário.

Das coisas que a gente inventa

Filosoficamente falando, tudo o que temos é o agora. Mas a gente também é muito bom em inventar coisas. Quando li Sapiens, uma breve história da humanidade, uma das coisas que mais me sacudiu foi a percepção de que a grande maioria das normas, modelos e paradigmas que pautam a nossa sociedade não existem. Quer dizer, existem porque nós criamos, mas não são acordos naturais ou premissas materiais que nos foram dadas. E a passagem de tempo entra nessa lista de ficção criada pelo Homo Sapiens.

O nosso calendário, dividido em 12 meses com 28, 30 ou 31 dias de 24 horas, é uma invenção babilônica que surgiu há, aproximadamente, 4500 anos. Mas se quando éramos caçadores-coletores o que nos guiava era o nascer e o pôr-do-sol, após a Revolução Industrial o tempo ganhou também uma dimensão mecânica, e as horas são fixas, o que muda é o momento em que o dia nasce e escurece. A vida humana entrou numa rotina tão fechada e pontual como nunca antes visto na nossa história — e tudo isso em pouquíssimo espaço de tempo.

O paradoxo das férias

Acordamos todos os dias no mesmo horário — quando o celular toca, mais aquelas sonecas de 10 em 10 minutos. Então levantamos da cama, cada um faz seu ritual matinal e saímos para o trabalho. Batemos o ponto, começamos a labuta e batemos o ponto de novo para irmos embora. Tudo isso sabendo que vamos tirar férias daqui a algum tempo — que parece nunca chegar.

Não só o operário cedendo a sua mais valia pro dono dos meios de produção, como você também está produzindo os meios de produção e fornecendo conteúdo para que alguém lucre em cima daquilo. — Arthur Dapieve

Enfim, férias. 30 dias de descanso que, quando nos damos conta, já foi embora. Mas quando a gente olha para esses mesmos 30 dias de férias, que sentimos ter passado tão rápido, nos damos conta de que fizemos taaanta coisa que parece até ter durado mais tempo. O nome disso é “Paradoxo das Férias”, termo proposto pela psicóloga britânica Claudia Hammond, autora de Time Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception, ainda sem tradução no Brasil.

Ela explica que os acontecimentos marcantes da nossa vida, como quando fazemos algo novo, fora da rotina, geram memórias que são riquíssimas em detalhe, o que faz parecer que o tempo se alongou ao olharmos em retrospectiva. Por outro lado, quando estamos vivendo a rotina, o momento presente parece demorar muito a passar, mas as memórias são comprimidas em uma só e, ao olharmos para trás, a nossa sensação é de que o tempo passou voando.

Para muitas pessoas, ter acesso à quantidade quase imensurável de conexões, de informações que a internet oferece, pode fazê-las sentir que a vida está fragmentada. — Tom Chatfield

Por isso, quando estamos ali no Instagram todos os dias por uma hora sem que nada de interessante aconteça, ao olharmos para trás todas as memórias acabam se tornando uma só e a gente não consegue se lembrar onde foi parar o tempo.

O tempo de um clique

Inevitavelmente chegamos na tecnologia, internet, redes sociais, mundo digital. E para pensar sobre isso eu quero trazer três falas que também aparecem no documentário Quanto tempo o tempo tem:

“Para muitas pessoas, ter acesso à quantidade quase imensurável de conexões, de informações que a internet oferece, pode fazê-las sentir que a vida está fragmentada, que não há uma história coerente que elas podem dizer a si mesmas, que descreve tudo. Portanto, não há nenhuma maneira de saber ou entender tudo o que passa nas suas telas.” — Tom Chatfield, escritor e teorista da tecnologia.

“A vida que a gente leva, por exemplo, nas redes sociais, tem uma certa intensidade temporal. E se quanto mais tempo você gasta nessas redes sociais você tem a sensação da perda de tempo, é porque você está trabalhando com a concepção do tempo produtivo. Esse tempo que é basicamente de fundo capitalista, né? Essa ideia de que você tem que o tempo todo usar as horas do seu dia para trabalhar, produzir.” — Erick Felinto, professor especialista em cibercultura.

“Parte desse tempo livre também foi ocupado por empresas capitalistas de alta ponta de tecnologia, que fazem com que a força de trabalho prazerosamente gaste suas horas livres produzindo conteúdo para o Facebook, para o Twitter, e em algum momento isso reverte em lucro pros proprietários dessas marcas. Então, é o capitalismo mais avançado do que se pode pensar. Não só o operário cedendo a sua mais valia pro dono dos meios de produção, como você também está produzindo os meios de produção e fornecendo conteúdo para que alguém lucre em cima daquilo.” — Arthur Dapieve, jornalista.

Acho que um ponto muito importante é entender que tecnologia não é só a internet. Como já falei anteriormente, um camponês trabalhava de acordo com as estações do ano e um marinheiro precisava estar atento às marés. Mas com a Revolução Industrial a lógica de produção se transformou e a internet intensificou essa transformação.

A internet é vilã?

O virtual acabou com as distâncias, e quando a Catedral de Notre Dame pega fogo em Paris, nós ficamos sabendo no mesmo instante, do mesmo modo que franceses ficaram sabendo que o céu de São Paulo escureceu às 3h da tarde e que a Amazônia estava em chamas. Se tempo e espaço se relacionam, quando você tira o espaço da jogada, você também modifica o tempo nessa equação.

Psicólogos, psicanalistas e neurocientistas ainda estão estudando os impactos dessa mais nova revolução que surgiu com a popularização da internet. Muitos afirmam que os smartphones acabaram com o tédio, que há sempre mais opções de divertimento do que tempo disponível para consumi-las, surge o FOMO (“Feer of missing out”, ou o medo de ficar de fora), aumentam as crises de pânico, ansiedade e depressão. A barra de rolagem representa o espaço-tempo infinito das redes sociais — e tudo isso em apenas duas décadas. Mas será que só tem coisa ruim, mesmo?

Vale lembrar que, quando tocamos nesses pontos, o tempo é preciosíssimo e não temos nem mais um segundo a perder.

Só chegamos onde chegamos porque os seres humanos estão mudando o tempo inteiro. E para continuarmos caminhando para frente é preciso que a gente faça algumas transformações urgentes — e aqui não estou nem falando de ter uma relação mais saudável com as redes sociais ou de consumir de maneira consciente, mas sim de mudanças estruturais no que diz respeito ao meio ambiente e questões sociais como racismo e machismo. Vale lembrar que, quando tocamos nesses pontos, o tempo é preciosíssimo e não temos nem mais um segundo a perder.

A internet possibilitou que a gente escute pessoas de todos os lugares do mundo, a todo momento. Para quem se dispõe, essa troca pode nos abrir o olhar para questões que não fazem parte da nossa vivência, para urgências que nem sabíamos que existiam e para mobilizações que extrapolam as telas e ganham ações práticas.

Dores e delícias de envelhecer

Bem, a ideia inicial desse texto era para falar que a Camélia está completando cinco anos. E se estamos há cinco anos trabalhando com conteúdo para a internet é porque acreditamos que muita coisa boa pode surgir desse espaço virtual. Pode, e surge. Quando você abriu esse texto, por exemplo, você viu que ele levaria 8 minutos para ser lido, e cá estamos: você me deu esses minutos preciosos da sua vida, e eu espero que, neste ponto, você se sinta bem por ter perdido esse tempo comigo.

Eu fiquei dias para escrever este texto, e aqui está o resultado, publicado. O tempo passou, inevitavelmente, e chegamos ao único lugar que sabíamos, desde o princípio, que a gente iria chegar: no fim.

--

--