Narcizo, pai.

Sua história começou em 1920, nove anos antes da grande depressão. Seus pais, donos de um armazém em Rio Claro, interior de São Paulo, viviam da renda do estabelecimento.

Agui Melo
Aguinaldo Melo
3 min readJul 22, 2016

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1929, a quebra da bolsa de Nova Yorque fez com que os agricultores queimassem a colheita de café do ano no porto de Santos. Os pais de Narciso viram o negócio ruir. A família passou grande necessidade.

Narcizo e seu irmão mais novo Olívio passavam o dia caminhando entre plantações de cana e melancia. Lá matavam a fome. Olívio contou que, certa vez, os dois irmãos comeram cana de açúcar e dormiram. Quando acordaram, o canavial estava em chamas — Foi uma infância de muitas aventuras.

Narcizo e sua bicicleta azul

Ao chegar ao final da adolescência, a família se mudou para Mogi das Cruzes. Narcizo conheceu Conceição, uma jovem que havia se mudado de Paraibuna para a cidade. Ali nascia a família Carmo.

Extremamente esforçado, Narcizo trabalhou na construção Civil e na indústria. Morou alguns meses em São Paulo, no bairro de Santana. Lá construiu uma casa, bem ao lado de onde poucos anos depois seria construído o presídio do Carandiru.

De volta para Mogi, Narciso trabalhou em uma empresa chamada Griffith, um laboratório alimentício. Ali, ele quase perdeu um braço em um acidente de trabalho. E para se recuperar ficou mais de 40 dias internado em um hospital. A cicatriz no braço nunca lhe impediu de trabalhar.

Quando mais jovem, Narcizo ia todos os Domingo a missa. Preferia a missa das sete, enquanto Conceição ia na missa das nove. Sua bicicleta Peugeot, azul, era sua fiel companheira. O bagageiro grande era perfeito para carregar as verduras que Narcizo trazia do varejão, local que ele frequentava todos domingos após a missa, uma espécie de ritual.

Sua vida foi pautada em honestidade, amor e carinho. Narcizo não era de muitas palavras, mas usava das poucas palavras para compartilhar sabedoria e amor.

A infância difícil lhe deixou cicatrizes que ele carregou por toda vida. Os banhos eram curtos, pois ele tinha medo de gastar energia. O temor que a escassez voltasse, fez com que ele guardasse dinheiro por toda a vida.

Colchão, buracos na parede, esconderijos no guarda roupa, eram alguns dos seus lugares favoritos para confiar suas economias.

De tempos em tempos, Conceição, entre uma faxina e outra na casa, encontrava um desses tesouros, e esses eram dias em que comiam uma carne especial. Narcizo quando descobria ficava possesso, Conceição sempre negava tudo.

Alguns desses dinheiros se desvalorizaram com o tempo. Eram tempos em que Bancos quebravam de uma hora para outra, que a inflação cavalgava em ritmo acelerado.

Quando Conceição partiu, foi como se um pedaço dele tivesse partido. Os dois eram companheiros, amores e tudo mais que um casal pode ser.

O amor dos filhos e sua saúde impecável lhe manteve vivo até os 95 anos. Seu maior legado é ser um exemplo de paciência, honestidade e amor.

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