Cozinha Solidária: o combate à fome e o protagonismo da mulher

A Horta
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3 min readJun 8, 2021

Compra os alimentos, faz os sucos, fecha as quentinhas e distribui. Essas são algumas das atividades que a organizadora de tarefas Thaylla Gomes realiza na Cozinha Solidária de São Gonçalo. São de 300 a 400 quentinhas entregues toda semana. Quando o domingo chega, Thaylla e todas as outras coordenadoras e cozinheiras já sabem: é dia de alimentar.

Como o nome bem sugere, a Cozinha Solidária é um projeto que busca, através da coletividade e de ações solidárias, levar refeição de qualidade a quem não tem. E olha que são muitas as pessoas em situação de insegurança alimentar. São mais de 125 milhões de brasileiros e brasileiras que não comeram o quanto deveriam desde a chegada do coronavírus. Os dados são do Grupo de Pesquisa “Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia”, da Universidade Livre de Berlim.

Desenvolvido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MTST, a Cozinha Solidária rompe os limites geográficos e já está levando alimento a pessoas de quatro estados brasileiros, além do Distrito Federal: Alagoas, Rio de Janeiro, São Paulo e Roraima.

É verdade que na pandemia mais pessoas precisaram de outras alternativas para a alimentação, mas mesmo antes de 2020, a Cozinha Solidária já tinha nascido. Com o acúmulo de experiência em cozinhas coletivas, fruto de ocupações, o MTST deu vida a essa nova alternativa de combate à miséria. Afinal, enquanto cresce o número de gente com fome, cresce também a solidariedade.

Diferente da realidade que a população com fome enfrenta, na Cozinha Solidária, além de quantidade também existe a preocupação com a alimentação equilibrada. Com a horta urbana, outra iniciativa também do MTST e apoiada pelo Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), as três ou quatro refeições por dia deixam de ser apenas um alimento para encher a barriga e passam a nutrir também.

Mas quem são as pessoas à frente da iniciativa que ganha tanta força? Nós, mulheres.

De acordo com uma das coordenadoras da Cozinha Solidária, Júlia Ladeira, aproximadamente 80% da militância do MTST é feita por mulheres. E na cozinha do movimento não é diferente. Recorrentemente, a cozinha no espaço privado foi sinônimo de aprisionamento e reforço do machismo. Mas a atuação da mulher no preparo de alimentos do Movimento ganha novos significados: o de empoderamento, de construção de uma rede de apoio e de coletividade.

Se por muito tempo a frase “lugar de mulher é na cozinha” foi dita em tom pejorativo e reforçando o machismo e o sexismo, iniciativas como a Cozinha Solidária fazem com que o espaço da cozinha se torne mais uma ferramenta de resistência e de ressignificação, a partir do trabalho coletivo.

Como explica Júlia Ladeira: “Quando a gente traz esse pertencimento do espaço da cozinha para uma cozinha coletiva, a gente ressignifica primeiro como uma forma de empoderamento, em que a mulher toma consciência de sua própria força e de sua própria voz. O outro lado dessa atuação da mulher na Cozinha é a sua emancipação, que é vinculado a um processo coletivo. Então, nada que se faz na Cozinha é individual ou solitário, porque uma mulher sozinha empoderada não é suficiente: ela não é o fim do processo, ela é o início do processo”, ressalta.

Enquanto negam a voz da mulher em incontáveis espaços da sociedade, iniciativas como a Cozinha Solidária devolvem o protagonismo e a presença feminina na cozinha, de forma livre. Presença essa, dessa vez, marcada como uma rede de acolhimento e solidariedade a quem precisa, nesse momento de crise econômica e social.

Texto por Raíssa Amaral

Reprodução/ Site do MTST

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O Coletivo Solidário pela Alimentação é uma iniciativa da comunidade acadêmica do curso de Jornalismo da UFRRJ em apoio à rede de combate à fome.