Pátria Amada que tem fome

A Horta
ahortajornal
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3 min readJun 18, 2021

“A carência aumentou, a fome aumentou e a gente nunca trabalhou tanto!” — afirma Matusalém da Silva Barboza, que atua em pastorais sociais na Baixada Fluminense há 24 anos. Ele lembra que as pessoas das pastorais se assustaram nos primeiros meses, março e abril do ano passado, já que não tinham como ajudar.

Da Bacia Amazônica às Cataratas do Iguaçu, a fome passeia pelos corredores da história brasileira. Ora anda a passos lentos tal qual uma lendária hóspede; ora grita, bate às portas e traz, presos às suas correntes, o medo e a incerteza. A fome é uma andarilha incansável. Por mais que muitas pessoas acreditem ser quase um mito, quando menos se espera ela chega ao seu bairro, à sua rua e, sorrateira, senta-se à mesa e encara os pratos vazios.

O Brasil deixou o Mapa da Fome (levantamento sobre carência alimentar realizado pela ONU) em 2014. Porém, pesquisas recentes justificam o retorno à lista. Desde 2018, o IBGE publica dados que mostram como a fome crescia no país. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), no período de 2017 a 2018, avaliou que 10,3 milhões de brasileiros passavam fome. Recentemente, o Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar (elaborado pela Rede Penssan) revelou que, de 2018 a 2020, a fome no Brasil aumentou 27,6%. Os números da pesquisa mostram que 19,1 milhões de pessoas estavam em situação de Insegurança alimentar grave (fome).

O mesmo estudo revelou, ainda, que metade dos entrevistados tiveram redução da renda familiar durante a pandemia. Isso resultou em, aproximadamente, 40% das casas que possuíam renda estável passando por situação de insegurança alimentar leve. Em outras palavras, não havia garantia de acesso à comida no futuro ou a qualidade dos alimentos foi comprometida.

Outro estudo, Food for Justice — Power, Politics and Food Inequality, divulgado pela Universidade de Berlim, em colaboração com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília, apontou que 6 em cada 10 residências brasileiras, entre os meses de agosto e outubro de 2020, tiveram dificuldade de ter três refeições por dia. Além disso, das famílias entrevistadas que receberam auxílio emergencial, 74,1% não garantiam que teriam uma refeição ao dia, durante os meses que obtiveram o dinheiro.

A chegada da pandemia do novo coronavírus não resultou apenas em uma crise sanitária, mas também política e econômica. A alta no preço dos alimentos aumentou a dificuldade de garantir alimentação básica. Segundo a Pesquisa Nacional de Cesta Básica de Alimento, na capital carioca, em dezembro de 2020, foi necessário comprometer 64,25% do salário mínimo para assegurar o que deveria ser um direito essencial do ser humano: comida.

Existe um estranhamento natural, quando se fala em “escassez de alimento”, para o brasileiro que nunca esbarrou com a fome pelas estradas da vida. O Brasil, de acordo com estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), nutre cerca de 10% da população mundial. O solo desta mãe gentil oferece sustento ao mundo, mas não a todos os seus filhos.

Na contramão da fome, no entanto, caminha a solidariedade. Da Cozinha Solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto ao Ministério de Promoção Humana da Igreja Católica, pessoas mobilizam-se em ações comunitárias de distribuição de quentinhas, cestas básicas e dignidade.

Atualmente, cerca de 30 famílias são assistidas nas proximidades do bairro Doutor Laureano, em Duque de Caxias, (área que Matusalém coordena). O combate à fome é como uma romaria que segue por uma estrada longa, abraçando todos que seguram firme em seu fio condutor: a esperança! O destino comum é uma pátria que protege os nascidos de seu chão.

Texto por Mariana Rodrigues

Foto por Mariana Rodrigues

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O Coletivo Solidário pela Alimentação é uma iniciativa da comunidade acadêmica do curso de Jornalismo da UFRRJ em apoio à rede de combate à fome.