Deixa eu te apresentar Zé Manoel?

A natureza e os sentimentos nas canções atemporais de Zé Manoel.

Steffi de Castro
Ainda escuto álbuns
5 min readDec 13, 2019

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Conheci Zé Manoel por causa do álbum “Delírios de um Romance a Céu Aberto”, produzido pelo DJ Zé Pedro e onde várias artistas, como Ana Carolina, Fafá de Belém e Amelinha, além do próprio Zé Manoel, cantam as músicas. O álbum é de 2016 e, embora eu tenha ouvido as composições de Zé nessas vozes incríveis, acho que, naquele momento, o trabalho não me pegou de vez porque eu não conhecia o Zé Manoel. Sabe? O Zé Manoel. Eu ainda não tinha parado para ver e ouvir ele cantando e tocando, depois que fiz isso, não teve jeito. Zé Manoel lançou a versão Ao Vivo de Delírios de um Romance a Céu Aberto este ano, particularmente não gosto muito de álbuns ao vivo, mas esse é perfeito.

Então, vai ficar um pouco complicado falar do álbum em si, mil perdões, terei que desrespeitar o título que esse quadro leva. Dessa vez quero tentar te instigar a ouvir o Zé Manoel, tudo bem?

Zé Manoel é um cantor, compositor e pianista pernambucano. É difícil definir o que ele faz, é realmente complicado falar. Eu sinto que ao mesmo tempo em que ele tem algo que lembra o sertão, a simplicidade, as composições simples com alusões à natureza, sem grandes viradas nas melodias ou muitos enfeites, ele também tem algo lírico, clássico, tão forte que é impossível não perceber. Ele sequer faz esforço ao cantar, algumas vezes é acompanhado de uma pequena banda: bateria, violoncelo e baixo. A música de Zé Manoel parece um cordel cantado bem lentinho… O resultado é sempre incrível e arrebatador. Principalmente para quem tem uma alma romântica e um pouco velha.

Inclusive, quando estava ouvindo perto da minha avó, ela soltou: “Essas músicas antigas bonitas não se fazem mais assim…”. Realmente, algumas canções até lembram Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Maysa…

Pra falar a verdade, já perdi as contas de quantas vezes chorei ouvindo Zé Manoel tomada por emoções que a música causa. Sem necessariamente estar sofrendo, entendem? Chorando apenas por estar emocionada. Escolhi 4 músicas que podem servir de introdução ao trabalho dele. Vamos lá?

Canção e Silêncio

Em 2015, com patrocínio do Natura Musical [viva a Natura Musical!], Zé Manoel lançou o seu segundo disco: Canção e Silêncio. A música que intitula o álbum é a primeira que eu fortemente te recomendo a ouvir. Não apenas a ouvir, mas a assistir. Há um vídeo de Zé Manoel cantando com sua banda, mas particularmente, prefiro esse da famosa Mostra Cantautores, anualmente acontecendo em Belo Horizonte. Aqui vemos Zé Manoel e só. Ele e o instrumento fazem tudo juntos, sozinhos.

Canção e Silêncio é o mais puro clichê, não é? E o quanto esse “clichê” é lindo eu não sei nem dimensionar. É honesto, simples, direto… E enorme.

Delírio de um romance a céu aberto

Foi a primeira música dele que ouvi, o single do álbum que citei mais lá em cima. A composição é de autoria do Zé Manoel junto com a Vanessa da Mata ♥

Essa música é uma das poesias mais bonitas que já li/ouvi nos últimos tempos:

Eu nasci numa cama d’água, ouça
Numa casa à beira de um rio parado, ouça
Que me observava crescer às margens de tamanha água
Eu nadava em meus braços o rio em volta o rio me levava

Bem-te-vis, canarinhos, ingás
Mangas de tantas qualidades
Até que o sol se pôs
As estrelas são penduricalhos de um romance
A beira do rio inundou minha casa, margaridas espalhadas

Eu era uma nada conhecia a madrugada
E o rio se mostrou fálico
Romance às margens
Eu conheci a madrugada
Me tornei um nada
Entendi o rio

Eu conheci a madrugada
Me tornei um nada
Entendi o rio
Delírios de um romance a céu aberto
Delírios de um romance a céu aberto

Bem-te-vis, canarinhos, ingás
Mangas de tantas qualidades
Até que o sol se pôs
As estrelas são penduricalhos de um romance
A beira do rio inundou…

A forma como Vanessa e Zé utilizaram tantos elementos da natureza para falar de um amor, talvez? Para falar de como a própria natureza é um romance? Para entender que só quando a gente se torna um “nada”, é possível entender o rio… A natureza não é tão complexa quanto nós.

Cheio de Vazio

Essa canção também está no segundo álbum de Zé Manoel. E, olha, sinceramente, eu não sei o que dizer mais a não ser que é tudo tão tranquilo e profundo.

Não me peça nada, eu vou sair de madrugada, eu não sei onde ir, eu não estou aqui para me aconselhar a parar…

Eu amo músicas politizadas. Eu amo músicas que sempre trazem à tona algo para fazer a gente se indignar, sabe? Mas, confesso, vez ou outra, eu quero apenas ouvir sobre amor. Eu quero só sentir o que é visceral.

Faz de conta que eu não estou, aos prantos eu guardei o meu melhor sorriso pra você… E ainda estou aqui, desculpe, vai chover…

Valsa da Ilusão

Aqui, o que denomino de “clássico” fica óbvio. É uma valsa, é quase uma canção trovadoresca.

E quando sol apareceu no céu foi tão cruel, eu acordei de braços com o papel, eu quis compor uma canção pra nós. Meu coração guardou essa melodia… Ai, doce ilusão você comigo algum dia…

José Teles, um jornalista e crítico musical, uma vez definiu o trabalho de Zé Manoel como “[…] um grande autor de canções, ou seja, de músicas que não se comprometem com tempo e lugar. Nascem para ser eternas, sem vínculos com modas, ou tendências.”

Não encontro outras palavras mais certeiras para falar dele. Também não consigo encontrar outros motivos para te fazer conhecer o trabalho de Zé Manoel senão dizer que o que ele canta é tudo o que todos podemos sentir um dia ou já sentimos, é eterno. Abre espaço para o Zé, deixa ele passar.

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