Experimentos e poesia em “Eu não morreria sem dizer”, primeiro disco de Troá

Steffi de Castro
Ainda escuto álbuns
3 min readDec 16, 2019
Foto de Gabriel Castilho

A minha atenção foi chamada, primeira, pelo nome: Troá. Nome pequeno, forte, não dá pra confundir com outra palavra. Não tive dúvidas de que, na verdade, não dá pra confundir com mais nada.

A banda carioca é formada por Carolina Mathias (baixo/teclado/guitarra) e Manuela Terra (baterista). Juntas há mais de 10 anos, a dupla vem mostrando todo o potencial criativo em arranjos, composições e posicionamentos. A poesia cantada tem voz, som e motivo. Em 2018 lançaram um EP chamado “Miolo”, com 7 faixas, uma “amostra” do que podemos ver agora com mais robustez em Eu não morreria sem dizer, álbum lançado em outubro de 2019.

As músicas são relativamente “longas”, uma média de 4 minutos cada, 13 músicas. Parece muito, mas ouvir foi tranquilo, quando dei por mim, tinha acabado e eu gostaria de mais. Escolhi 3 músicas para você conhecer Troá:

1 Você me dá vontade de morrer antes da hora

A voz grave, firme e cortante de Carolina já deixar o olho de tantas de nós marejados: os dias passam por cima de mim/e mesmo quebrada/mesmo aqui/eu deixo o mar quebrar em mim/deixo você me partir/eu vou te invadir pra ver se resta um pedaço meu. É forte, triste e doloroso. Quase um pedido desesperado de alguém por si mesmo depois de tantas dores, um abismo que é meu, só meu, eu procuro fundo, eu procuro fundo e não acho não. Terminei de ouvir e só conseguir pensar que ora só, o processo de se conhecer e de buscar um preenchimento existencial (que sequer existe) é exatamente assim: uma busca profunda, dolorosa, a gente se invade e mesmo quebrada continuamos. A batida da bateria dá o tom pros sentimentos e epifanias que podem surgir. Aproveite.

2 Ímpeto

É a primeira mais dançante e tem a participação de Chico Chico (sim, o Chicão, filho da Cássia Eller, que inclusive esteve aqui em São Luís ano passado). A música é um grito, dizem por aí naquelas imagens de instagram que a gente gosta de compartilhar, que uma mulher, depois que descobre o que ela e o que ela pode, não tem pra ninguém. Ímpeto é o nome disso, é um hino: eu tô aqui pronta de novo pra comer esse mundo feito um touro/ e de grama em grama abre espaço pra eu passar/ passei/ eu não vou deixar você subir em mim/ eu não vou deixar você me quebrar assim/ tá pra existir o que me leve de onde eu tenho que estar/ meu caminho é dor, mas também é luz… Estamos todas aqui pra comer esse mundo!

3 Nasce morre só

A música lenta e dolorida. Eu me lembrei de uma frase/versinho (não sei) de Rachel de Queiroz: “a gente nasce e morre só, talvez por isso mesmo é que se precisa tanto se viver acompanhado”. Aqui nessa música, o que é retratado é finalmente o encontro com esta verdade: nascer e morrer são fatos solitários. O que está entre isso é que depende de nós.

O álbum de estreia de Troá é também bastante politizado e com muitas experimentações. Recomendo muito ouvir inteirinho, Tobogã, Eu tenho Raiva, Luz Só do Sol, são outras faixas muito interessantes e bem trabalhadas. Ouça todinho aqui: spotify / youtube

Foto por Gabriel Castilho

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