Chapter: um lugar para chamar de seu

Arthur Magalhaes Fonseca
aisdigital
Published in
4 min readSep 23, 2020

Quero começar esse texto propondo que você imagine uma situação bem comum: uma chapter composta por um grupo de pessoas mais experientes e outro de mais iniciantes. Imaginou? Agora me responde: qual dos dois grupos deveria ser o responsável por propor os assuntos a serem debatidos?

Diante dessa situação, o comum é que o grupo mais experiente assuma a pauta. Afinal, a experiência deles lhes concede mais propriedade para falar de determinados assuntos, além de naturalmente deixá-los mais à vontade numa discussão em público.

Foi o que aconteceu em nossa chapter de JVM. Tivemos discussões riquíssimas sobre Spring Reativo, Spock, RxJava, API First, Pipelines e por aí vai. Conforme o passar do tempo, nossos encontros abordavam pontos cada vez mais complexos, o que elevava o nível das discussões, algo que é sempre um ponto positivo… Certo?

Um problema silencioso

Durante as nossas discussões, o grupo de pessoas mais iniciantes não participava muito, nem mesmo para fazer perguntas. Na época, achei que isso era natural e até um bom sinal, pois demonstrava que eles não tinham dúvidas e, portanto, estavam conseguindo acompanhar a discussão.

Acontece que todos da chapter tinham essa mesma noção, inclusive os próprios iniciantes! E é aí que reside o problema: por achar que estávamos todos no mesmo nível, ninguém queria fazer perguntas por medo de se expor ao ridículo.

Dessa forma, quanto mais elevávamos o nível da discussão, maior o abismo entre os dois grupos se tornava, ao ponto que, em um dado momento, os iniciantes sequer conseguiam se relacionar com a pauta. Afinal, as dores deles nunca foram sobre Spring Reativo, Spock, RxJava, API First ou Pipelines, mas sim sobre como criar um projeto, estruturar pastas, fazer testes, Continuous Integration e por aí vai.

Por outro lado, nosso time de especialistas pensava em trazer temas cada vez mais complexos para serem discutidos. Caso contrário, os desenvolvedores mais experientes poderiam “achar aquilo muito trivial”. Resultado: estávamos nos deslocando da realidade em ambas as frentes.

Como reduzir o abismo entre experientes e iniciantes?

Uma coisa muito comum entre profissionais de programação é o sentimento de despreparo quando eles olham para os demais colegas. Entretanto, a verdade é que esse abismo é normalmente muito menor do que parece.

Para reduzir a percepção de disparidade em nossa chapter, a solução encontrada foi expor a vulnerabilidade dos mais experientes. Nesse sentido, existe um assunto que qualquer um tem propriedade para falar e ajuda a colocar todos de igual para igual: o caminho traçado por cada um ao longo da carreira.

Em um determinado encontro, falei sobre a minha jornada pessoal na programação, que começou lá em 2008. Falei sobre todos os erros cometidos e as lições aprendidas. Contei como superei aqueles desafios que praticamente todo programador passa em algum ponto na carreira.

Uma chapter pode (e deve!) ser mais pessoal

Falar sobre a minha jornada, além de pautar erros e inseguranças comuns aos iniciantes, colocou a diferença de experiência entre nós sob a perspectiva correta. Eles não eram menos capazes, só estavam nessa jornada a menos tempo.

Isso encorajou membros mais iniciantes a trazerem suas próprias pautas, baseadas em suas próprias inseguranças. Temas como síndrome do impostor, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, e o porquê trabalhar com programação foram todos trazidos e liderados pelos iniciantes, ainda que fossem tópicos que qualquer programador já lidou ou vai lidar na vida.

Com essa abordagem, passamos a organizar nossos encontros mensais de forma que sempre seja possível mesclar conhecimentos novos com conhecimentos de base. Sempre de uma forma mais pessoal, para que a pessoa que vá falar possa compartilhar seus próprios pensamentos e vulnerabilidades.

Para engajar é preciso se relacionar

No final das contas, o engajamento acontece quando as pessoas se relacionam com o conteúdo. Uma chapter ou comunidade é um ambiente em que todo mundo deve ter a liberdade de expressar suas opiniões, sucessos e fracassos referentes ao assunto.

Com essa liberdade, as pessoas tendem a participar mais das chapters, pois veem valor em como colaborar. Afinal, elas têm a liberdade de apontar o que não entenderam para que, assim, possamos alicerçar nossa base sem nos distanciarmos dos problemas reais que cada um tem em sua própria jornada.

E aí, como você faz para reduzir essa diferença de experiência entre os membros da sua chapter? Pensou em outra forma? Conta pra mim!

Esse artigo faz parte de uma série sobre chapters. A introdução pode ser encontrada em Por que fui surpreendido pelas chapters da AIS?

A série completa é:

  • 3 práticas comuns que mais atrapalham as chapters do que ajudam: Compromisso e pontualidade e o como isso impacta nos nossos encontros.
  • Chapter: um lugar para chamar de seu: em que discutiremos como aumentar a participação das pessoas e como trazer novos conteúdos.
  • É sobre pessoas, é sobre comunicação, é sobre soft skill, é sobre risco/Sua cidade, estado, país ou mundo para aumentar o engajamento — nesse artigo discutiremos como a comunicação é fundamental.
  • Livros que me influenciaram na minha teoria de engajamento — nesse artigo discutiremos alguns livros e insights que me influenciaram na chapter JVM
  • Organização de liderança/ Assembleias — nesse artigo discutiremos sobre (des) padronização de chapters, sabendo que uma chapter é um conjunto de pessoas, e que por tanto, algumas coisas não são passíveis de serem padronizadas. Autenticidade e autonomia estão no core dessa questão
  • Como as chapters ou comunidades morrem — nesse artigo discutiremos alguns sinais que podem ser observados para o desengajamento e morte de uma chapter.
  • Um homem que segura um gato pelo rabo aprende algo que ele jamais aprenderia de qualquer outra forma — nesse artigo discutiremos algo que só será possível descobrir por si mesmo ao liderar uma chapter. Em alguns cenários, a teoria é bem diferente da prática.

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