Objetos Cortantes e as dores silenciadas
‘Objetos Cortantes’, de Gillian Flynn, é um livro sobre dores silenciadas. A protagonista, Camille Preaker, é repórter de um jornal pouco conhecido em Chicago que precisa retornar a cidade natal em Wind Gap, no Missouri, para realizar uma investigação.
Uma menina foi assassinada cruelmente no local e, em menos de um ano depois deste caso, outra criança desaparece sem deixar pistas. Além de investigar se existe um possível serial killer na região, ao retornar, Camille enfrenta fantasmas do seu passado: a relação delicada com a mãe e a morte da irmã. É também nesta ocasião que ela conhece o padrasto e a meia-irmã Amma.
Para muitos, Camille não é considerada uma protagonista forte, porque ela não consegue impor a sua opinião e é sempre passiva quando estão lhe causando mal.
Para mim, é daí que vem a sua importância: ela já foi tão machucada ao longo da vida, que está lutando para ficar bem consigo mesma. Mesmo estando fragilizada e vulnerável, ela tem coragem de retornar ao local que lhe trouxe tanta dor e descobrir questões que não tinha visto antes.
As marcas do seu trauma não são só psicológicas, mas também estão marcadas em seu corpo: ela realiza a investigação após ter passado uma temporada em um hospital psiquiátrico, onde foi internada para tratar sua tendência à automutilação.
Ela passou por tantos momentos trágicos simultaneamente, que se cortava para aliviar a dor. Foram traumas que ela não podia compartilhar com ninguém, portanto permanecer calada foi a única opção.
A leitura pode parecer lenta, mas acredito que a autora escreveu desta maneira para que todos se sintam na pele da protagonista: a tensão, a angústia profunda, a incerteza, o sufoco e o medo de descobrir uma verdade tão dolorosa.
Este é um livro que fala sobre depressão, relacionamento abusivo com os pais, solidão e até sexualização infantil. A cidade do interior deixa a sensação de claustrofobia, já que várias violações que ocorrem lá são normatizadas e ninguém parece se importar. Os sentimentos e vidas perdidas são insignificantes diante das aparências.
Camille não tem o amor da mãe, sempre teve dificuldades para se encaixar e ao perder a irmã, ela perde o único vínculo amoroso familiar que tinha. Isso se reflete na vida adulta, já que ela precisa que enfrentar a baixo-autoestima no trabalho e problemas com o álcool.
Ela é uma solitária que está em busca da própria paz. No fim da leitura, Camille termina da mesma maneira que começou: inebriada e paralisada diante o horror. É uma realidade que ela não pode mudar e, mesmo desvendando os porquês que tanto a afligiam, é preciso se reconstruir novamente.
A obra literária foi adaptada para uma série na HBO, com Amy Adams como protagonista.